Movo minha mão para trás, centímetro por centímetro, para que o soldado apontando a arma para mim não perceba. As portas do elevador se abrem novamente, trazendo mais Divergentes com traidores da Audácia. A mulher da Franqueza à minha direita geme. Fios de cabelo estão presos aos lábios, que estão molhados com saliva ou lágrimas, não posso dizer.
Minha mão alcança o canto do bolso. Eu a mantenho parada, meus dedos trêmulos com antecipação. Tenho que esperar o momento certo, quando Eric estiver distraído.
Concentro-me na mecânica de minha respiração, imaginando o ar enchendo cada parte dos meus pulmões enquanto eu inalo, em seguida, lembrando como exalo enquanto todo o meu sangue, oxigenado e não oxigenado, desloca-se do coração.
É mais fácil pensar em biologia do que na linha de Divergentes sentados entre os elevadores. Um menino da Franqueza que não pode ter mais de 11 anos se senta à minha esquerda. Ele é mais corajoso do que a mulher a minha direita – ele olha para o soldado da Audácia na frente dele, inabalável.
Ar para dentro, ar para fora. O sangue percorreu todo o caminho para minhas extremidades, o coração é um músculo poderoso, o músculo mais forte do corpo, em termos de longevidade. Mais integrantes da Audácia chegam, relatando o sucesso das varreduras de andares específicos do Mart Impiedoso. Centenas de pessoas inconscientes no chão, beleados com outra coisa que não balas, e não tenho ideia do porquê.
Mas estou pensando no coração. Não no meu coração mais, mas no de Eric, e como o peito vazio irá soar quando o seu coração não estiver mais batendo. Apesar do quanto o odeio, não quero realmente matá-lo, pelo menos não com uma faca, tão perto onde eu possa ver a vida deixá-lo. Mas resta uma chance para eu fazer algo útil, e se eu quiser acertar a Erudição onde dói, tenho que tomar um dos líderes deles.
Noto que ninguém trouxe a menina da Franqueza. Olho para o elevador, o que significa que ela deve ter escapado. Bom.
Eric aperta as mãos atrás das costas e começa a andar, para trás e para frente, diante da linha de Divergentes.
— Minhas ordens são para levar apenas dois de vocês de volta para a sede da Erudição para o teste — diz Eric. — O resto de vocês será executado. Existem várias formas de determinar quem dentre vocês será menos útil para nós.
Seus passos ficam lentos quando ele se aproxima de mim. Eu endureço meus dedos para agarrar o cabo da faca, mas ele não chega perto o suficiente. Ele continua andando e para na frente do rapaz à minha esquerda.
— O cérebro termina o desenvolvimento na idade de 25 — diz Eric. — Portanto, a sua Divergência não está completamente desenvolvida.
Ele levanta a arma e atira.
Um grito estrangulado salta do meu corpo enquanto o menino cai no chão, e eu aperto meus olhos fechados. Cada músculo de meu corpo salta em direção a ele, mas eu me seguro de volta. Espere, espere, espere. Eu não posso pensar no menino. Espere. Forço meus olhos abertos e pisco as lágrimas deles.
Meu grito conseguiu uma coisa: agora Eric está na minha frente, sorrindo. Eu chamei sua atenção.
— Você também é jovem demais — ele fala. — Longe de terminar seu desenvolvimento.
Ele dá um passo em minha direção. Meus dedos se aproximam do cabo da faca.
— A maioria dos Divergentes obtém dois resultados na prova de aptidão. Alguns só obtêm um. Ninguém jamais conseguiu três, não por falta de aptidão, mas simplesmente porque, para obter esse resultado, você tem de recusar escolher algo — diz ele, movendo-se mais perto ainda.
Inclino a cabeça para trás para olhar para ele, em todo o metal brilhando em seu rosto, os olhos vazios.
— Meus superiores suspeitam que você tem dois, Tris — diz ele. — Eles não acham que você é tão complexa – apenas uma mistura igual de Abnegação e Audácia – altruísta a ponto da idiotice. Ou será corajosa a ponto da idiotice?
Fecho a minha mão em torno da faca, seguro e aperto. Ele se inclina para mais perto.
— Apenas entre você e eu... Eu acho que você pode ter obtido três, porque você é o tipo de pessoa teimosa que se recusa a fazer uma simples escolha só porque disseram. Pode me esclarecer?
Eu dou uma guinada para frente, puxando a mão do meu bolso. Fecho meus olhos enquanto empurro a lâmina para cima e em direção a ele. Eu não quero ver seu sangue.
Sinto a faca entrar e depois retiro de novo. Todo o meu corpo pulsa no ritmo do meu coração. A parte de trás do meu pescoço está pegajosa de suor. Abro os olhos enquanto Eric cai no chão e, em seguida – caos.
Os traidores da Audácia não estão segurando armas letais, apenas as que disparam o que eles atiraram em nós antes, então todos eles lutam por suas armas de verdade. Enquanto procuram suas armas, Uriah se lança em um deles e lhe dá um soco forte no queixo. A vida sai dos olhos do soldado e ele cai. Uriah pega a arma do soldado e começa a atirar no traidor mais próximo de nós.
Eu procuro a arma de Eric, tão em pânico que mal posso ver, e quando olho, juro que a quantidade de integrantes da Audácia na sala dobrou. Tiros enchem meus ouvidos, e eu caio no chão quando todo mundo começa a correr. Meus dedos escovam o cano da arma, e eu estremeço. Minhas mãos estão fracas demais para agarrá-la.
Um braço pesado envolve meus ombros e me empurra para a parede. Meu ombro direito queima, e vejo o símbolo da Audácia tatuado em uma nuca. Tobias se vira e agacha em torno de mim para me proteger dos tiros.
— Diga-me se alguém está atrás de mim! — diz ele.
Espreito por cima do ombro, enrolando as mãos em punhos em torno de sua camisa.
Existem mais dos integrantes da Audácia na sala, sem braçadeiras azuis – não são traidores Audácia. Minha facção. Minha facção veio nos salvar. Como eles estão acordados?
Os traidores Audácia correm para longe do elevador. Não estavam preparados para um ataque, não de todos os lados. Alguns deles lutam, mas a maioria corre para as escadas. Tobias atira mais e mais uma vez, até que a arma fica sem balas, e o gatilho faz um clique soar. Minha visão está muito embaçada com lágrimas e minhas mãos também são inúteis para disparar uma arma. Eu grito entre os dentes, frustrada. Eu não posso ajudar. Sou inútil.
No chão, Eric geme. Ainda vivo, por enquanto.
Os tiros gradualmente param. Minha mão está molhada. Um vislumbre de vermelho me diz que estou coberta com o sangue – de Eric. Limpo em minhas calças e tento piscar as lágrimas. Meus ouvidos estão zumbindo.
— Tris — diz Tobias. — Você pode abaixar a faca agora.
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