domingo, 16 de março de 2014

Capítulo 7

Quando todos os iniciados estão em terra firme novamente, Lauren e Quatro nos guiam através de um túnel estreito. As paredes são feitas de pedra e o teto é um declive, então eu sinto como se estivesse descendo para o centro da terra. Há longos intervalos entre as áreas iluminadas do túnel, então, nas áreas escuras entre a luz fraca de uma lâmpada e outra, eu temo estar perdida até que um ombro se choca contra o meu. Nos círculos de luz eu me sinto segura novamente.
O garoto da Erudição na minha frente para abruptamente e eu me choco contra ele, batendo o meu nariz contra o ombro dele. Eu cambaleio para trás e esfrego meu nariz enquanto recobro os sentidos. A multidão inteira parou, e nossos três líderes estão de pé à nossa frente com braços cruzados.
— Aqui é onde nós nos dividimos — Lauren fala. — Os iniciados nascidos na Audácia vem comigo. Suponho que vocês não precisem de um tour pelo lugar.
Ela sorri e acena na direção dos iniciados integrantes da Audácia. Eles se afastam do grupo e desaparecem entre as sombras. Eu assisto o último calcanhar desaparecer e olho para o grupo que sobrou. A maioria dos iniciados era da Audácia, então só sobraram nove pessoas. Desses, eu sou a única transferida da Abnegação e não há nenhum transferido da Amizade. O resto é da Erudição e, surpreendentemente, Franqueza. Deve ser necessário bravura para ser honesto o tempo todo. Eu não saberia.
Quatro se dirige a nós agora.
— A maioria do tempo eu trabalho na sala de controle, mas pelas próximas semanas, sou o instrutor de vocês — ele fala. — Meu nome é Quatro.
Christina pergunta:
— Quatro? Como o número?
— Sim — Quatro responde. — Algum problema?
— Não.
— Bom. Nós estamos a ponto de entrar na Caverna, a qual algum dia vocês aprenderão a amar. Ela...
Christina ri jocosamente.
— A Caverna? Nome interessante.
Quatro anda até Christina e inclina seu rosto para perto do dela. Seus olhos se estreitam e, por um segundo, ele só a encara.
— Qual o seu nome? — ele pergunta calmamente.
— Christina — ela grasna.
— Bem, Christina, se eu quisesse suportar os espertinhos da Franqueza, eu entraria na facção deles — ele sibila. — A primeira lição que você vai aprender comigo é manter sua boca fechada, entendeu?
Ela assente.
Quatro começa a andar em direção à sombra no final do túnel. O grupo de iniciados se move em silêncio.
— Que idiota — ela murmura.
— Eu acho que ele não gosta que riam dele — respondo.
Provavelmente é inteligente ser cuidadosa ao redor de Quatro, percebo. Ele parecia tranquilo na plataforma, mas algo sobre essa calma me faz ser precavida agora.
Quatro abre um conjunto de portas duplas e nós entramos no lugar que ele chamou de “Caverna”.
— Oh — Christina sussurra. — Entendi.
“Caverna” é a melhor palavra para isso. É uma caverna subterrânea tão grande que não consigo ver o outro lado de onde eu estou, no fundo. Paredes de rochas desniveladas erguem-se vários andares acima da minha cabeça. Construídos dentro da rocha, havia lugares para comer, se vestir, guardar suprimentos e fazer atividades de lazer. Caminhos estreitos e degraus talhados nas rochas os conectavam. Não existiam barreiras nos lados para evitar que as pessoas caíssem.
Um feixe de luz laranja se alongava por uma das paredes de pedra. O teto da Caverna era formado por painéis de vidro e, sobre eles, uma construção que deixa a luz do dia entrar. O edifício deve ter parecido exatamente como qualquer outro prédio da cidade quando passamos por ele no trem.
Lanternas azuis balançam em intervalos casuais sobre os caminhos de pedras, parecidas com as lanternas que iluminam a sala da Cerimônia de Escolha. Elas brilham mais forte à medida que a luz do sol some.
Pessoas estão em todos os lugares, todas vestidas de preto, gritando e falando expressivamente, gesticulando. Eu não vejo nenhum idoso entre a multidão. Existe algum idoso na Audácia? Eles não sobrevivem muito tempo ou simplesmente são descartados quando não conseguem saltar de um trem em movimento?
Um grupo de crianças desce correndo por um caminho estreito sem nenhum medo, tão rápido que meu coração acelera e eu quero gritar para irem mais devagar antes que se machuquem. Uma memória das ruas organizadas da Abnegação aparece na minha mente: Uma fila de pessoas na direita passando uma linha de pessoas na esquerda, pequenos sorrisos e inclinações de cabeças e silêncio. Meu estômago aperta. Mas existe algo maravilhoso sobre o caos dos integrantes da Audácia.
— Se vocês me seguirem — diz Quatro. — Eu mostrarei a vocês o abismo.
Ele nos leva para frente. A aparência de Quatro parece inofensiva de frente, para o padrão da Audácia, mas quando ele vira, vejo uma parte de uma tatuagem aparecendo pela gola da camisa. Ele nos leva para o lado direito da Caverna, que é visivelmente escuro. Eu semicerro os olhos e vejo que o chão onde estou em pé agora acaba em uma barreira de ferro. Enquanto nos aproximamos da grade, eu ouço um rugido – água, se movendo rapidamente, chocando-se contra a rocha.
Olho para a beira. O chão inclina-se em um ângulo agudo e vários andares abaixo de nós há um rio. Água corrente bate contra a parede debaixo de mim e espirra para cima. À minha esquerda, a água está mais calma, mas à minha direita ela é branca, disputando com a rocha.
— O abismo nos lembra de que existe uma linha tênue entre a bravura e a idiotice — Quatro grita. — Um pulo audacioso dessa saliência irá acabar com sua vida. Isso aconteceu antes e vai acontecer novamente. Vocês foram avisados.
— Isso é incrível — Christina fala, enquanto nós saímos da beira.
— Incrível é a palavra — eu digo, assentindo.
Quatro leva o grupo de iniciados através da Caverna em direção a um grande buraco na parede. O lugar é bem iluminado para eu saber onde nós estamos indo: um refeitório cheio de pessoas e talheres barulhentos. Quando entramos, os integrantes da Audácia lá dentro ficam de pé. Eles aplaudem. Batem os pés. Gritam. O barulho me cerca e me enche. Christina sorri e, um segundo mais tarde, eu sorrio também.
Nós procuramos por os lugares vazios. Christina e eu descobrimos uma mesa quase toda vazia no lado do salão e eu acabei sentando entre ela e Quatro. No centro da mesa está um prato de comida que eu não reconheço: peças circulares de carne entre fatias redondas de pão. Eu pego uma entre meus dedos, não tendo certeza do que fazer com isso.
Quatro me cutuca com o cotovelo.
— É carne de boi — ele fala. — Coloca isso.
Ele me passa uma pequena tigela de molho vermelho.
— Você nunca comeu hambúrguer antes? — Christina pergunta com os olhos arregalados.
— Não — respondo. — É assim que se chama?
— Integrantes da Abnegação se alimentam com uma comida modesta — Quatro fala, acenando para Christina.
— Por quê? — ela pergunta.
Dou de ombros.
— Extravagância é considerada indulgente e desnecessária.
Ela sorri.
— Não é de se surpreender que você tenha saído.
— Sim — eu falo, revirando os olhos. — Foi só por causa da comida.
O canto da boca de Quatro se contrai.
As portas do refeitório se abrem e um silêncio cai sobre a multidão. Eu olho por sobre meus ombros. Um homem jovem entra e o silêncio é tanto que posso ouvir seus passos. Seu rosto tem piercings em tantos lugares que eu perco a conta e seu cabelo é longo, preto e oleoso. Mas isso não é o que o faz parecer ameaçador. É a frieza dos seus olhos enquanto ele faz uma varredura em volta do salão.
— Quem é esse? — Christina sussurra.
— O nome dele é Eric — Quatro fala. — Ele é um líder da Audácia.
— Sério? Mas ele é tão jovem.
Quatro dá a ela um olhar sério.
— Idade não importa aqui.
Eu tenho certeza de que ela está quase perguntando o que eu quero perguntar: Então o que importa? Mas os olhos de Eric param de avaliar o salão e ele começa a caminhar em direção a uma mesa. Ele caminha em direção à nossa mesa e senta numa cadeira próxima a Quatro. Ele não cumprimenta, e nem nós o fazemos.
— Bem, você não vai me apresentar? — ele pergunta, acenando para mim e Christina.
Quatro fala.
— Essas são Tris e Christina.
— Ooh, uma Careta — Eric fala, sorrindo exageradamente para mim. O sorriso dele puxa os piercings em seus lábios, fazendo com que os espaços que eles ocupam fiquem maiores, e eu faço uma careta. — Vamos ver quanto tempo você dura.
Eu quero dizer alguma coisa – garantir a ele que eu vou durar, talvez – mas as palavras não vêm. Não entendo por que, mas não quero que Eric olhe para mim mais do que já olhou. Não quero que ele olhe para mim novamente nunca mais.
Ele tamborila os dedos contra a mesa. As articulações estão cheias de cicatrizes, justo onde elas feririam se ele socasse alguma coisa muito forte.
— O que você esteve fazendo ultimamente, Quatro? — ele pergunta.
Quatro dá de ombros.
— Nada, realmente.
Eles são amigos? Meus olhos movem-se entre Eric e Quatro. Tudo o que Eric fez – sentando aqui, perguntando sobre Quatro – sugere que são, mas a maneira como Quatro se senta, tenso como um fio esticado, sugere que eles sejam outra coisa. Rivais, talvez, mas como eles poderiam ser se Eric é um líder e Quatro não?
— Max me falou que ele fica tentando te encontrar, e você não aparece — Eric fala. — Ele requisitou que eu descobrisse o que estava acontecendo com você.
Quatro olha para Eric por alguns segundos antes de dizer:
— Fale para ele que estou satisfeito com a posição que tenho atualmente.
— Então ele quer dar um trabalho para você.
Os anéis do supercílio de Eric reluzem à luz. Talvez Eric perceba Quatro como uma potencial ameaça à sua posição. Meu pai diz que quem quer poder e o ganha vive com medo de perdê-lo. Por isso é que temos que dar o poder a quem não quer tê-lo.
— Parece que sim — Quatro fala.
— E você não está interessado?
— Eu não estive interessado por dois anos.
— Bem — Eric fala. — Vamos esperar que ele compreenda, então.
Ele cumprimenta Quatro com palmadas nas costas, um pouco forte demais, e levanta. Quando sai, eu me posiciono mais confortavelmente. Eu não tinha percebido que estava tão tensa.
— Vocês dois são... amigos? — eu pergunto, incapaz de conter minha curiosidade.
— Nós estávamos na mesma classe de iniciação. Ele se transferiu da Erudição.
Todos os pensamentos de ser cuidadosa ao redor de Quatro me deixam.
— Você é um transferido também?
— Eu pensei que só teria problemas com a Franqueza fazendo tantas perguntas — ele fala friamente. — Agora eu também tenho Caretas?
— Deve ser porque você é tão acessível — eu falo terminantemente — como uma cama de pregos.
Ele me encara e eu não desvio o olhar. Ele não é um cachorro, mas as mesmas regras são aplicadas. Desviar o olhar é submissão. Olhar ele nos olhos é um desafio. Essa é a minha escolha.
Um calor se espalha pela minha bochecha. O que vai acontecer quando essa tensão ceder?
Mas ele só fala:
— Cuidado, Tris.
Meu estômago afunda como se eu tivesse engolido uma pedra. Um membro da Audácia na outra mesa chama o nome de Quatro, e eu viro para Christina. Ela levanta uma sobrancelha.
— O quê? — pergunto.
— Estou desenvolvendo uma teoria.
— E é...?
Ela pega o hambúrguer dela e fala:
— Que você tem um desejo de morte.

+ + +

Depois do jantar, Quatro desaparece sem nenhuma palavra. Eric nos leva por uma série de corredores subterrâneos sem falar para onde nós estamos indo. Eu não sei por que um líder da Audácia seria responsável por um grupo de iniciados, mas talvez seja só por hoje à noite.
No final de cada corredor há uma lâmpada azul, mas entre elas é escuro e eu tenho que ser cuidadosa para não cair no piso desnivelado. Christina caminha atrás de mim em silêncio. Ninguém nos disse para ficar quietos, mas nenhum de nós fala.
Eric para em frente a uma porta de madeira e cruza os braços. Nós nos juntamos ao redor dele.
— Para vocês que não sabem, meu nome é Eric. Eu sou um dos cinco lideres da Audácia. Nós levamos o processo de iniciação a sério, então eu me voluntariei para supervisionar grande parte do treinamento.
O pensamento me deixa enjoada. A ideia de que um líder dos integrantes da Audácia vai supervisionar o treinamento já é ruim suficiente, mas a ideia de que Eric vai fazer isso é ainda pior.
— Algumas regras básicas. Vocês têm que estar na sala de treinamento às oito horas todos os dias. O treinamento acontece todo dia das oito as seis, com um intervalo para o almoço. Vocês estão liberados para fazer o que quiserem depois das seis. Também vão ter algum tempo livre entre os estágios da iniciação.
A frase “fazer o que quiserem” fica em minha mente. Em casa, eu nunca podia fazer o que eu queria, nem mesmo por uma noite. Eu tinha que pensar na necessidade das outras pessoas primeiro. Eu nem mesmo sei do que eu gosto de fazer.
— Vocês só são permitidos a deixar o complexo acompanhados por um integrante da Audácia — Eric adiciona. — Atrás dessa porta está o quarto onde irão dormir nas próximas semanas. Vocês irão perceber que existem dez camas e apenas nove de vocês. Nós antecipamos que uma parte maior de vocês chegaria até aqui.
— Mas nós começamos com doze — protesta Christina.
Eu fecho meus olhos e espero pela repreensão. Ela precisa aprender a ficar quieta.
— Existe sempre pelo menos um transferido que não consegue chegar ao complexo — Eric diz, roendo as cutículas. Ele dá de ombros. — De qualquer forma, no primeiro estágio da iniciação, nós mantemos os iniciados transferidos separados dos integrantes da Audácia de nascença, mas isso não significa que vocês serão avaliados separadamente. No final da iniciação, a classificação de vocês será determinada comparando com os dos integrantes da Audácia de nascença. E eles já são melhores do que vocês. Então eu espero...
— Classificação? — pergunta a garota de cabelo claro da Erudição à minha direita. — Por que nós somos classificados?
Eric sorri e, na luz azul, o sorriso dele parece perverso, como se tivesse sido talhado em seu rosto com uma lâmina.
— A classificação serve para dois propósitos — ele explica. — O primeiro é determinar a ordem em que vocês vão escolher um trabalho depois da iniciação. Existem apenas algumas posições desejáveis disponíveis.
Meu estômago aperta. Eu sei ao olhar para o sorriso dele, como eu sabia no segundo que entrei na sala do teste de aptidão, que algo ruim está para acontecer.
— O segundo propósito — ele revela — é que só os dez primeiros iniciados serão membros.
Dor acerta meu estômago. Nós todos ficamos em pé como estátuas. Christina fala:
— O quê?
— Existem onze integrantes da audácia de nascença e nove de vocês — Eric continua. — Quatro iniciados serão cortados ao final do estágio um. O restante será cortado depois do teste final.
Isso significa que, mesmo se nós passarmos por cada estágio na iniciação, seis iniciados não serão membros. Eu vejo Christina olhando para mim com o canto do olho, mas não posso olhar para ela de volta. Meus olhos estão fixos em Eric e não vão se mover.
Minhas chances, como a menor iniciada, como a única transferida da Abnegação, não são boas.
— O que nós fazemos se formos cortados? — Peter pergunta.
— Vocês deixam o complexo — Eric responde indiferente — e se tornam sem facção.
A garota de cabelo claro coloca a mão na boca e suprime um soluço. Eu lembro do homem sem facção com os dentes cinza, agarrando o pacote de maçãs da minha mão. Seus olhos fixos, apagados. Mas, ao invés de chorar, como a garota da Erudição, sinto-me mais fria. Mais dura.
Eu vou ser um membro. Eu vou.
— Mas isso não... Não é justo! — a garota da Franqueza de ombros largos, Molly, diz. Mesmo soando zangada, ela parece assustada. — Se nós soubéssemos...
— Você está falando que, se soubesse disso antes da Cerimônia de Escolha, não teria escolhido a Audácia? — ele interrompe bruscamente. —Porque se esse for o caso, você deveria dar o fora agora. Se vocês realmente são um de nós, não seria um problema que pudessem falhar. E se for assim, vocês são covardes.
Eric abre a porta para o dormitório.
— Vocês nos escolheram. Agora, nós escolhemos vocês.

+ + +

Eu deito na cama e escuto nove pessoas respirarem.
Nunca tive que dormir no mesmo quarto com um garoto antes, mas aqui eu não tenho outra opção, a não ser que eu queira dormir no corredor. Todo mundo se trocou com as roupas que os integrantes da Audácia providenciaram para nós, mas eu durmo com as roupas da Abnegação, que ainda cheira a sabão e ar fresco. Como em casa.
Eu costumava ter meu próprio quarto. Podia ver o jardim da frente pela janela e além dele, o horizonte nebuloso. Estou acostumada a dormir em silêncio.
O calor se espalha atrás dos meus olhos quando penso em casa e quando pisco, uma lágrima escapa. Cubro minha boca para conter um soluço.
Não posso chorar, não aqui. Eu tenho que ficar calma.
Vai dar tudo certo aqui. Eu posso olhar meu reflexo quando eu quiser. Posso ser amiga de Christina e cortar meu cabelo curto e deixar as outras pessoas limparem a própria bagunça.
Minhas mãos tremem e as lágrimas vêm mais rápido agora, nublando minha visão.
Não importa que na próxima vez em que eu ver meus pais, no Dia da Visita, dificilmente eles irão me reconhecer – se eles vierem. Não importa se dói recordar o rosto deles mesmo que por alguns segundos. Inclusive de Caleb, apesar de seus segredos me fazerem sofrer. Eu harmonizo minhas inalações com as inalações dos outros iniciados e minhas exalações com a exalação deles. Não importa.
Um forte som interrompe a respiração, seguida por um forte soluço. Uma cama guinchou enquanto um largo corpo vira, e um travesseiro abafa os soluços, mas não o suficiente. Eles vêm do beliche próximo ao meu – são do garoto da Franqueza. Al, o maior e o mais largo de todos os iniciados. Ele é a última pessoa que eu esperava se descontrolar.
Os pés dele estão a apenas alguns centímetros da minha cabeça. Eu deveria confortá-lo – eu deveria querer confortá-lo, porque fui criada dessa maneira. Mas em vez disso, sinto desgosto. Alguém que parece tão forte não pode atuar de forma tão frágil. Por que ele não pode manter o choro quieto como o resto de nós?
Eu engulo bruscamente.
Se minha mãe soubesse o que eu estava pensando, sei como ela reagiria. As curvas da boca dela se curvariam para baixo. As sobrancelhas ficariam no ponto baixo dos seus olhos – não franzindo o cenho, mas sim quase cansada. Passo a palma da minha mão em cima da minha bochecha.
Al soluça novamente. Eu quase sinto o som refletindo na minha própria garganta. Ele está só alguns centímetros longe de mim – eu deveria tocá-lo.
Não. Baixo minhas mãos e viro para o lado. Encarando a parede. Ninguém tem que saber que eu não quero ajudá-lo. Posso manter o segredo enterrado. Meus olhos se fecham e eu sinto o peso do sono, mas cada vez que me aproximo, escuto Al novamente.
Talvez o meu problema não seja que eu não posso ir para casa. Vou sentir falta da minha mãe, do meu pai e de Caleb, da noite, da luz do fogo e do estalar das agulhas de tecer da minha mãe, mas essa não é a única razão dessa sensação de vazio no meu estômago.
Meu problema é que mesmo indo para casa, eu não faria parte de lá, perto de todas as pessoas que doam sem pensar e são compassivas sem tentar.

O pensamento fez meus dentes rangerem. Coloco o travesseiro na minha orelha para bloquear o choro de Al e durmo com um círculo de umidade pressionando minha bochecha.

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