sábado, 22 de março de 2014

Capítulo 22

Eu abro meus olhos para as palavras, Tema a Deus, apenas, pintadas em uma parede branca. Ouço o som de água correndo novamente, mas dessa vez é de uma torneira, e não do abismo. Segundos passam antes de eu ver contornos definidos ao meu redor, as linhas da moldura da porta, da bancada e do teto.
A dor é um latejar constante na minha cabeça, rosto e costelas. E eu não deveria me mover; isso fará tudo pior. Vejo uma colcha de retalhos azul debaixo da minha cabeça e faço uma careta enquanto inclino minha cabeça para ver de onde vem o som da água.
Quatro está no banheiro com as mãos na pia. Sangue de seus dedos deixa a água da pia cor de rosa. Ele tem um corte no canto da boca, mas aparentemente ele está ileso. Sua expressão é tranquila enquanto examina os cortes, desliga a água e enxuga as mãos com uma toalha.
Eu tenho apenas uma memória de chegar até aqui, e mesmo que seja apenas uma única imagem: uma névoa negra ondulando ao redor de um pescoço, o canto de uma tatuagem e um balançar suave que só poderia significar que ele estava me carregando.
Ele apaga a luz do banheiro e pega uma bolsa de gelo da geladeira no canto da sala. Enquanto caminha em minha direção, considero fechar os olhos e fingir que dormia, mas então nossos olhos se encontram e é tarde demais.
— Suas mãos — eu resmungo.
— Minhas mãos não merecem sua preocupação — ele responde.
Ele descansa o joelho no colchão e inclina-se sobre mim, deslizando a bolsa de gelo sob a minha cabeça. Antes de ele se afastar eu o alcanço para tocar o corte no canto do seu lábio, mas paro quando percebo o que estou prestes a fazer, minhas mãos pairando no ar.
O que você tem a perder? Eu me pergunto. Eu toco meus dedos levemente em seus lábios.
— Tris — ele diz, falando contra meus dedos. — Eu estou bem.
— Por que você estava lá? — pergunto, deixando minha mão cair.
— Eu estava voltando da sala de controle. Eu ouvi um grito.
— O que você fez com eles? — pergunto.
— Eu entreguei Drew à enfermaria meia hora atrás. Peter e Al correram. Drew alegou que tentavam apenas te assustar. Pelo menos acho que isso era o que ele estava tentando dizer.
— Ele está muito mal?
— Ele vai viver — responde. Ele acrescenta amargamente: — Em que condições, eu não posso dizer.
Não é certo desejar a dor em outras pessoas apenas porque elas me machucaram primeiro. Mas o triunfo corre incandescente através de mim ao pensar em Drew na enfermaria, e aperto o braço de Quatro.
— Bom — eu digo.
Minha voz soa forte e feroz. A raiva cresce dentro de mim, substituindo meu sangue com águas amargas, me enchendo, me consumindo. Eu quero quebrar alguma coisa ou bater em alguma coisa, mas tenho medo de me mover, assim, ao invés disso, começo a chorar.
Quatro se agacha ao lado da cama e me olha. Eu não vejo nenhuma simpatia em seus olhos. Eu ficaria desapontada se tivesse visto. Ele levanta seu pulso livre e para minha surpresa descansa a mão sobre a lateral do meu rosto, seu polegar deslizando em minha bochecha. Seus dedos são cuidadosos.
— Eu poderia relatar isso — ele diz.
— Não — eu respondo. — Não quero que eles pensem que estou com medo.
Ele acena com a cabeça. Ele move o polegar distraidamente sobre a minha bochecha.
— Imaginei que você diria isso.
— Você acha que seria uma má ideia eu me sentar?
— Eu vou te ajudar.
Quatro aperta meu ombro com uma mão e segura firme a minha cabeça com a outra enquanto eu empurro a mim mesma. Dor corre pelo meu corpo em rajadas afiadas, mas tento ignorá-la, abafando um gemido.
Ele me entrega a bolsa de gelo.
— Você pode mostrar que está com dor — ele diz. — Apenas eu estou aqui.
Eu mordo meu lábio. Há lágrimas em meu rosto, mas nenhum de nós as mencionou ou reconheceu.
— Sugiro que você transfira sua confiança para seus amigos te protegerem a partir de agora — ele diz.
— Achei que iriam — eu digo. Sinto a mão de Al contra minha boca de novo, e um soluço sacude meu corpo. Pressiono minha mão na minha testa e balanço lentamente para frente e pra trás. — Mas Al...
— Ele queria que você fosse a pequena e quieta garota da Abnegação — Quatro diz suavemente. — Ele te machucou porque sua força o fez se sentir fraco. Não há outra razão.
Eu concordo com a cabeça e tento acreditar nele.
— Os outros não vão ter tanta inveja se você mostrar alguma vulnerabilidade. Mesmo se não for real.
— Você acha que eu tenho que fingir ser vulnerável? — pergunto, levantando uma sobrancelha.
— Sim, eu acho.
Ele tira a bolsa de gelo de mim, seus dedos tocando os meus, e a segura contra minha cabeça. Eu coloco a mão para baixo, ansiosa demais para conseguir relaxar meu braço. Quatro fica de pé. Eu encaro a barra de sua camiseta.
Às vezes eu o vejo apenas como uma pessoa qualquer, e às vezes ao vê-lo, sinto uma dor profunda no meu estômago.
— Você vai querer marchar até o café da manhã amanhã e mostrar aos seus atacantes que eles não têm efeito sobre você — ele adiciona — mas deve deixar esse hematoma na sua bochecha a mostra, e manter a cabeça baixa.
A ideia me causa náuseas.
— Eu não acho que consigo fazer isso.
Eu levanto meus olhos para os dele.
— Você precisa.
— Eu acho que você não entendeu — o calor toma meu rosto. — Eles me tocaram.
Todo o corpo dele se contrai com minhas palavras, sua mão apertando a bolsa de gelo.
— Tocaram você — ele repete, os olhos escuros frios.
— Não... do jeito que você está pensando — eu limpo minha garganta. Não prestei atenção quando disse aquilo, como seria estranho falar sobre isso. — Mas... quase.
Eu desviei meu olhar.
Ele ficou em silêncio e esperou tanto que, eventualmente, eu tinha algo a dizer.
— O que é?
— Eu não quero dizer isso — ele diz — mas eu sinto que preciso. É mais importante que você esteja salva do que certa, para o tempo que virá. Entende?
Suas sobrancelhas retas traçadas sobre dos olhos. Meu estômago se contorce, em parte porque sei que ele está certo, mas não quero admitir isso, e em parte porque quero algo que não sei expressar; quero apertar o espaço entre nós até que ele desapareça.
Eu concordo.
— Mas, por favor, quando você vir a oportunidade... — ele aperta sua mão na minha bochecha, fria e forte, e inclina minha cabeça para cima, me fazendo olhar para ele. Seus olhos brilham. Eles parecem quase predatórios. — Destrua-os.
Eu rio trêmula.
— Você é um pouco assustador, Quatro.
— Faça-me um favor — ele diz — e não me chame assim.
— E como eu deveria te chamar então?
— Nada — ele tira a mão do meu rosto. — Ainda.

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