domingo, 18 de maio de 2014

Capítulo 1

Se Amy Cahill tivesse que fazer uma lista com os maiores problemas dos irmãos de 11 anos, o costume de desaparecer seria o número um.
Ou talvez o primeiro lugar ficasse com o fato de eles simplesmente existirem.
Isso sem falar naquele lance de dizer o alfabeto inteiro com arrotos...
Amy estava parada no meio do mercado Khan-el-Khalili no Cairo, olhando freneticamente de um lado para o outro, tentando encontrar o irmão, Dan. A diferença de fuso horário estava atrapalhando o funcionamento normal do seu cérebro. Dan estava bem ao lado dela um minuto atrás. Então ela se virou por dois segundos para comprar um lápis da rainha Nefertiti e, quando se voltou, ele já tinha sumido.
O ar estava tomado pelo calor, pela música e pelos gritos dos vendedores. Bandeirolas brilhantes tremulavam ao alto. Turistas circulavam pelas ruas, carregando as mochilas no peito para protegê-las dos batedores de carteira e parando para tirar fotos a cada minuto. Uma mulher de lenço na cabeça contornava uma fileira de cadeiras turquesa seguindo seus dois filhos. Um homem equilibrava um caixote cheio de laranjas na cabeça, segurando-o com só uma das mãos. Uma turista com boné de beisebol e uma camiseta em que se lia O EGITO É UM AGITO passou por Amy, com uma câmera na frente do rosto.
Amy sentia o calor como ondas batendo em sua pele. Só esperava que não desmaiasse no meio daquela profusão de cores, rostos distorcidos e barulhos estranhos que castigavam seus ouvidos. Ela nunca gostara de multidões, e o Cairo parecia ter inventado o conceito da palavra muvuca.
Ela se voltou para trás, protegendo a pochete com a mão. A au pair, Nellie Gomez, estava logo à frente, em um beco, pechinchando com o vendedor de especiarias; Amy viu só de relance seu cabelo doido, metade loiro, metade preto.
Menos de uma hora atrás eles estavam num táxi, indo do aeroporto para a cidade do Cairo. Então, quando o taxista casualmente apontou para fora da janela e disse: “O mercado de Khan começa aqui, muito bom lugar”, Nellie de repente gritou: “Pare!” Antes de se darem conta do que estava acontecendo, eles já estavam no meio do mercado, com as malas e a gaiolinha do gato. Saladin miou com fúria quando Nellie prometeu: “Dez minutos, é só disso que eu preciso, e depois vamos direto pro hotel... Legal! Sementes de cardamomo!” Para Nellie, cada cidade que conhecia significava uma nova oportunidade de conseguir comidas.
Finalmente, Amy avistou Dan no meio da multidão. Ele estava com a cara quase colada na vitrine de uma loja abarrotada de souvenirs. Ele parecia estar fascinado por um apontador do rei Tutancômon, mas também podia ser pela lanterna em formato de múmia.
Enquanto Amy atravessava a rua, Dan sumiu e reapareceu várias vezes em meio à multidão em movimento. O sol quente ofuscava a visão dela. Amy torcia para que o futuro lhe reservasse um bom ar-condicionado.
turista com a camiseta O EGITO É UM AGITO foi chegando mais perto de Dan. Ela baixou seus óculos de sol de armação branca até a ponta do nariz. Uma sirene, ainda em volume baixo, disparou dentro de Amy. Um homem de chapéu de palha atrapalhou sua visão, mas ela se esquivou para o lado.
A turista dobrou o dedo indicador, como se estivesse com cãibra. O sol quente reluziu em alguma coisa que brotava de sua unha.
— Dan! — gritou Amy.
A música e os gritos dos vendedores – Cinco dólares, cinco dólares! – abafaram sua voz. Ela passou correndo por um homem que balançava uma dúzia de bolas de futebolem cores berrantes dentro de uma rede.
A agulha despontava do dedo dobrado da turista. Dan chegou mais perto da vitrine...
— Dan! — ela gritou outra vez. Mas apenas mentalmente. Sua voz saiu como um gemido abafado.
Amy se jogou para a frente. No último segundo, ela estendeu a mão. A agulha cravou-se no lápis da rainha Nefertiti e ficou presa.
Por um breve instante, tudo o que Amy conseguiu fazer foi observar o metal cintilando ao brilho do sol. Em câmera lenta, uma gota de algum veneno mortífero caiu da ponta da agulha e atingiu o chão empoeirado.
Amy olhou para o rosto de Irina Spasky. Ex-agente da KGB. Espiã. Prima.
Irina teve um espasmo no olho esquerdo.
— Blin — xingou em russo.
Ela chacoalhou a mão, mas a agulha continuou presa no lápis.
O vendedor veio correndo:
— Moça bonita, o lápis gostou de você. Veja, tenho mais lápis pra você!
Irina virou-se para ele com um olhar feroz:
— Não quero seus lápis cafonas, seu vendedor de tranqueiras!
Amy e Dan não esperaram nem mais um segundo. Dan atravessou a multidão como um raio e Amy seguiu atrás dele na mesma velocidade.
Disparando pelo labirinto de becos sinuosos, eles correram até as pernas latejarem e os pulmões ficarem sem ar. Depois de um tempo, pararam um pouco e tentaram recuperar o fôlego. Quando olharam em volta, Amy percebeu que estavam perdidos. Completa, estúpida e irreversivelmente perdidos.
— Nellie deve estar procurando a gente — ela disse verificando o celular. — Não tem sinal. Vamos ter que encontrar o caminho de volta.
— E espero que a gente não trombe com a camarada Irina — respondeu Dan. — Não faço a menor questão dessa reunião em família.
Àquela altura do campeonato, eles já estavam acostumados a encontrar parentes com intenções hostis. Poucas semanas antes, tinham passado maus bocados com a morteda avó. Depois que seus pais haviam morrido, Grace tinha se tornado a pessoa mais importante na vida de Amy e Dan. Mesmo não morando com ela, os dois passavam osfins de semana em sua mansão, perto de Boston, e ela também os levava para viajar nas férias de verão. Quando Grace morreu, de câncer, pareceu que haviam lhes tirado o chão.
Mas aquela tinha sido apenas a primeira de muitas surpresas chocantes ainda por vir.
Grace tinha convidado os quatro clãs da família Cahill para a leitura de seu testamento. Em um vídeo, ela deu a todos duas opções. Sair dali com 1 milhão de dólares no bolso ou participar de uma busca por 39 pistas e tornar-se a pessoa mais poderosa do mundo. Embora o milhão de dólares parecesse um ótimo negócio, Amy e Dan, no fundo, não haviam hesitado. Sabiam que Grace ia querer que eles aceitassem o desafio. Para a avó, não havia a opção do caminho mais simples.
Decidir tinha sido fácil. O difícil era cumprir a decisão. A antiga Amy achava que o lema “jogar para vencer” significava Courtney Catowski, a capitã do time de vôlei, dar uma cortada bem em cima da sua cabeça. Agora ela sabia o que era uma competição de verdade. Pessoas como Irina jogavam pra valer. A ex-espiã russa estava disposta a drogá-los, raptá-los ou até matá-los se necessário.
Eles começaram a andar. Amy tinha a sensação de que caminhavam em círculos. Como num sonho em que se corre, corre e não se chega a lugar algum. Ontem ela estava em Seul, na Coreia. Antes disso, em Tóquio e Veneza. Viena e Salzburgo, na Áustria. Paris. Filadélfia. Até na Rússia eles tinham feito escala num aeroporto particular.
Ela nunca tinha tido tantos segredos antes.
Nunca tinha imaginado que poderia sentir tanto medo.
Nunca havia cogitado que poderia ser tão corajosa.
Poucos dias antes, em Seul, Dan e ela quase foram enterrados vivos. Abandonados à morte por pessoas em quem ela tinha confiado. Natalie e lan Kabra... ela não queria mais pensar neles. Não queria lembrar de como ele tinha segurado sua mão e dito que juntos poderiam formar uma grande aliança. A aliança tinha durado algumas horas, até ele achar uma oportunidade de deixá-la morrer.
Não. Pensaria. Em. lan.
Depois, eles descobriram que o único parente em que quase confiaram, seu tio Alistair Oh, também os ludibriara. Faz-se de morto, quando obviamente estava vivinho da silva.
O que os havia feito cruzar o espaço aéreo internacional até a cidade do Cairo era apenas uma dica, nada mais que isso. Mas eles estavam acostumados a se agarrar às dicas e extrair delas tudo o que conseguissem. O formato de uma pirâmide e um nome. Sakhet. A deusa egípcia com cabeça de leão. Amy tinha comprado vários livros antes de eles partirem da Coreia e pesquisara sobre a deusa, mas ainda não sabia por que eles tinham sido mandados para lá... nem o que exatamente estavam procurando.
Amy sentiu o suor escorrer em riachos por baixo da camiseta. A temperatura estava quase em 35 graus. Seu cabelo grudava na nuca. Ela pensou em lan, que parecia estar sempre arrumado, em qualquer circunstância.
Não. Pensaria. Em. lan.
O barulho comprimia seus ouvidos, uma cacofonia exótica de buzinas, vendedores gritando, celulares tocando e alguém berrando por cima disso tudo:
— Anda logo, sua palerma!
Opa. Aquela voz não era tão exótica. Era Dan.
— Espiã russa logo à frente, se aproximando pela lateral! — ele sussurrou.
Irina ainda não tinha visto Amy e Dan. Estava concentrada demais procurando os dois. Avançava do outro lado da rua, espiando dentro das lojas, como um animal farejando a caça.
Amy puxou Dan para dentro de um café. Homens ocupavam as mesas, bebendo chá e conversando em voz baixa ou lendo jornais. Turistas folheavam seus guias de viagem e bebiam suco. Quando Amy se espremeu para passar, sua volumosa mochila bateu num cavalheiro corpulento, sentado com um copo de chá de menta na mão. A bebida entornou sobre o terno branco.
Todos os olhares no café se voltaram para Amy. O tec-tec de um jogo de gamão parou. Ela sentiu seu rosto ficar vermelho. Odiava ser o centro das atenções em qualquer circunstância, principalmente quando tinha feito alguma trapalhada.
— D-d-desculpa! — Amy gaguejou.
A gagueira se manifestava quando ficava nervosa. Ela detestava aquilo. Tentou limpar a bagunça.
— Tudo bem, mocinha, não se preocupe. — O homem deu um sorriso simpático e acenou para o garçom — é apenas chá.
Nas paredes, pesados espelhos antigos refletiam a cena. Amy viu seu próprio rosto vermelho, suas mãos trêmulas, os olhares dos clientes... e a porta se abrindo. Nem a roupa de turista nem os óculos escuros de aro branco conseguiam disfarçar o ar militar de Irina ao entrar no café, como se estivesse inspecionando todos, à procura de defeitos.
E, em exatamente três segundos, o olhar dela ia pousar sobre eles.

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