O homem gorducho se levantou, dando-lhes cobertura por um instante. Dan aproveitou a chance. Esquivou-se atrás de uma cortina grossa, puxando Amy consigo. Eles foram parar num corredor curto que levava a uma porta lateral e saíram correndo por ela.
A porta dava para um beco ainda menor, que serpenteava por trás das lojas. Sabiam que Irina ia aparecer ali em segundos. Desviaram de uma carroça com uma pilha alta de caixas e assustaram um homem que dormia ao sol. Vendo a porta dos fundos de uma loja, entraram correndo e deram num depósito. Era um lugar escuro e empoeirado. O peito de Dan começou a chiar.
— Use a bombinha — disse Amy.
— Está... na... mala... da Nellie — ele respondeu ofegante.
Odiava aquela sensação: como se alguém estivesse esmagando seus pulmões. E sempre acontecia nos piores momentos.
— Ótimo lugar pra deixá-la. Vamos.
Amy rapidamente puxou Dan para fora do depósito empoeirado, entrando na loja. Era um lugar claro e arejado. Do teto pendiam roupas de dança do ventre, cobertas de lantejoulas.
—Bem-vindos! Estão procurando uma linda roupa? Eu dou desconto!
— Essa cor não fica bem em mim! Mas valeu! — Dan gritou enquanto saía correndo da loja.
Eles seguiram por uma rua tortuosa, depois por outra. Por fim, Amy mandou pararem.
— Despistamos ela.
— Por enquanto — Dan agarrou a irmã pelo cotovelo. — Amy, olhe.
A poucos metros dali, viram uma placa: SAKHET.
Numa vitrine com cortinas vermelhas que lembravam as de teatro, havia uma única estátua. Era feita de pedra azul, com uma cabeça de leão que se erguia num porte orgulhoso.
Amy e Dan trocaram olhares. Sem dizer uma palavra, empurraram a porta e entraram na loja. Avançaram reto, em direção à estátua de Sakhet. Obviamente era muito antiga. A superfície estava gasta e faltava uma das orelhas de leão.
O dono da loja veio depressa, um homem magro e afobado, de calça preta e camisa branca.
— Estão interessados? Ela é linda. Autêntica, não é réplica. Já fez parte do tesouro napoleônico — se apressou em dizer. — Vocês têm excelente olho.
— Napoleônico? Mas por que ele está falando de sorvete pra gente? — Dan perguntou.
Amy revirou os olhos.
— O sorvete eu não sei, mas seu cérebro está derretendo. Você está pensando em napolitano, tonto. Napoleônico vem de Napoleão, o imperador da França. Ele conquistou o mundo, lembra? Vimos um retrato dele na base secreta dos Lucian lá em Paris. Ele é um Cahill. Um dos nossos antepassados.
O clã Lucian da família Cahill tinha um impressionante talento para traçar estratégias. Se bem que, com o passar do tempo, suas forças haviam diminuído e agora se reduziam às trapaças asquerosas de lan e Natalie Kabra e de Irina Spasky, a russa maluca.
— Se Napoleão tiver escolhido justo esta Sakhet, ela pode ser importante — disse Dan.
— Não pode ser tão fácil — respondeu Amy.
— Por que não? Se todo o resto foi tão difícil... — argumentou Dan.
O vendedor levantou a voz, tentando atrair de volta a atenção deles.
— Vejo que vocês estão fascinados. Sim, Napoleão possuía muitos tesouros. Alguns voltaram para a França, outros ficaram aqui. — Ele pôs a mão na estátua e a acariciou. — Seus pais estão com vocês? Eu faço o melhor preço. Tenho a melhor loja de todo o Cairo.
— Não, obrigado — disse Dan. Em Boston, ele era colecionador. Sabia que o melhor jeito de pechinchar era fingir desinteresse. — Vamos, Amy. Vamos continuar procurando. Por que uma coisa que pertenceu a Napoleão estaria no Egito, afinal?
— Napoleão invadiu o Egito em 1798 — disse Amy.
— Ah, a mocinha é boa de história. Eu ficaria muito orgulhoso se esta estátua passasse a suas brilhantes mãos. Pegue.
Ele deu a estátua a Amy.
Era estranho tocar numa coisa tão antiga. Uma coisa em que Napoleão tocara! De vez em quando ela sentia uma onda de entusiasmo com a ideia do seu próprio DNA se encadeando feito uma corrente, seguindo uma linha que levava a uma porção de pessoas extraordinárias. Napoleão!
— Só 2 mil — ele disse.
Amy deu um pulo.
— Dois mil dólares?
— Pra você, 1.500. Um homem do Museu do Cairo está interessado nesta peça. Vai voltar às quatro.
— Isso eu duvido, Abdul.
Amy virou-se. Tinha notado o moço alto e loiro olhando mercadorias na outra parte da loja. Não tinha percebido que ele se aproximara. Era um homem de vinte e poucos anos, vestindo camiseta, shorts cáqui e sandálias. Seus olhos eram de um verde vívido que contrastava com seu bronzeado.
— A não ser que ele esteja procurando um badulaque pra pôr no chaveiro — o rapaz disse com um sotaque britânico.
Ele tomou a Sakhet das mãos dela.
— Eu diria que esta peça foi feita em... 2007, talvez, Abdul?
— Com certeza você está enganado, Theo — afirmou o vendedor, dando um sorriso de constrangimento. — É autêntica, eu garanto...
— Garantias à parte, acho que você está tentando pregar o velho golpe da antiguidade falsa nesses dois jovens — retrucou o homem chamado Theo.
— Ele falou que a estátua pertenceu a Napoleão — disse Dan.
— Talvez — concordou Theo. — Mas só se for o seu Napoleão, dono da sorveteria da esquina.
— Viu só como ele estava falando de sorvete? — Dan provocou Amy.
— Na verdade, ele estava querendo botar você numa fria — brincou Theo. — Vocês gostariam de ver o resto da loja?
— Não precisa — Abdul logo interrompeu. — Vejo que não tenho o que vocês querem. Talvez na loja ao lado encontrem o que estão procurando. É hora do meu chá, por isso...
Theo passou pelo homem e abriu uma cortina pesada. Havia vários trabalhadores debruçados sobre uma mesa comprida. Amy ficou nas pontas dos pés quando o dono da loja tentou impedir sua visão. Os homens usavam escovas de aço e lixas em várias estátuas parecidas com a Sakhet. Lixando-as e escovando-as para lhes dar uma aparência envelhecida.
Abdul deu de ombros.
— Ei, preciso pagar minhas contas — justificou.
— Tudo bem, Abdul... O que os olhos não veem, o coração não sente — disse Theo.
Naquele exato instante, Dan agarrou o braço de Amy. Irina estava espiando pela vitrine, cobrindo os olhos com a mão.
Theo percebeu o susto deles.
— Quem é? Sua mãe?
— É uma mulher da nossa excursão. Uma mala sem alça — respondeu Amy.
— Sempre seguindo a gente — explicou Dan. — Tem algum outro jeito de sair daqui?
— Aprendam uma coisa sobre mim — disse Theo. — Eu sempre sei onde fica a porta dos fundos.
O sino de latão na porta da frente repicou enquanto eles passavam pela cortina e fugiam pela parte de trás da loja.
Dessa vez foi mais fácil. Tudo o que precisaram fazer foi seguir Theo. Ele avançava depressa, com agilidade, atravessando o labirinto de ruelas estreitas. Por fim, pararam para descansar perto dos arcos que marcavam a entrada do mercado.
— Acho que vocês estão salvos — disse Theo. — Querem que eu peça um táxi pra levá-los de volta pro hotel?
— Perdemos nossa au pair — explicou Dan. — É melhor a gente encontrá-la. Hã, onde estamos?
— Primeiro me digam, onde vocês a deixaram?
Amy franziu a testa.
— Perto das especiarias...
— Certo, isso facilita um pouco. Lembram mais alguma coisa?
Dan fechou os olhos.
— Uma placa amarela com letras árabes marrons. Três fileiras de cestos de especiarias, castanhas em baldes verdes. Vendedor com bigode e uma verruga na bochecha esquerda. Do lado, uma banca de frutas, um cara magro de chapéu vermelho gritando Romãs!
Theo ergueu a sobrancelha para Amy.
— Ele é sempre assim?
— O tempo todo.
Mais uma vez seguiram Theo pelo mercado, de olhos bem abertos à procura de Irina.
— Você mora aqui? — Amy perguntou enquanto abriam caminho pela multidão.
— Fiz faculdade na Inglaterra, mas voltei quando terminei e nunca mais saí.
— Você sabe mesmo andar por aqui — disse Amy.
— Eu trabalhava como guia turístico — explicou Theo.
Ele sorriu para ela e Amy de repente percebeu que o moço era realmente bonito.
Nellie estava fumegando de raiva em frente à barraca onde eles a haviam deixado. Uma sacola, abarrotada de pacotes, pendia de seu pulso. A mala de Dan estava aos pés dela e a sua própria estava empilhada em cima, além da bolsa que eles haviam pegado emprestado de Alistair. Saladin, o gato, miava dolorosamente em sua gaiolinha. Ela foi andando na direção deles, furiosa.
— Onde vocês se meteram? Achei que tinham sido sequestrados!
De repente, Nellie bateu os olhos em Theo. Parou de falar na mesma hora. Deu uma boa conferida no moço, desde os fios loiros de seu cabelo até os dedos de seus pés bronzeados.
— Ora, ora... Olá, Indiana Jones — ela ronronou, numa voz parecida com o ruído que Saladin fazia quando via um filé de salmão na sua vasilha de comida.
Enquanto Amy e Dan estavam perdidos, Nellie tinha feito compras. Por cima de sua camiseta preta havia um leve pano lilás, que ela enrolara em volta do corpo como uma túnica. Seus olhos agora estavam delineados com lápis preto e suas pálpebras tinham sido coloridas com pó dourado. Pulseiras de contas cobriam seu braço do pulso ao cotovelo. Ela parecia prestes a fugir para um harém do hip-hop.
— Ora, ora... Olá, Mary Poppins — Theo respondeu com um sorriso.
— Que perspicaz. Eu sou mesmo praticamente perfeita em todos os sentidos — ela estendeu a mão. — Sou Nellie Gomez.
— Theo Cotter.
Dan revirou os olhos quando a mão de Nellie ficou segurando a de Theo por mais tempo do que levaria um aperto de mão comum. Nellie tinha mesmo ficado vermelha? Ele não achava que isso fosse possível.
— Theo nos salvou de comprar um valiosíssimo artefato antigo que foi feito ontem — disse Amy.
Theo deu de ombros.
— Infelizmente vocês toparam com uma das piores armadilhas para turistas. Posso mostrar algumas lojas que vendem artigos autênticos, se quiserem — respondeu, de olho em Nellie.
— Seria maravilhoso — Nellie concordou, como se Theo tivesse se oferecido para mostrar a ela os segredos do universo.
— Acho melhor a gente ir pro hotel — emendou Amy.
Theo parecia legal, mas por que eles deveriam confiar nele? Além disso, não havia tempo a perder. Antes de partir de Seul, tinham encontrado um cartão do programa de milhas no quarto de Alistair. Dan o havia pegado e eles o usaram no aeroporto para reservar um quarto num hotel de luxo chamado Excelsior. Amy estava ansiosa para se instalar e decidir qual seria o próximo passo. Tudo estava acontecendo rápido demais.
Theo pegou algumas das sacolas de Nellie.
— Você está interessada em Napoleão, certo? — perguntou para Amy. — Você sabia que, quando ele invadiu o Egito, trouxe junto estudiosos, arqueólogos e artistas para estudar o país?
Ah, isso é tããão, típico de um Lucian, pensou Dan.
— A casa onde esses estudiosos moravam é hoje um museu. Eu conheço o curador de lá.
O-Oh, pensou Dan. Assim que ouviu a palavra museu, a irmã começou a salivar. Era como sacudir na cara dela um brownie com cobertura dupla de brigadeiro.
—É aqui perto? — Amy perguntou, empolgada. — Talvez o hotel pudesse esperar um pouco.
Se a casa da expedição de Napoleão ainda estava lá, talvez pudessem achar alguma coisa que os conduzisse a uma pista.
— Nada é muito longe aqui no Cairo — Theo respondeu. — É a Casa Sennari. Fica logo ali na Haret Monge.
— Claro. A Haret Monge, logo ali. A gente sabe — disse Dan.
— Vamos, vou chamar um táxi pra gente.
Theo foi andando na frente, conduzindo-os para uma rua tumultuada do centro da cidade. Dan não entendeu como era a divisão de faixas naquela via larga. Os carros se enfiavam em espaços minúsculos, davam fechadas em caminhões, aceleravam no sinal vermelho e seguiam colados em ônibus, tudo acompanhado de uma sinfonia de buzinas e berros. Amy, Dan e Neilie trocaram olhares. Não faziam ideia de como achar um táxi naquele pandemônio.
Theo andou com calma até o meio da rua, levantou a mão e um táxi parou, cantando pneu.
— Viram só? — Nellie ficou abobada. — Ele é mesmo o Indiana Jones.
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