sábado, 22 de março de 2014

Capítulo 32

Eu observo cuidadosamente o rosto de Tobias enquanto caminhamos para a sala de refeições, atenta para qualquer sinal de desapontamento. Passamos as últimas duas horas deitados em sua cama, nos beijando, conversando e eventualmente cochilando, até que ouvimos gritos no corredor – pessoas indo para o banquete.
Ao menos ele parece mais radiante agora do que antes. E ele sorri mais, de qualquer forma.
Quando alcançamos a entrada, nos separamos. Eu entro primeiro e corro para a mesa que divido com Will e Christina. Ele entra depois, um minuto mais tarde, e senta perto de Zeke, que entrega a ele uma garrafa escura. Ele a recusa.
— Onde você se meteu? — Christina pergunta. — Todo mundo voltou para o dormitório.
— Eu só perambulei por aí. Estava muito nervosa para falar com qualquer um sobre isso.
— Você não tem nenhum motivo para estar nervosa — Christina diz, balançando a cabeça. — Eu me virei para falar com Will durante um segundo e você já havia terminado.
Noto uma pontada de ciúmes na voz dela, e de novo, gostaria de poder explicar que eu estava muito bem preparada para a simulação por causa do que eu sou. Ao invés disso, só dou de ombros.
— Que trabalho você vai escolher? — pergunto a ela.
— Estava pensando que talvez eu escolha algo parecido com o de Quatro. Treinando iniciantes. Assustando-os diariamente. Você sabe, algo divertido. E quanto a você?
Eu estava tão focada em passar da iniciação que mal pensei sobre isso. Poderia trabalhar para os líderes da Audácia – mas eles me matariam se descobrissem o que eu sou. O que mais sobra?
— Eu acho... que poderia ser uma embaixatriz para as outras facções — digo. — Acredito que ser uma transferida me ajudaria.
— Eu esperava que você fosse dizer algo como líder-da-Audácia-em-treinamento — Christina suspira. — Porque é o que Peter quer. Ele não conseguiu parar de falar nisso no dormitório mais cedo.
— E isso é o que eu quero — Will adiciona. — Com sorte, eu estarei numa classificação acima da dele... e de todos os nascidos na Audácia. Esqueci deles — ele geme. — Oh Deus. Isso vai ser impossível.
— Não, não é — Christina diz entrelaçando seus dedos nos dele, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Will aperta a mão dela. — Pergunta — Christina diz, inclinando-se para frente — os líderes que assistiram sua paisagem do medo... eles riram de alguma coisa.
— Foi? — Mordo meu lábio. — Estou feliz que meu terror os divertiu.
— Não tem ideia de qual obstáculo foi? — ele pergunta.
— Não.
— Você está mentindo — ela diz. — Você sempre morde a parte de dentro da sua bochecha quando está mentindo. É o seu segredo.
Paro de morder minha bochecha.
— Will aperta os lábios, se isso faz você se sentir melhor — ela acrescenta.
Will cobre a boca imediatamente.
— Ok, tudo bem. Eu estava com medo de... intimidade — digo.
— Intimidade — Christina repete. — Tipo... sexo?
Fico tensa. E me obrigo a concordar. Mesmo que estivesse a sós com Christina e ninguém mais ao redor, eu ainda iria querer estrangulá-la. Penso em várias formas de infringir o máximo de danos com o mínimo de força na minha cabeça. Tento lançar chamas através dos meus olhos.
Will ri.
— Como foi isso? — ela diz. — Quero dizer, alguém simplesmente... tentou transar com você? Quem era?
— Oh, você sabe. Sem rosto... um homem qualquer — digo. — Como foram as suas mariposas?
— Você prometeu que não contaria nunca! — Christina grita, batendo no meu braço.
— Mariposas — Will repete. — Você tem medo de mariposas?
— Não apenas uma nuvem de mariposas — ela diz. — Tipo... um enxame delas. Em todo lugar. Todas aquelas asas e pernas...
Ela estremece e balança a cabeça.
— Aterrorizante — Will concorda com uma falsa seriedade. — Essa é minha garota. Durona como bolas de algodão.
— Ah, cala a boca.
Um microfone soa em algum lugar, tão alto que preciso cobrir meus ouvidos com as mãos. Olho para Eric do outro lado da sala, que está em pé em uma das mesas com o microfone na mão, dando pancadas com o dedo para ver se está ligado. Depois das batidinhas e que toda a plateia da Audácia está em silêncio, Eric limpa sua garganta e começa.
— Não somos muito bons com discursos aqui. Eloquência é para a Erudição — ele diz.
A plateia ri. Me pergunto se eles sabem que uma vez ele já foi da Erudição; que, sob toda a pretensa irresponsabilidade e mesmo brutalidade Audácia, ele é mais da Erudição do que qualquer outra coisa. Se eles soubessem, duvido que estariam rindo com ele.
— Então vou ser breve. É um novo ano e nós temos um novo grupo de iniciantes. E um pequeno grupo de novos membros. Nós os parabenizamos.
Com a palavra parabenizamos a sala explode, não em aplausos, mas em punhos batendo nos tampos das mesas. O barulho vibra no meu peito, e eu sorrio.
— Nós acreditamos em bravura. Acreditamos em tomar decisões. Acreditamos em ser livres de medos e em adquirir as habilidades de expulsar tudo de ruim do nosso mundo e assim o bom pode prosperar e crescer. Se vocês também acreditam nisso, nós lhes damos as boas-vindas.
Mesmo sabendo que Eric provavelmente não acredita em nenhuma dessas coisas, me encontro sorrindo, porque eu acredito nestas coisas. Não importa no quão ruim os líderes tenham distorcido os ideais da Audácia, esses ideais ainda podem ser verdade para mim.
Mais punhos batendo, dessa vez acompanhados de vivas.
— Amanhã, em sua primeira obrigação como membros, nossos dez melhores iniciados irão escolher suas profissões, na ordem em que forem classificados — Eric diz. — As classificações, eu sei, são o que todos estão esperando. Elas foram determinadas pela combinação de três notas – a primeira, do estágio de combate do treinamento; a segunda, do estágio de simulação; e a terceira, do exame final, a paisagem do medo. As classificações irão aparecer na tela atrás de mim.
Assim que a palavra mim sai da boca dele, os nomes aparecem na tela, que é quase tão grande quanto à parede. Próximo ao número um está minha foto, e o nome Tris.
Um peso é retirado do meu peito. Não percebi que estava lá até que sumiu, e eu não precisava carregá-lo mais. Sorrio e um formigamento passa por mim. Primeira. Divergente ou não, essa facção é onde eu pertenço.
Esqueço a guerra; esqueço a morte. Will envolve seus braços atrás de mim e me dá um abraço de urso. Eu escuto congratulações, risadas e gritos. Christina aponta para a tela, seus olhos arregalados e cheios de lágrimas.

1. Tris
2. Uriah
3. Lynn
4. Marlene
5. Peter

Peter fica. Suprimo um suspiro. Mas então leio o restante dos nomes.

6. Will
7. Christina

Sorrio, e Christina atravessa a mesa para me abraçar. Estou muito distraída para protestar contra a afeição. Ela ri no meu ouvido.
Alguém me agarra por trás e grita no meu ouvido. É Uriah. Não consigo me virar, então me estico para trás e aperto seu ombro.
— Parabéns! — grito.
— Você os venceu! — ele grita de volta.
Ele me solta rindo, e correu em direção a um aglomerado de iniciados nascidos na Audácia.
Estico meu pescoço para olhar a tela novamente. Sigo a lista até embaixo.
Oito, nove e dez são nascidos na Audácia cujos nomes eu não reconheço.
Onze e doze são Molly e Drew.
Molly e Drew estão fora. Drew, que tentou correr enquanto Peter me segurava pela garganta acima do abismo e Molly, que alimentou as mentiras da Erudição sobre o meu pai, são sem facção.
Não é bem a vitória que eu queria, mas é uma vitória, mesmo assim.
Will e Christina se beijam, um pouco descuidados demais para o meu gosto. Em todo redor, punhos de membros batem nas mesas. E então eu sinto um tapinha no ombro e me viro para ver Tobias parado atrás de mim. Me levanto, radiante.
— Você acha que abraçá-la seria dar muita bandeira? — ele pergunta.
— Você sabe... Realmente não me importo.
Fico na ponta dos pés e pressiono meus lábios nos dele.
É o melhor momento da minha vida.
Um segundo depois, o polegar de Tobias roça o local onde a injeção com o rastreador foi aplicada em mim, e então algumas coisas fazem sentido de uma vez. Não sei como não descobri isso antes.
Um: Soro colorido contém transmissores.
Dois: Transmissores conectam a mente ao programa de simulação.
Três: Erudição desenvolveu o soro.
Quatro: Eric e Max estão trabalhando para a Erudição.
Interrompo o beijo e encaro Tobias com os olhos arregalados.
— Tris? — ele pergunta, confuso.
Balanço minha cabeça.
— Agora não — eu quis dizer, não aqui. Não com Will e Christina parados a um metro de distância de mim – encarando-me com a boca aberta, provavelmente porque eu acabei de beijar Tobias – e os membros da Audácia nos cercando. Mas ele precisa saber o quão importante isso é. — Mais tarde. Ok?
Ele concorda. Nem mesmo sei como vou explicar a ele mais tarde. Não sei nem como pensar direito.
Mas eu sei como a Erudição irá nos fazer lutar.

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