— Quietos, todos!
Jack Kang ergue suas mãos, e a multidão fica em silêncio. Isso é um talento.
Eu fico entre a multidão da Audácia que chegou aqui tarde, quando não haviam lugares sobrando. Um flash de luz captura meu olho – relâmpago. Não é o melhor momento para se reunir em uma sala com buracos nas paredes em vez de janelas, mas esta é a maior sala que eles têm.
— Eu sei que muitos de vocês estão confusos e abalados com o que aconteceu ontem — diz Jack. — Ouvi muitos relatórios de várias perspectivas, e consegui descobrir um sentido do que é simples e o que requer mais investigação.
Ponho meu cabelo molhado atrás da orelha. Acordei dez minutos antes de a reunião começar e corri para os chuveiros. Embora ainda esteja exausta, me sinto mais alerta agora.
— O que me parece exigir mais investigação — Jack diz — são os Divergentes.
Ele parece cansado – tem círculos escuros sob os olhos, e seu cabelo curto se arrepia ao acaso, como se tivesse sido puxado a noite toda. Apesar do calor sufocante da sala, ele veste uma camisa de mangas compridas com botões nos punhos – ele devia estar distraído quando se vestiu esta manhã.
— Se você é um dos Divergentes, por favor, dê um passo à frente de modo que possamos te ouvir.
Eu olho de esguelha para Uriah. Isso é perigoso. Minha Divergência é algo que eu devo esconder. Admitir isso deveria significar a morte. Mas não há sentido em esconder isso agora – eles já sabem sobre mim.
Tobias é o primeiro a se mover. Ele começa a passar pelo meio da multidão, no começo virando seu corpo para percorrer seu caminho entre as pessoas, e então, quando eles recuam para ele passar, movendo-se em linha reta em direção a Jack Kang com os ombros para trás.
Eu saio do meu lugar também, murmurando “Com licença” para as pessoas na minha frente. Elas recuam, como se eu ameaçasse cuspir veneno nelas.
Alguns outros passam para frente, integrantes da Franqueza de preto e branco, mas não muitos. Um deles é a garota que eu ajudei.
Apesar da notoriedade que Tobias agora tem entre a Audácia, e meu novo títulocomo Aquela Menina que Esfaqueou o Eric, não somos o foco real da atenção de todos. Marcus é.
— Você, Marcus? — Jack pergunta quando Marcus atinge o centro do salão e ficaem cima da balança mais baixa no chão.
— Sim — diz Marcus. — Eu entendo que você esteja preocupado – que todos vocês estejam preocupados. Vocês nunca ouviram falar dos Divergentes até uma semana atrás, e agora tudo o que sabem é que eles são imunes a algo a que vocês são suscetíveis, e isso é uma coisa assustadora. Mas posso assegurar-lhes que não há nada a temer, no que nos concerne.
Enquanto ele fala, sua cabeça se inclina e as sobrancelhas levantam em simpatia, e entendo de uma vez por que algumas pessoas gostam dele. Ele faz você sentir que, se apenas colocar tudo em suas mãos, ele cuidaria de tudo.
— Parece claro para mim — diz Jack — que fomos atacados para que a Erudição pudesse encontrar os Divergentes. Você sabe o porquê disso?
— Não, eu não sei — Marcus responde. — Talvez a sua intenção fosse apenas nos identificar. Parece útil ter a informação, se pretendem usar suas simulações outra vez.
— Essa não era a intenção deles — as palavras saem dos meus lábios antes de eu decidir falar. Minha voz soa alta e fraca em comparação com Marcus e Jack, mas é tarde demais para parar. — Eles queriam nos matar. Eles têm nos matado desde antes de qualquer coisa dessas acontecer.
As sobrancelhas de Jack se encontram. Eu ouço centenas de sons minúsculos, gotas de chuva batendo no telhado. O salão escurece, como se sob a penumbra do que eu disse.
— Isso soa muito com uma teoria da conspiração — diz Jack. — Qual motivo a Erudição teria para te matar?
Minha mãe disse que as pessoas temiam os Divergentes porque eles não podiam ser controlados. Isso pode ser verdade, mas temer o incontrolável não é razão suficiente para dar a Jack Kang como motivo da Erudição nos querer mortos. Meu coração dispara quando percebo que não posso responder a sua pergunta.
— Eu... — eu começo.
Tobias me interrompe.
— Obviamente nós não sabemos — ele diz — mas há quase uma dúzia de mortes misteriosas registradas na Audácia nos últimos seis anos, e existe uma correlação entre as pessoas e resultados irregulares dos testes de aptidão ou da simulação de iniciação.
Relâmpagos brilham na sala.
Jack balança a cabeça.
— Enquanto isso é intrigante, a correlação não constitui prova.
— Um líder da Audácia disparou na cabeça de uma criança da Franqueza — eu atiro. — Será que você recebeu um relatório disso? Parece digno de uma investigação?
— Na verdade, eu recebi — diz ele. — E matar uma criança a sangue frio é um crime terrível que não pode ficar impune. Felizmente, temos o autor em custódia e seremos capazes de colocá-lo em julgamento. No entanto, devemos ter em mente que os soldados Audácia não deram qualquer prova de querer prejudicar a maioria de nós, ou eles teriam nos matado enquanto estávamos inconscientes.
Ouço murmúrios irritados em torno de mim.
— A invasão pacífica me sugere que pode ser possível negociar um tratado de paz como a Erudição e os outros integrantes da Audácia — ele continua. — Então vou marcar uma reunião com Jeanine Matthews para discutir essa possibilidade o mais breve possível.
— A invasão não foi pacífica — eu digo. Posso ver o canto da boca de Tobias de onde eu estou, e ele está sorrindo. Eu respiro fundo e começo novamente. — Só porque eles não atiraram em todos vocês na cabeça, não significa que suas intenções eram honrosas de forma alguma. Por que acha que eles vieram aqui? Só para correr através de seus corredores, deixá-los inconscientes e ir embora?
— Presumo que eles vieram aqui por pessoas como você — diz Jack. — E enquanto estou preocupado com a segurança de vocês, não acho que podemos atacá-los só porque eles queriam matar uma fração de nossa população.
— Matar não é a pior coisa que eles podem fazer para você — eu digo. — Controlar é.
Os lábios de Jack curvam com diversão. Diversão.
— Oh? E como será que eles conseguirão isso?
— Eles atiraram agulhas — Tobias responde. — Agulhas cheias de transmissores de simulação. Simulações podem controlá-lo. Desse jeito.
— Nós sabemos como simulações funcionam — diz Jack. — O transmissor não é um implante permanente. Se eles pretendiam nos controlar, teriam feito isso imediatamente.
— Mas... — eu começo.
Ele me interrompe.
— Eu sei que você tem estado sob muito estresse, Tris — ele fala calmamente — e que você fez um grande serviço à sua facção e à Abnegação. Mas acho que a sua experiência traumática pode ter comprometido sua capacidade de ser completamente objetiva. Eu não posso lançar um ataque baseado em especulações de uma garotinha.
Eu estou como estátua ainda, incapaz de acreditar que ele pudesse ser tão burro. Meu rosto queima. Garotinha, ele me chamou. Uma garotinha que está estressada ao ponto da paranoia. Essa não sou eu, mas agora, é quem a Franqueza acha que eu sou.
— Você não toma nossas decisões por nós, Kang — diz Tobias.
Ao meu redor, a Audácia grita seu assentimento. Alguém grita:
— Você não é o líder da nossa facção!
Jack espera seus gritos morrerem e, em seguida, diz:
— Isso é verdade. Se quiserem, podem se sentir livres para tomar o complexo da Erudição por vocês mesmos. Mas irão fazê-lo sem o nosso apoio, e deixem-me lembrá-los, vocês estão muito menos numerosos e preparados.
Ele está certo. Não podemos atacar traidores Audácia e Erudição sem os números da Franqueza. Seria um banho de sangue se tentássemos. Jack Kang tem todo o poder. E agora todos nós sabemos.
— Eu imaginei — ele fala presunçosamente. — Muito bem. Entrarei em contato com Jeanine Matthews e verei se podemos negociar a paz. Alguma objeção?
Não podemos atacar sem a Franqueza, penso, a menos que tenhamos os sem facção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário