sábado, 22 de março de 2014

Capítulo 26

De mãos dadas, nós andamos em direção à Caverna. Eu monitoro a pressão na minha mão cuidadosamente. Em um minuto, sinto como se não estivesse segurando forte o suficiente, e no outro, estou apertando demais. Eu nunca entendia por que as pessoas se preocupavam em dar as mãos enquanto caminhavam, mas então ele passa um dedo pela palma da minha mão, e eu estremeço e entendo completamente.
— Então... — Eu me prendo ao meu último pensamento. — Quatro medos.
— Quatro medos antes; quatro medos agora — ele concorda. — Eles não mudaram, então eu continuo indo lá, mas... eu ainda não fiz nenhum progresso.
— Você não pode ser sem medo, lembra? — digo. — Porque você ainda se importa com as coisas. Com a sua vida.
— Eu sei.
Caminhamos ao longo da borda da Caverna em um caminho estreito que leva às rochas no fundo do abismo. Eu nunca notei antes – ele se misturava com a parede de pedra. Mas Tobias parece conhecer bem.
Eu não quero estragar o momento, mas tenho que saber sobre a sua prova de aptidão. Eu tenho que saber se ele é Divergente.
— Você ia me contar sobre os resultados do teste de aptidão — eu digo.
— Ah — ele coça a nuca com a mão livre. — Será que isso importa?
— Sim. Eu quero saber.
— Como você é exigente — ele sorri.
Nós chegamos ao fim do percurso e ficamos na parte inferior do abismo, onde as rochas formaram um solo instável, levantando-se em ângulos agressivos da água corrente. Ele me leva para cima e para baixo, através das aberturas pequenas e mais sulcos angulares. Meus sapatos agarram-se às pedras ásperas. As solas dos meus sapatos marcam cada pedra com uma pegada molhada.
Ele encontra uma rocha relativamente plana perto, onde a corrente não é forte, e senta-se com os pés balançando sobre a borda. Eu sento ao lado dele. Ele parece confortável aqui, centímetros acima da água perigosa.
Ele libera minha mão. Eu olho a borda irregular da rocha.
— Estas são coisas que eu não digo para as pessoas, você sabe. Nem mesmo meus amigos.
Eu ato meus dedos juntos e aperto-os. Este é o lugar perfeito para ele me dizer que é Divergente, se de fato ele é. O rugido do abismo assegura que nós não seremos ouvidos. Eu não sei por que o pensamento me faz tão nervosa.
— Meu resultado era como esperado. Abnegação.
— Oh.
Algo dentro de mim desinfla. Eu estou errada sobre ele.
Mas – eu havia suposto que se ele não fosse Divergente, deveria ter conseguido o resultado para Audácia. E tecnicamente, eu também consegui Abnegação – de acordo com o sistema. A mesma coisa aconteceu a ele? E se isso é verdadeiro, por que ele não está me dizendo a verdade?
— Mas você escolheu Audácia de qualquer maneira?
— Por necessidade.
— Por que você teve que sair?
Seus olhos se desviam dos meus, através do espaço na frente dele, como se procurasse ar para uma resposta. Ele não precisa me dar uma. Eu ainda sinto o fantasma de uma correia pungente sobre meu pulso.
— Você teve que fugir do seu pai — eu digo. — É por isso que você não quer ser um líder em Audácia? Porque se você fosse, teria que vê-lo de novo?
Ele ergue um ombro.
— Isso, e eu sempre senti que não pertenço completamente à Audácia. Não da maneira que eles são agora, em todo o caso.
— Mas você é... incrível — digo. Pauso e limpo minha garganta. — Quero dizer, pelos padrões da Audácia. Quatro medos é inédito. Como você pode não pertencer a aqui?
Ele encolhe os olhos. Ele parece não ligar para o talento dele ou o status entre os integrantes da Audácia, e isso é o que eu esperaria de alguém vindo da Abnegação. Não sei o que fazer com isso.
— Eu tenho uma teoria que altruísmo e coragem não são tão diferentes assim. Toda sua vida você é treinado para esquecer sobre si, então quando você está em perigo, isso se torna o primeiro instinto. Eu poderia pertencer à Abnegação facilmente.
De repente, me sinto pesada. Uma vida inteira de treinamento não seria suficiente para mim. Meu primeiro instinto ainda é a autopreservação.
— Sim, bem. Eu deixei Abnegação, porque não era altruísta o suficiente, não importava o quanto eu tentasse.
— Isso não é inteiramente verdade — ele sorri pra mim. — Aquela garota que deixa alguém atirar facas contra ela para poupar um amigo. Aquela que bateu no meu pai com um cinto para me proteger – aquela garota altruísta, ela não é você?
Ele descobriu mais de mim do que eu. E mesmo que pareça impossível que ele pudesse sentir alguma coisa por mim, dado tudo o que eu não sou... Talvez não. Faço uma careta para ele.
— Você tem prestado atenção, não tem?
— Eu gosto de observar as pessoas.
— Talvez você tenha sido descartado da Franqueza, Quatro, porque você é um péssimo mentiroso.
Ele põe a mão sobre a pedra ao lado dele, os dedos alinhados com os meus. Eu olho para baixo para nossas mãos. Ele tem dedos longos e estreitos. Mãos finas, feitas para movimentos ágeis. Não mãos da Audácia, que devem ser grossas e resistentes, prontas para quebrar as coisas.
— Ótimo — ele inclina o rosto mais próximo ao meu, seus olhos focando no meu queixo, lábios e nariz. — Eu te observei, porque gosto de você. — Ele diz claramente, abertamente, e com os olhos focados nos meus. — E não me chame de Quatro, ok? É bom ouvir o meu nome novamente.
Simples assim, ele finalmente se declarou, e não sei como responder. Minhas bochechas se aquecem e tudo o que eu consigo dizer é:
— Mas você é mais velho que eu... Tobias.
Ele sorri para mim.
— Sim, essa gritante lacuna de dois anos é realmente insuperável, não?
— Eu não estou tentando ser autodepreciativa, eu simplesmente não entendo. Eu sou mais jovem. Eu não sou bonita. Eu...
Ele ri, um riso profundo que parece que veio de dentro dele, e toca seus lábios na minha têmpora.
— Não finja — digo, com a respiração pesada. — Você sabe que eu não sou. Eu não sou feia, mas certamente não sou bonita.
— Certo. Você não é bonita. E então? — Ele beija minha bochecha. — Gosto de como você é. Você é mortalmente inteligente. É valente. E mesmo descobrindo sobre Marcus... — Sua voz amacia. — Você não está me dando aquele olhar. Como se eu fosse um filhote de cachorro chutado ou algo assim.
— Bem, você não é.
Por um segundo seus olhos escuros estão nos meus, e ele está tranquilo. Em seguida, ele toca o meu rosto e se inclina, roçando meus lábios com os dele. O rio ruge e sinto seu toque nos meus tornozelos. Ele sorri e aperta sua boca à minha.
Eu fico tensa no início, insegura de mim mesma, então quando ele se afasta, eu tenho certeza de que fiz algo errado, ou mal. Mas ele toma meu rosto entre as mãos, os dedos fortes contra a minha pele, e me beija de novo, desta vez mais firme, mais certo. Eu enrolo um braço em volta dele, deslizando minha mão até seu pescoço e em seu cabelo curto.
Por alguns minutos nós nos beijamos, no fundo do abismo, com o rugido da água ao redor de nós. E quando subimos, de mãos dadas, eu percebo que, se tivéssemos escolhido diferente, poderíamos ter feito a mesma coisa, em um lugar mais seguro, com roupas cinza em vez de pretas.

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