quinta-feira, 8 de maio de 2014

Capítulo 3 - Edmundo e o guarda-roupa

Lúcia saiu correndo da sala vazia e achou os três no corredor.
— Tudo bem; já voltei.
— Do que você está falando, Lúcia? — perguntou Susana.
— O quê! — disse Lúcia, admirada. — Mas vocês não ficaram preocupados?
— Então, você andou escondida, hein? — disse Pedro. — Coitada da Lúcia! Ficou escondida e ninguém reparou! Você tem de ficar escondida mais tempo, se quiser que alguém se lembre de ir procurá-la.
— Mas eu estive fora muitas horas — disse Lúcia.
Os outros se entreolharam.
— Sua boba! — disse Edmundo, batendo de leve na cabeça. — Completamente boba!
— O que você está querendo dizer, Lu? — perguntou Pedro.
— Exatamente o que eu disse. Entrei no guarda-roupa logo depois do café. Fiquei fora muito tempo, tomei chá... Aconteceram muitas outras coisas.
— Não fique bancando a boboca, Lúcia — disse Susana. — Saímos da sala agora mesmo e você ainda estava lá.
— Ela não está bancando a boboca — disse Pedro. — Está imaginando uma história para se divertir, não é, Lúcia?
— Não é não, Pedro. É... é um guarda-roupa mágico. Lá dentro tem um bosque e está nevando. Tem um fauno e uma feiticeira. O nome da terra é Nárnia. Se quiserem, vamos ver.
Os outros não sabiam o que pensar, mas Lúcia estava tão agitada que todos a acompanharam à sala. Ela correu à frente, abriu a porta do guarda-roupa e gritou:
— Vamos, entrem, vejam com os seus próprios olhos!
— Mas que pateta! — disse Susana, metendo a cabeça lá dentro e afastando os casacos. — É um guarda-roupa comum. Olhem: lá está o fundo.
Olharam todos, depois de afastarem os casacos, e viram – Lúcia também – um guarda-roupa muito comum. Não havia bosque, nem neve, apenas o interior de um guarda-roupa, com os cabides pendurados. Pedro entrou e bateu com os dedos, certificando-se da solidez da peça.
— Boa brincadeira, Lúcia — disse ao sair. — Você nos pregou uma boa peça. Quase acreditamos.
— Mas não é mentira coisa nenhuma! Palavra de honra! Há um minuto estava tudo diferente. Palavra que estava!
— Vamos, Lu — disse Pedro. — Você está exagerando; já se divertiu muito. É melhor acabar com a brincadeira.
Lúcia ficou vermelha até a raiz dos cabelos. Quis murmurar qualquer coisa e desandou a chorar.
Durante alguns dias, sentiu-se muito infeliz. Podia resolver a questão num instante, bastando declarar que tinha inventado aquela história. Mas Lúcia gostava de falar a verdade, e tinha certeza de que não estava enganada. Os outros, pensando que era tudo mentira, e mentira boba, davam-lhe um grande desgosto. Os dois mais velhos faziam isso sem querer, mas Edmundo costumava bancar o mau, e estava sendo mau daquela vez.
Zombava de Lúcia, chateando-a o tempo todo, perguntando se ela não tinha achado outras terras misteriosas nos numerosos armários que existiam por toda a casa.
O pior é que esses dias eram para ter sido esplêndidos. O tempo estava lindo, passeavam lá fora da manhã até a noite, tomavam banho de riacho, pescavam, subiam nas árvores, deitavam-se no bosque... Mas Lúcia não se divertia de verdade. E assim foram correndo as coisas até que chegou um novo dia de chuva.
Naquela tarde, como o tempo continuasse ruim, resolveram brincar de esconder. Susana era o pegador e, mal se dispersaram para se esconder, Lúcia dirigiu-se à sala do guarda-roupa. Não queria esconder-se lá dentro, pois isso certamente faria com que os outros voltassem a se lembrar daquele assunto desagradável. Mas queria pelo menos dar uma espiada, porque, naquela altura, ela própria já começava a se perguntar se Nárnia e o fauno não passavam de um sonho.
A casa era tão grande e complicada, tão cheia de esconderijos, que ela pensou que teria tempo de dar uma espiada e se esconder em outro lugar. Mas, mal tinha se aproximado, ouviu passos no corredor, e não teve outro remédio: pulou para dentro do guarda-roupa e segurou a porta, pois sabia muito bem que era uma idiotice alguém fechar-se num guarda-roupa, mesmo num guarda-roupa mágico.
Eram os passos de Edmundo, que entrou na sala ainda a tempo de ver Lúcia sumir dentro do móvel. Sem hesitar, resolveu entrar também – não porque o considerasse um bom esconderijo, mas porque tinha vontade de continuar a chateá-la com o seu mundo imaginário. Abriu a porta. Os casacos estavam dependurados como sempre, cheirando a naftalina; tudo era escuridão e silêncio, e não havia vestígios de Lúcia. “Ela pensa que sou a Susana e que vim pegá-la, por isso está quietinha lá no fundo”, pensou Edmundo.
Ele pulou para dentro e fechou a porta, esquecendo-se de que estava fazendo uma grande bobagem. Começou a procurar Lúcia no escuro. Ficou muito admirado quando não a encontrou. Resolveu abrir de novo a porta para deixar entrar luz. Mas também não foi capaz de dar com a porta. Nada satisfeito, começou a andar desnorteado, às apalpadelas, em todas as direções. Chegou a gritar: “Lúcia! Lu! Onde você está? Sei que está aí, sua boba!”
Mas ficou sem resposta. Notou até que a própria voz tinha um som curioso – não o som que é de esperar dentro de um armário, mas um som ao ar livre. Observou também que de repente estava sentindo frio; depois viu uma luz.
— Graças a Deus! A porta se abriu sozinha.
Esquecendo-se completamente de Lúcia, começou a andar em direção à luz, julgando ser a porta do guarda-roupa. Mas, em vez de dar na sala vazia, ficou espantado ao passar da sombra de umas árvores grossas para uma clareira no meio de um bosque.
Sentia sob os pés a neve dura, e havia neve também nos ramos. O céu era azul-pálido, céu de uma bela manhã de inverno. Na frente dele, entre os troncos, o sol nascia, vermelho e brilhante. Pairava uma calma enorme, como se ele fosse o único ser vivo naquela terra desconhecida. Nem sequer um passarinho ou um esquilo por entre as árvores. E o bosque estendia-se a perder de vista em todas as direções.
Edmundo tiritava de frio. Lembrou-se então de que andava à procura de Lúcia. Lembrou-se também de que a tratara mal por causa desse país imaginário, que de imaginário nada tinha. Talvez ela estivesse ali por perto. Começou a gritar:
— Lúcia! Lúcia! Estou aqui também, o Edmundo!
Mas ficou sem resposta. “Deve estar zangada comigo”, pensou. E embora não lhe agradasse muito reconhecer que procedera mal, também não lhe agradava nada estar sozinho naquele lugar estranho, deserto e frio. Gritou de novo:
— Lu! Estou arrependido por não ter acreditado. Você tinha razão. Pode aparecer. Vamos fazer as pazes.
Mas para si mesmo dizia: “Isso é mesmo coisa de menina. Embirrada num canto por aí, não querendo aceitar minhas desculpas.” Olhou mais uma vez em volta e concluiu que o lugar não lhe despertava muita simpatia. Quase decidido a voltar, ouviu lá longe, no bosque, um tilintar de sinetas. Escutou com atenção. O som ia se aproximando cada vez mais, até que surgiu um trenó, puxado por duas renas.
As renas eram do tamanho de um cavalinho, de pelo tão branco quanto a neve. Os chifres eram dourados e brilhavam ao sol. Os arreios, de couro escarlate, estavam cheios de sinetas. Conduzindo as renas, sentado no trenó, ia um anão forte que, em pé, não devia ter nem um metro de altura. Vestia peles de urso polar e trazia um capuz vermelho, de cuja ponta pendia uma grande borla dourada; uma comprida barba cobria-lhe os joelhos, servindo-lhe de manta.
Atrás dele, em lugar muito mais importante, no meio do trenó, ia sentada uma criatura muitíssimo diferente: uma grande dama, a maior mulher que Edmundo já vira. Estava também envolta em peles brancas até o pescoço, e trazia, na mão direita, uma longa varinha dourada, e uma coroa de ouro na cabeça. Seu rosto era branco (não apenas claro), branco como a neve, como papel, como açúcar. A boca se destacava, vermelhíssima. Era, apesar de tudo, um belo rosto, mas orgulhoso, frio, duro...
Como era bonito o trenó aproximando-se, as sinetas tilintando, o anão estalando o chicote, a neve saltando dos lados!
— Alto! — disse a dama, e o anão deu um puxão tão forte que as renas quase caíram sentadas. Depois ficaram mordendo os freios, arquejantes. No ar gelado, o bafo que lhes saía das narinas parecia fumaça.
— Ei, você! O que é você? — perguntou a dama, cravando os olhos em Edmundo.
— Eu... eu... meu nome é Edmundo — respondeu ele, meio atrapalhado.
Não estava gostando nada do jeito dela. A dama franziu as sobrancelhas:
— É assim que você fala a uma rainha?
— Perdão, Majestade, mas eu não sabia.
— Não conhece a rainha de Nárnia!? — exclamou ela, mais severa. — Pois vai passar a me conhecer daqui por diante. Repito: o que é você?
— Queira desculpar, Majestade. Não estou sabendo o que a senhora quer dizer. Eu ainda estou na escola... pelo menos estava... agora estou de férias.

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