sábado, 22 de março de 2014

Capítulo 24

— Tris.
Em meu sonho, minha mãe chama meu nome. Ela acena para mim, e eu atravesso a cozinha para ficar ao lado dela. Ela aponta para a panela em cima do fogão, e eu levanto a tampa para olhar o que tem dentro. Os olhos lustrosos do corvo me encaram, as penas de suas asas pressionadas contra a panela, seu corpo gordo imerso em água fervente.
— Jantar — ela diz.
— Tris! — escuto novamente. Abro meus olhos. Christina está parada perto da minha cama, suas bochechas marcadas por lágrimas escuras de rímel. — É o Al. Venha.
Alguns dos outros iniciantes estão acordados, alguns continuam dormindo. Christina segura minha mão e me puxa para fora do dormitório. Corro descalça pelo chão de pedra, piscando, minhas pernas ainda pesadas de sono. Alguma coisa terrível aconteceu. Sinto isso em cada batida do meu coração. É Al.
Corremos pelo chão do Abismo, e então Christina para. Uma plateia se formou ao redor da beirada, mas todos estão parados vários centímetros de distância entre um e outro, então há espaço o suficiente para me esgueirar entre Christina e um homem alto de meia idade até a frente do grupo.
Dois homens estão parados bem próximos da beirada, içando alguma coisa com cordas. Os dois gemem pelo esforço, inclinando-se para trás, usando seu peso para deslizar a corda pela roldana, e então se inclinando para frente para agarrar novamente. Uma enorme forma escura aparece acima da beirada, e alguns integrantes da Audácia correm para ajudar os dois homens a içá-lo completamente.
A forma cai com um baque no chão do Abismo. Um braço pálido, ensopado de água, cai na pedra. Um corpo. Christina se apoia em mim, agarrando meu braço. Ela esconde seu rosto em meu ombro e soluça, mas eu não consigo desviar meus olhos. Alguns dos homens viram o corpo para cima, e a cabeça pende para o lado.
Seus olhos estão abertos e vazios. Escuros. Olhos de boneca. E o nariz tem um arco elevado, uma ponte estreita e a ponta arredondada. Os lábios estão azuis. O rosto é qualquer coisa além de humano, metade cadáver e metade criatura. Meus pulmões ardem; minha próxima respiração sai sibilante. Al.
— Um dos iniciados — alguém atrás de mim diz. — O que aconteceu?
— A mesma coisa que acontece todo ano — outra pessoa responde. — Ele se atirou no abismo.
— Não seja tão mórbido. Pode ter sido um acidente.
— Eles o encontraram na metade do abismo. Você acha que ele tropeçou no cadarço e... opa, apenas caiu dois metros pra frente?
A mão de Christina aperta cada vez mais forte o meu braço. Eu deveria mandá-la me soltar, está começando a machucar. Alguém se ajoelha perto do rosto de Al e fecha seus olhos. Talvez tentando fazer parecer que ele estava dormindo. Estúpido. Por que as pessoas querem fingir que a morte é igual a dormir? Não é. Não é.
Alguma coisa dentro de mim entra em colapso. Meu peito está apertado, sufocante, não consigo respirar. Afundo no chão, puxando Christina comigo. A pedra é dura sob meus joelhos. Escuto alguma coisa, a memória de um som. Os soluços de Al; seus gritos à noite. Eu deveria ter sabido. Ainda não consigo respirar. Pressiono ambas as mãos em meu peito, e me balanço para frente e para trás pra aliviar a tensão em meu peito.
Ao piscar, vejo o topo da cabeça de Al enquanto ele me carrega nas costas até o refeitório. Sinto o balanço de suas passadas. Ele é grande e quente e desajeitado. Não, ele era. Isso é a morte – ir do “é” para o “era”.
Eu arquejo. Alguém trouxe um grande saco preto para colocar o corpo dentro. Posso dizer que será muito pequeno para cabê-lo. Uma risada surge na minha garganta e escapa pela minha boca, tensa e borbulhante. Al é grande demais para o saco; que tragédia. No meio do riso, forço minha boca a permanecer fechada e soa mais como um gemido. Livro meu braço do aperto de Christina, deixando-a sozinha no chão. Eu corro.

+ + +

— Aqui está — Tori diz.
Ela me entrega uma caneca fumegante que cheira a menta. Seguro com as duas mãos, meus dedos pinicando com o calor.
Ela senta na minha frente. Quando se trata de funerais, Audácia não perde tempo. Tori disse que eles preferem reconhecer a morte assim que ela acontece. Não tem ninguém na sala da frente do estúdio de tatuagem, mas o Abismo está lotado de gente, a maioria bêbada. Não sei por que isso me surpreende.
Em casa, um funeral é uma ocasião sombria. Todos correm para acolher e confortar a família de luto, e ninguém fica desocupado, mas não existem risadas, ou gritaria, ou piadas. E a Abnegação não bebe álcool, logo todos ficam sóbrios. Faz sentido que um funeral seja exatamente o contrário aqui.
— Beba — ela diz. — Vai fazê-la se sentir melhor, prometo.
— Não acho que tomar chá é a solução — digo devagar.
Mas tomo pequenos goles de toda forma. O chá esquenta minha boca e garganta e desliza para meu estômago. Não percebi como estava com frio até que não estava mais.
— Eu disse melhor. Não bem — ela sorri para mim, mas o canto de seus olhos não enruga como sempre. — Eu não acredito que bem vai acontecer por um tempo.
Mordo meu lábio.
— Quanto tempo... — Luto, procurando as palavras certas. — Quanto tempo você precisou antes de ficar bem, depois que seu irmão...
— Não sei — ela balança a cabeça. — Em alguns dias ainda sinto como se não estivesse bem. Alguns dias eu me sinto bem. Até mesmo feliz. Levei alguns anos para abandonar a sede de vingança.
— Por que você parou?
Seus olhos ficam vazios enquanto ela encara a parede atrás de mim. Ela tamborila os dedos na perna por alguns segundos e então diz:
— Eu não penso nisso como ter parado. É mais como se eu estivesse... esperando pela oportunidade certa.
Ela sai de seu devaneio e olha o relógio.
— Hora de ir — ela diz.
Jogo o resto do chá na pia. Quando largo a caneca percebo que estou tremendo. Nada bom. Minhas mãos normalmente tremem quando estou a ponto de chorar, e eu não posso chorar na frente de todos.
Acompanho Tori para fora do estúdio de tatuagem e até o Abismo. Todas as pessoas que circulavam por lá mais cedo agora estão posicionadas próximo à beira do abismo, e o ar tem um cheiro forte de álcool. A mulher na minha frente pende para a direita, perdendo o equilíbrio, e então explode em gargalhadas enquanto cai contra o homem ao seu lado. Tori agarra meu braço e me puxa para longe.
Encontro Uriah, Will e Christina parados entre os outros iniciados. Seus olhos estão inchados. Uriah segura um cantil prateado. Ele oferece para mim. Recuso balançando a cabeça.
— Surpresa, surpresa — Molly diz atrás de mim. Ela cutuca Peter com o cotovelo. — Uma vez Careta, sempre Careta.
Eu deveria ignorá-la. Suas opiniões não deveriam importar para mim.
— Li um artigo interessante hoje — ela diz, inclinando-se próximo ao meu ouvido. — Alguma coisa sobre o seu pai e o verdadeiro motivo para você ter deixado sua antiga facção.
Me defender não é a coisa mais importante com a qual eu preciso lidar. Mas é a mais fácil de resolver.
Eu giro e meu punho atinge a mandíbula dela. Minhas juntas pinicam com o impacto. Não me lembro de ter decidido socá-la. Não me lembro de ter fechado minha mão em punho.
Ela se lança em minha direção, suas mãos esticadas, mas ela não chega longe. Will a segura pelo pescoço e a puxa para trás. Ele olha dela para mim e diz:
— Deixem disso. As duas.
Parte de mim deseja que ele não a tivesse impedido. Uma luta seria uma distração bem-vinda, especialmente agora que Eric está escalando uma caixa próxima à grade. Eu o encaro, cruzando meus braços para me manter firme. Me pergunto o que ele irá falar.
Ninguém da Abnegação havia cometido suicídio nos últimos tempos, mas a posição da facção sobre isso é clara: suicídio, para eles, é um ato de egoísmo. Alguém que é realmente altruísta não pensa em si mesmo o bastante para desejar a morte. Ninguém diria isso em voz alta, mas se acontecesse, todos pensariam assim.
— Silêncio, todos! — Eric grita.
Alguém soa o que pareceu um gongo, e a gritaria para aos poucos, mas não os murmúrios. Eric diz:
— Obrigado. Como vocês sabem, estamos aqui por que Albert, um iniciado, jogou-se no abismo na última noite.
Os murmúrios também param, deixando apenas o som da água correndo no fundo do abismo.
— Nós não sabemos por quê. E seria fácil lamentar a morte dele hoje. Mas não escolhemos uma vida fácil quando nos tornamos integrantes da Audácia. E a verdade sobre isso é que... — Eric sorri. Se eu não o conhecesse, pensaria que aquele era um sorriso genuíno. Mas eu o conheço. — A verdade é que, Albert está explorando um lugar desconhecido e incerto. Ele saltou em águas ferozes para chegar até lá. Quem entre nós é corajoso o bastante para se aventurar na escuridão sem saber o que está além dela? Albert ainda não era um dos membros, mas podemos ter certeza de que ele foi um dos mais Audaciosos!
Um brado começa a se formar do centro da multidão. Os membros da Audácia aplaudem e vibram de vários pontos, alto ou baixo, discretamente ou em grande alarde. Seus rugidos imitam o barulho da água. Christina pega o cantil da mão de Uriah e bebe. Will desliza seu braço ao redor dos ombros dela e a puxa para perto. Vozes preenchem meus ouvidos.
— Nós iremos celebrar em homenagem a ele agora, e lembrá-lo para sempre! — Eric grita. Alguém entrega a ele uma garrafa escura, e ele a levanta. — A Albert, o Corajoso!
— A Albert! — a multidão grita. Braços se levantam ao meu redor, e os membros da Audácia clamam seu nome. — Albert! Al-bert! Al-bert!
Eles clamam até que seu nome não parece mais como dele. Parece mais como um grito primitivo em uma antiga corrida.
Dirijo-me para longe da grade. Não posso mais suportar isso.
Não sei para onde estou indo. Suspeito que não esteja indo para lugar algum, apenas para longe. Ando através do corredor escuro. No final está o bebedouro, banhado pela luz azul vinda de cima.
Balanço minha cabeça. Corajoso? Corajoso teria sido admitir sua fraqueza e deixar Audácia, não importando qual vergonha acompanharia isso. Orgulho foi o que matou Al, e é a falha em todos os corações da Audácia. É a minha.
— Tris.
Um choque passa por mim e eu me viro. Quatro está parado logo atrás de mim, bem dentro do círculo de luz azul. Isso lhe deixa com uma aparência estranha, escurecendo seus olhos e lançando uma sombra em suas bochechas.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto. — Não deveria estar prestando suas condolências?
— E você também não deveria? — ele diz.
Ele caminha em minha direção, consigo ver seus olhos novamente. Eles parecem negros sob essa luz.
— Não posso prestar meu respeito quando não tenho nenhum — replico. Sinto uma pontada de culpa e balanço a cabeça. — Não quis dizer isso.
— Ah.
A julgar pelo olhar que ele me dá, ele não acredita nisso. Não o culpo.
— Isso é ridículo — digo, calor fazendo minhas bochechas corarem. — Ele se jogou no abismo e Eric o está chamando de corajoso? Eric, que tentou fazer você jogar facas na cabeça de Al? — Sinto gosto de bile na boca. O sorriso falso de Eric, suas palavras artificiais, seus ideais distorcidos – eles me fazem sentir doente. — Ele não foi corajoso! Ele estava deprimido e era um covarde e quase me matou! Esse é o tipo de coisa que respeitamos aqui?
— O que você quer que eles façam? Condená-lo? Al já está morto. Ele não pode ouvir isso e é tarde demais.
— Isso não é sobre Al! — eu atiro. — É sobre todos assistindo! Todos que agora veem como uma opção se atirar no abismo. Quero dizer, por que não fazê-lo se todos irão chamá-lo de herói depois? Por que não fazê-lo se todos irão lembrar seu nome? É... Eu não posso...
Balanço minha cabeça. Meu rosto está queimando e minha cabeça lateja, tento me manter sob controle, mas não consigo.
— Isso nunca teria acontecido na Abnegação! — quase grito. — Nada disso! Nunca. Esse lugar o perverteu e o arruinou, e eu não ligo se dizer isso faz de mim uma Careta. Eu não ligo, eu não ligo!
Os olhos de Quatro navegam para a parede acima do bebedouro.
— Cuidado, Tris — ele diz, seus olhos ainda na parede.
— Isso é tudo o que você pode dizer? — eu exijo, encarando-o. — Que eu deveria tomar cuidado? É isso?
— Você é tão ruim quanto os membros da Franqueza, sabia disso? — ele segura meu braço e me arrasta para longe do bebedouro. Seu aperto me machuca, mas não sou forte o bastante para afastá-lo.
Seu rosto está tão perto do meu que consigo ver sardas em seu nariz.
— Eu não vou dizer isso de novo, então escute atentamente — ele apoia suas mãos em meus ombros, seus dedos me apertando. Me sinto pequena. — Eles estão de olho em você. Você, em particular.
— Me solte — digo fracamente.
Ele tira suas mãos de mim e se endireita. Parte do peso em meu peito alivia agora que ele não está me tocando. Sinto sua mudança de humor. Ela me mostra alguma coisa de instável dentro dele, e instabilidade é perigosa.
— Eles estão vigiando você também? — digo, tão baixo que ele não conseguiria me ouvir se não estivesse tão perto.
Ele não me responde.
— Eu continuo tentando te ajudar, mas você se recusa a ser ajudada.
— Ah, claro. Sua ajuda — digo. — Apunhalando minha orelha com uma faca, me provocando e gritando comigo mais do que com qualquer outro, com certeza ajuda.
— Provocando você? Você quer dizer quando eu atirei as facas? Não estava te provocando — ele atira. — Eu estava te lembrando que, se você falhasse, outra pessoa teria que tomar seu lugar.
Passo a mão no meu pescoço, e penso novamente no incidente com as facas. Todas as vezes que ele falou, era para me lembrar que se eu desistisse, Al teria que tomar meu lugar na frente do alvo.
— Por quê? — pergunto.
— Porque você é da Abnegação — ele diz. — E é quando você age altruisticamente que você é mais corajosa.
Agora eu entendo. Ele não estava me persuadindo a desistir. Ele estava me lembrando de por que eu não poderia – porque eu precisava proteger Al. Esse pensamento me fez sentir dor. Proteger Al. Meu amigo. Meu atacante.
Não posso odiar Al tanto quanto eu gostaria.
Mas também não posso perdoá-lo.
— Se eu fosse você, eu me esforçaria mais em fingir que esses impulsos altruístas já não existem mais — ele diz. — Porque se as pessoas erradas descobrirem... Bem, não será bom para você.
— Por quê? Por que eles se importam com as minhas intenções?
— Intenções são as únicas coisas com as quais eles se importam. Eles tentam fazer com que você pense que eles se preocupam com o que você faz, mas não. Eles não querem que você aja de certa forma. Eles querem que você pense de um modo específico. Para que você seja fácil de ser decifrada. Para que você não represente uma ameaça para eles.
Ele apoia uma mão na parede próxima à minha cabeça e se inclina na direção dela. Sua camisa é apertada o bastante para que eu consiga ver sua clavícula e a suave depressão entre os músculos do seu ombro e seu bíceps.
Gostaria de ser mais alta. Se eu fosse, meu corpo estreito seria descrito como esbelto ao invés de infantil e ele não me veria como uma irmã caçula que ele precisa proteger.
Não quero que ele me veja como sua irmã.
— Eu não entendo. Por que eles se importam com o que eu penso, mesmo quando eu ajo como eles esperam de mim?
— Você está agindo como eles querem agora — ele diz. — Mas o que acontece quando seu lado da Abnegação mandar que você faça alguma outra coisa, algo que eles não querem que você faça?
Eu não tenho uma resposta para isso, e eu nem mesmo sei se ele está certo sobre mim. Eu estou ligada à Abnegação ou à Audácia?
Talvez a resposta não seja nem um nem outro. Talvez eu seja Divergente.
— Talvez eu não precise que você me ajude. Já pensou sobre isso? Eu não sou fraca, você sabe. Eu posso fazer isso sozinha.
Ele balança a cabeça.
— Você pensa que meu primeiro instinto é proteger você. Porque você é pequena, ou uma garota, ou uma Careta. Mas você está errada.
Ele aproxima seu rosto do meu e segura meu queixo com seus dedos. Suas mãos cheiram a metal. Quando foi a última vez que ele segurou uma arma ou uma faca? Minha pele pinica no lugar onde ele segura, como se ele estivesse transmitindo eletricidade através de sua pele.
— Meu primeiro instinto é empurrá-la até que você quebre, só para ver quão forte eu tenho que pressionar — ele diz, seus dedos apertando com a palavra quebrar.
Meu corpo fica tenso ao som de sua voz, me sinto tão pressionada como uma mola contraída, e esqueço de respirar.
Seus olhos negros prendem os meus.
— Mas eu resisto.
— Por que... — eu engulo em seco. — Por que esse é seu primeiro instinto?
— Medo não te derruba; ele faz você levantar. Eu já vi isso. É fascinante — ele me solta, mas não se afasta, sua mão afagando minha mandíbula, meu pescoço. — Algumas vezes eu só... só quero ver isso de novo. Eu quero ver você despertar.
Coloco minhas mãos em sua cintura. Não consigo lembrar quando decidi fazer isso. Mas também não posso afastá-las. Me pressiono contra seu peito, prendendo meus braços ao redor dele. Meus dedos deslizando pelos músculos das costas dele.
Depois de um momento ele toca minhas costas, me pressionando contra ele, e desliza sua outra mão por meu cabelo. Sinto-me pequena novamente, mas dessa vez não me assusta. Mantenho meus olhos fechados. Ele não me assusta mais.
— Eu deveria estar chorando? — pergunto, minha voz abafada por sua camisa. — Tem alguma coisa errada comigo?
A simulação abriu uma fissura tão grande em Al que ele não pôde remendá-la. Por que não eu? Por que eu não sou como ele – e por que o pensamento me faz sentir tão desconfortável como se eu mesma estivesse oscilando à beira do abismo?
— Você acha que eu sei alguma coisa sobre lágrimas? — ele pergunta calmamente.
Fecho meus olhos. Não espero que Quatro me tranquilize, e ele não faz nenhum esforço para isso, mas eu me sinto melhor estando aqui do que quando estava entre as pessoas que tenho como amigos, minha facção. Pressiono minha testa em seu ombro.
— Se eu o tivesse perdoado — eu digo — você acha que ele estaria vivo agora?
— Não sei — ele responde.
Quatro pressiona sua mão em minha bochecha, e apoio meu rosto nela, mantendo meus olhos fechados.
— Sinto como se fosse minha culpa.
— Não é sua culpa — ele diz, encostando sua testa na minha.
— Mas eu deveria tê-lo perdoado. Eu deveria.
— Talvez. Talvez todos nós pudéssemos ter feito alguma coisa. Mas nós só podemos deixar a culpa nos lembrar de fazer mais da próxima vez.
Faço uma careta e me empurro para trás. Essa é uma lição que membros da Abnegação aprendem – culpa como uma ferramenta, ao invés de uma arma contra si mesmo. É uma frase que vem direto das palestras do meu pai em nossas reuniões semanais.
— De qual facção você veio, Quatro?
— Não importa — ele replica, seus olhos baixos. — Aqui é onde eu estou agora. Uma coisa que seria boa que você lembrasse.
Ele me lança um olhar conflituoso e dá um beijo em minha testa, bem entre minhas sobrancelhas. Fecho meus olhos. Não entendo isso, seja lá o que isso for. Mas não quero destruir, então não digo nada. Ele não se mexe; só fica parado com sua boca pressionada contra minha pele, e eu fico lá com minhas mãos ao redor de sua cintura, por um longo tempo.

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