sábado, 12 de abril de 2014

Capítulo vinte e nove

Esqueci meu relógio.
Minutos ou horas depois, quando o pânico desaparece, é disso que mais me arrependo. Não vir aqui, em primeiro lugar – essa parecia uma escolha óbvia – mas com meu pulso nu, o que faz impossível para eu saber quanto tempo estive sentada nesse quarto. Minhas costas doem, o que é uma indicação, mas definitivamente não o suficiente para saber.
Depois de um tempo, eu levanto e ando, esticando meus braços por cima da cabeça. Hesito ao fazer qualquer coisa porque as câmeras estão lá, mas elas não podem detectar nada só me assistindo tocar meus dedos dos pés.
O pensamento faz minhas mãos tremerem, mas eu não tento tirá-lo da cabeça. Ao invés, digo a mim mesma que sou da Audácia e não sou estranha ao medo. Eu vou morrer nesse lugar. Talvez logo. Esses são fatos.
Mas há outros modos de pensar nisso. Logo, vou honrar meus pais morrendo como eles morreram. E se tudo que eles acreditavam sobre a morte era verdade, logo vou me juntar a eles em seja lá o que venha depois.
Eu agito minhas mãos enquanto ando. Elas ainda estão tremendo. Quero saber que horas são. Cheguei um pouco depois da meia-noite. Deve ser cedo pela manhã agora, talvez 4h00, ou 5h00. Ou talvez não tenha sido tanto tempo, e só parece que foi, porque eu não estou fazendo nada.
As portas se abrem, e finalmente me encontro cara a cara com minha inimiga e seus guardas da Audácia.
— Olá, Beatrice — Jeanine diz. Ela usa azul e os óculos da Erudição, e um olhar de superioridade da Erudição, o qual meu pai me ensinou a odiar. — Imaginei que seria você que viria.
Mas eu não sinto ódio quando olho para ela. Não sinto realmente nada, embora eu saiba que ela é responsável por incontáveis mortes, incluindo a de Marlene. As mortes estão em minha mente como uma sequência de equações sem sentido, e eu permaneço congelada, incapaz de resolvê-las.
— Olá, Jeanine — respondo, porque é a única coisa que me vem à mente.
Eu olho dos olhos cinza aguados de Jeanine para os integrantes da Audácia que a circulam. Peter está parado perto de seu ombro direito, e uma mulher com cicatrizes de ambos os lados da boca está à sua direita. Atrás dela está um homem careca comum crânio angular. Eu faço uma carranca.
Como Peter se encontra em uma posição tão prestigiosa, como o guarda-costas de Jeanine Matthews? Onde está a lógica nisso?
— Eu gostaria de saber que horas são — digo.
— Você gostaria — ela diz. — Isso é interessante.
Eu deveria saber que ela não me diria. Todo pedaço de informação que ela recebe interfere em sua estratégia, e ela não me diria as horas a menos que decidisse que dar a informação seria mais útil do que não dar.
— Tenho certeza de que meus amigos da Audácia estão desapontados — ela diz — que você ainda não tentou arrancar meus olhos.
— Isso seria estupidez.
— Verdade. Mas de acordo com a sua tendência de comportamento, agir primeiro, pensar depois...
— Eu tenho dezesseis anos — aperto meus lábios. — Eu mudo.
— Que esclarecedor — ela tem o poder de embelezar até mesmo as frases que têm uma inflexão embutida. — Vamos para um pequeno tour?
Ela dá um passo para trás e gesticula para fora da porta. A última coisa que quero fazer é sair desse quarto e ir para um destino incerto, mas não hesito. Saio, com a mulher da Audácia com olhar severo na minha frente. Peter me segue de perto.
O corredor é longo e pálido. Nós viramos num canto e descemos para outro exatamente igual ao primeiro.
Mais dois corredores se seguem. Estou tão desorientada que nunca conseguiria encontrar o caminho de volta. Mas então as coisas à minha volta mudam – o túnel branco se abre para uma sala grande onde homens e mulheres da Erudição em longos jalecos azuis estão atrás de mesas, alguns segurando ferramentas, outros misturando líquidos multicoloridos, alguns encarando telas de computador. Se eu tivesse que adivinhar, eu diria que eles estão misturando soro de simulação, mas eu hesito a confinar a Erudição somente ao trabalho com simulações.
A maioria deles para a fim de nos observar enquanto vamos para a ilha do meio. Ou melhor, eles observam a mim. Alguns deles sussurram, mas a maioria fica silenciosa. É muito quieto aqui.
Eu sigo a mulher traidora da Audácia através de uma porta, e paro tão abruptamente que Peter esbarra em mim.
Essa sala é tão larga quanto a última, mas só há uma coisa nela: uma mesa grande de metal com uma máquina ao lado. Uma máquina que eu vagamente reconheço como um monitor cardíaco. E pendendo acima dela, uma câmera. Eu me arrepio sem querer. Porque sei o que isso é.
— Estou muito contente que você, em particular, está aqui — Jeanine diz.
Ela passa por mim e se empoleira na mesa, seus dedos dobrados nas bordas.
— Estou contente, é claro, por causa dos resultados do seu teste de aptidão — seu cabelo loiro, bem apertado ao seu crânio, reflete a luz, capta minha atenção.
— Mesmo em meio aos Divergentes, você é uma singularidade, porque tem aptidão para três facções. Abnegação, Audácia e Erudição.
— Como... — eu coaxo. Eu coloco a pergunta para fora. — Como você sabe disso?
— Tudo a seu tempo. Dos seus resultados, determinei que você é um dos Divergentes mais fortes, o que eu digo não como elogio, mas para explicar meu propósito. Se vou desenvolver uma simulação que não pode ser frustrada pela mente Divergente, devo estudar a mente Divergente mais forte para ver todas as fraquezas na tecnologia. Entende?
Eu não respondo. Ainda estou encarando o monitor cardíaco próximo à mesa.
— Portanto, por quanto tempo quanto for possível, meus companheiros cientistas e eu estaremos estudando você — ela sorri um pouco. — E então, na conclusão dos meus estudos, você será morta.
Eu sabia disso. Sabia, então por que meus joelhos estão fracos, por que meu estômago está se contorcendo, por quê?
— Essa execução será aqui — ela passa as pontas dos dedos na mesa abaixo dela. — Nesta mesa. Pensei que seria interessante mostrar isso a você.
Ela quer estudar minha resposta. Eu mal respiro. Eu costumava pensar que crueldade requeria maldade, mas isso não é verdade. Jeanine não tem qualquer razão para agir por maldade. Mas ela é cruel porque ela não se importa com o que faz, enquanto isso a fascinar. Posso muito bem ser um quebra-cabeças ou uma máquina que ela quer consertar. Ela vai abrir meu crânio apenas para ver o funcionamento interno do meu cérebro; eu vou morrer aqui, isso será a parte piedosa.
— Eu sabia o que aconteceria quando vim aqui. É só uma mesa. E eu gostaria de voltar para o meu quarto agora.

+ + +

Eu realmente não percebo a passagem do tempo, pelo menos não do jeito que estava acostumada, quando o tempo estava disponível para mim. Então, quando as portas se abrem de novo e Peter caminha para minha cela, não sei quanto tempo passou, só que estou exausta.
— Vamos, Careta — ele diz.
— Eu não sou da Abnegação — estico meus braços sobre minha cabeça e eles encostam-se à parede. — E agora que você é um lacaio da Erudição, você não pode me chamar de Careta. Isso é inadequado.
— Eu disse vamos.
— O quê, sem comentários falsos? — olho para ele com uma surpresa fingida. — Nenhum você é uma idiota por ter vindo aqui, seu cérebro deve ser tão deficiente quanto Divergente?
— Dá para você saber sem eu dizer, não é? Você pode levantar ou eu posso te arrastar pelo corredor. Sua escolha.
Eu me sinto mais calma. Peter é sempre mau comigo; isso é familiar.
Eu me levanto e caminho para fora da cela. Noto enquanto caminho que o braço de Peter, o que eu atirei, não está mais em uma tipoia.
— Eles consertaram o ferimento de bala?
— Sim. Agora você vai precisar encontrar uma fraqueza diferente para explorar. Pena que eu não tenho nenhuma — ele agarra meu braço bom e caminha rápido, me puxando ao lado dele. — Nós estamos atrasados.
Apesar do comprimento e do vazio do corredor, nossos passos não fazem muito eco. Me sinto como se alguém tivesse colocado as mãos sobre meus ouvidos e só notei isso agora. Tento prestar atenção nos corredores em que passamos, mas eu me perco depois de um tempo. Nós atingimos o fim de um e viramos à esquerda, para um quarto escuro que me lembra de um aquário. Uma das paredes é feita de vidro espelhado – reflexivo no meu lado, mas tenho certeza de que é transparente do outro.
Uma máquina grande está do outro lado, com uma bandeja do tamanho de um homem saindo dela. Eu a reconheço do meu livro sobre a História das Facções, na unidade de medicina da Erudição. Um aparelho de ressonância magnética. Ele vai tirar fotos do meu cérebro.
Algo se agita dentro de mim. Faz tanto tempo que senti isso que eu mal reconheço o sentimento a princípio. Curiosidade.
Uma voz – a de Jeanine – fala através de um interfone.
— Deite-se, Beatrice.
Eu olho para a bandeja que vai me deslizar para dentro da máquina.
— Não.
Ela suspira.
— Se você não fizer isso sozinha, nós temos formas de te forçar.
Peter está em pé atrás de mim. Mesmo com um braço machucado, ele é mais forte que eu. Eu imagino suas mãos em mim, me forçando contra a bandeja, me empurrando contra o metal, puxando as tiras que balançam da bandeja sobre o meu corpo, muito apertadas.
— Vamos fazer um acordo — eu digo. — Se eu cooperar, você me deixa ver as fotos.
— Você vai cooperar querendo ou não.
Eu levanto um dedo.
— Isso não é verdade.
Olho para o espelho. Não é tão difícil fingir que estou falando com Jeanine quando falo para meu próprio reflexo. Meu cabelo é loiro como o dela; nós somos ambas pálidas e sérias. O pensamento é tão perturbador que me faz perder a linha de pensamento por alguns segundos, e ao invés de falar, fico com meu dedo levantado ao ar em silêncio.
Eu tenho a pele pálida, cabelo pálido, e frio. E estou curiosa sobre as imagens do meu cérebro. Eu sou como Jeanine. E posso desprezar isso, atacar isso, erradicar isso... Ou posso usar isso.
— Isso não é verdade — eu repito. — Não importa quantas restrições você use, você não pode me manter tão parada quanto preciso estar para as imagens serem claras — limpo minha garganta. — Quero ver as imagens. Você vai me matar de qualquer forma, então realmente importa o quanto sei sobre meu próprio cérebro antes de você me matar?
Silêncio.
— Por que você quer tanto vê-las? — ela pergunta.
— Certamente você, de todas as pessoas, entende. Eu tenho tanta aptidão para Erudição quanto para Audácia e Abnegação, afinal de contas.
— Certo. Você pode vê-las. Deite-se.
Eu caminho até a bandeja e me deito. O metal está frio como gelo. A bandeja desliza, e eu estou dentro da máquina. Eu encaro a brancura. Quando era criança, pensava que o paraíso deveria ser assim, só brancura e luz e mais nada. Agora sei que isso não pode ser verdade, porque luz branca é ameaçadora.
Eu ouço batidas, e fecho meus olhos enquanto lembro de um dos obstáculos da minha paisagem do medo, os punhos batendo contra minhas janelas e os homens invisíveis tentando me sequestrar. Finjo que as batidas são as do coração, um padrão rítmico. O rio batendo contra as paredes do abismo no complexo da Audácia. Pés batendo na cerimônia de fim de iniciação. Pés batendo nos degraus depois da Cerimônia de Escolha.
Eu não sei quanto tempo se passou quando as batidas cessam e a bandeja desliza para fora. Eu me sento e esfrego meu pescoço com as pontas dos dedos.
A porta se abre, revelando Peter no corredor. Ele acena para mim.
— Vamos. Você pode ver as imagens agora.
Eu desço da bandeja e caminho em direção a ele. Quando estamos no corredor, ele balança sua cabeça para mim.
— O quê?
— Não sei como você faz para sempre conseguir o que quer.
— Sim, porque eu me queria aqui, numa cela na sede da Erudição. Eu quero ser morta.
Eu soo espontânea, como se execuções fossem algo que encaro normalmente. Mas ao dizer morta meus lábios estremecem. Finjo que estou com frio, apertando meus braços com as mãos.
— Não queria, então? Quero dizer, você realmente veio aqui por vontade própria. Não é o que eu chamo de um bom instinto de sobrevivência.
Ele digita uma série de números num teclado do lado de uma porta, e ela se abre. Entro na sala do outro lado dos espelhos. Ela é cheia de telas e luzes, refletindo nos óculos da Erudição. Do outro lado da sala, outra porta se fecha. Há uma cadeira vazia atrás de uma das telas, ainda virando. Alguém acabou de sair.
Peter está muito perto atrás de mim – preparado para me agarrar caso eu decida atacar alguém. Mas não vou atacar ninguém. O quão longe eu chegaria se fizesse isso? Descer um corredor, ou dois? E então eu estaria perdida. Eu não poderia sair daqui mesmo se não tivessem guardas me impedindo de ir.
— Coloque-as lá — Jeanine diz, apontando para a tela grande na parede esquerda.
Um dos cientistas da Erudição bate levemente em sua própria tela de computador, e uma imagem aparece na parede esquerda. Uma imagem do meu cérebro.
Eu não sei exatamente para o que estou olhando. Sei como um cérebro se parece, e de uma forma geral o que cada região dele faz, mas não sei como o meu se compara com outros. Jeanine coloca a mão no queixo e encara pelo o que parece um longo tempo.
Finalmente, ela diz:
— Alguém explique à Srta. Prior o que o córtex pré-frontal faz.
— É a região do cérebro que fica atrás da testa, por assim dizer — uma das cientistas diz. Ela não parece muito mais velha que eu, e usa grandes óculos redondos que fazem seus olhos parecerem maiores. — É responsável por organizar seus pensamentos e ações para atingir seus objetivos.
— Correto — Jeanine diz. — Agora alguém me diga o que observou sobre o córtex pré-frontal lateral da Srta. Prior.
— É grande — outro cientista fala – um homem com queda de cabelo.
— Especificamente — diz Jeanine. Como se ela estivesse o castigando.
Estou em uma sala de aula, percebo, porque toda sala com mais de um da Erudição nela, é uma sala de aula. E entre eles, Jeanine é a professora mais valiosa. Todos olham para ela com olhos amplos e famintos, bocas abertas, esperando para impressioná-la.
— É muito maior do que a média — o homem com queda de cabelo se corrige.
— Melhor — Jeanine inclina a cabeça. — De fato, é um dos maiores córtex pré-frontais laterais que eu já vi. Enquanto o córtex órbito-frontal é notavelmente menor. O que esses dois fatos indicam?
— O córtex órbito-frontal é o centro de recompensa do cérebro — alguém diz. — Isso quer dizer que a Srta. Prior se envolve muito pouco com o comportamento de procurar recompensas.
— Não somente isso — Jeanine sorri um pouco. A luz azul das telas faz suas bochechas e testa mais brilhantes, mas lança sombras em suas órbitas dos olhos. — Não somente indica algo sobre o comportamento dela, mas sobre seus desejos. Ela não é motivada por recompensas. Mas é extremamente boa em direcionar seus pensamentos e ações para suas metas. Isso explica sua tendência prejudicial-mas-altruísta e, talvez, sua habilidade de controlar as simulações. Como isso muda nosso entendimento para o novo soro de simulação?
— Ele deve suprimir alguma, mas não toda, atividade do córtex pré-frontal — a cientista com os óculos redondos diz.
— Precisamente — ela finalmente olha para mim, seus olhos brilhando com deleite. — Então, é como nós vamos proceder. Isso finaliza minha parte do acordo, Srta. Prior?
Minha boca está seca, então é difícil engolir.
E o que acontece se eles suprimirem a atividade do meu córtex pré-frontal – se eles danificarem minha habilidade de tomar decisões? E se o soro funcionar, e eu me tornar uma escrava das simulações como todo mundo? E se eu esquecer completamente da realidade?
Eu não sabia que toda a minha personalidade, todo o meu ser, poderia ser descartado como um subproduto da minha anatomia. E se eu na verdade for apenas alguém com um grande córtex pré-frontal... E nada mais?
— Sim — respondo. — Finaliza.

+ + +

Em silêncio, Peter e eu voltamos para meu quarto. Nós viramos à esquerda, e um grupo de pessoas está no outro lado do corredor. É o mais longo dos corredores que nós percorreremos, mas a distância encolhe quando eu o vejo.
Seguro por cada braço por um traidor da Audácia, uma arma apontada para a parte de trás de sua cabeça.
Tobias, sangue escorrendo pelo lado do seu rosto e manchando sua camisa branca de vermelho; Tobias, companheiro Divergente, na boca do forno no qual vou queimar.
As mãos de Peter se apertam em meus ombros, me segurando no lugar.
— Tobias — eu digo, e soa como um suspiro.
O traidor da Audácia com a arma empurra Tobias em minha direção. Peter tenta me empurrar para frente também, mas meus pés permanecem plantados. Eu vim aqui para proteger tantas pessoas quanto eu pudesse. E eu me importo mais com a segurança de Tobias do que com a de qualquer um. Então porque eu estou aqui, se ele está aqui? Qual é o objetivo?
— O que você fez? — balbucio.
Ele está a apenas alguns metros de mim agora, mas não próximo o bastante para me ouvir. Enquanto passa por mim, ele estica sua mão. Ele a envolve na minha e a aperta. Aperta, e então solta. Seus olhos estão vermelhos; ele está pálido.
— O que você fez? — Dessa vez a pergunta sai como um rosnado.
Eu me jogo contra ele, lutando contra o aperto de Peter, embora suas mãos se apertem.
— O que você fez? — eu grito.
— Você morre, eu morro também — Tobias olha para mim sobre seu ombro. — Eu te pedi para não fazer isso. Você tomou sua decisão. Essas são as consequências.
Ele desaparece no canto. A última coisa que vejo dele e dos traidores da Audácia guiando-o é um vislumbre do brilho do cano da arma e sangue na parte de trás de seu lóbulo da orelha de um machucado que não vi antes.
Toda a vida se esvai de mim tão logo ele vai embora. Eu paro de lutar e deixo as mãos de Peter me empurrarem até minha cela. Caio no chão logo quando entro, esperando a porta se fechar para saber que Peter foi embora, mas ela não se fecha.
— Por que ele veio aqui? — Peter pergunta.
Eu o encaro.
— Por que ele é um idiota.
— Bem, é.
Descanso minha cabeça contra a parede.
— Ele pensou que podia te resgatar? — Peter bufa um pouco. — Parece com algo que um nascido Careta faria.
— Eu não acho — respondo.
Se Tobias tivesse a intenção de me resgatar, ele teria pensado melhor, teria trazido outros. Ele não teria aparecido na sede da Erudição sozinho.
Lágrimas enchem meus olhos, e eu não tento afastá-las. Ao invés, olho através delas e encaro ao meu redor. Há poucos dias atrás eu nunca teria chorado na frente de Peter, mas não me importo mais. Ele é o menor de todos os meus inimigos.
— Acho que ele veio para morrer comigo — eu digo.
Coloco a mão sobre minha boca para abafar um soluço. Se eu puder continuar respirando, posso parar de chorar. Eu não precisava ou queria que ele morresse comigo. Eu queria mantê-lo a salvo. Que idiota, eu penso, mas meu coração não diz isso.
— Isso é ridículo — ele responde. — Não faz nenhum sentido. Ele tem dezoito anos; vai encontrar outra namorada uma vez que você morra. E ele é burro se não sabe disso.
Lágrimas rolam pelas minhas bochechas, primeiro quentes e então frias. Eu fecho meus olhos.
— Se você pensa que é sobre isso... — engulo outro soluço — ... burro é você.
— É. Tanto faz.
Seus sapatos fazem barulho enquanto ele se vira. Pronto para partir.
— Espere! — eu olho para sua silhueta borrada, incapaz de ver seu rosto. — O que eles vão fazer com ele? A mesma coisa que estão fazendo comigo?
— Eu não sei.
— Você pode descobrir? — limpo meu rosto com as palmas das mãos, frustrada. — Você pode pelo menos descobrir se ele está bem?
— Por que eu faria isso? Por que eu faria qualquer coisa por você?
Um momento depois, ouço a porta fechar.

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