domingo, 18 de maio de 2014

Capítulo 3

Quando chegaram à Casa Sennari, Theo jogou um maço de notas para o taxista e falou umas poucas palavras em árabe.
— Bakshish — ele disse.
— Saúde — Dan respondeu.
Theo sorriu.
— Não, bakshish quer dizer “gorjeta”. Agora ele vai esperar a gente.
Theo avançou para andar ao lado de Nellie, e Dan virou-se para Amy.
— Não que eu não esteja superempolgado com a ideia de ir em mais outro museu, mas o que a gente está procurando exatamente?
— Não sei — Amy admitiu.
— Essa ligação com Napoleão parece meio... hã... frouxa, não?
— Eu sei. Não é muita coisa. Mas a gente não tinha muita informação na Filadélfia, nem em Paris, Viena, Salzburgo, Veneza, Tóquio e Seul. Mesmo assim conseguimosencontrar pistas. Sabemos que Napoleão era um Lucian. Achamos que tem uma pista no Egito. Por isso, se ele encontrou essa pista, ou se encontrou alguma coisa, talvez tenha deixado uma dica para os Lucian aqui.
— Ia mesmo ser divertido roubar uma coisa bem debaixo do nariz da camarada Irina — Dan admitiu.
Theo insistiu em pagar os ingressos. Eles passaram por uma porta pequena e deram num pátio. Pequenas tamareiras e arbustos com flores vermelhas criavam um efeito refrescante, apesar da falta de sombra. Havia uma fonte no centro.
— A Casa Sennari foi construída em 1794 — Theo explicou. — É um exemplo daarquitetura residencial islâmica clássica, erguida em volta de um pátio central, chamado sahn. Acredito que estão aqui algumas das mais belas telas mashrabiya do Cairo.
— São as telas de madeira entalhada nas janelas — disse Amy, apontando.
— Os estudiosos trazidos por Napoleão criaram a egiptologia no Ocidente — continuou Theo. — Depois que seus escritos foram publicados, começou uma febre de coisas egípcias em toda a Europa.
— Fascinante — disse Nellie.
— Ah, sim, interessantíssimo — Dan concordou, sarcástico.
Nellie deu um pisão no pé dele.
— Eles costumavam ter uma exposição permanente da coleção pessoal de Napoleão muito tempo atrás, mas ela foi retirada em 1926 — acrescentou Theo. — O prédio passou por reformas nos anos 1990. Agora eles têm belos exemplares de tecidos e cerâmicas.
Dan segurou a ponta da camiseta de Amy para que ela não seguisse os dois, que continuavam avançando. Se ele não tomasse uma atitude, Amy passaria horas num velho museu empoeirado, absorvendo informações completamente inúteis.
— Ei, temos um trabalho a fazer — ele a lembrou. — Por onde a gente começa?
— Acho que podemos dar uma volta e investigar as coisas que parecerem originais.
— Certo, não é exatamente o que se chama de um plano, mas já é alguma coisa.
Eles exploraram a casa toda, porém era difícil diferenciar o que fazia parte da estrutura original e o que havia sido consertado ou reformado. Por fim, eles encontraram uma antiga escadaria de pedra que levava de volta ao pátio.
— Os Lucian são todos uns pequenos Napoleões — resmungou Dan. — Olha o lan e a Natalie. Não passam de dois metidos com grana. E a camarada Irina? Uma metida com um tique no olho. E Napoleão? Era um metido com um exército.
— Obrigada pela palestra tão esclarecedora sobre as guerras napoleônicas, professor — Amy ironizou. — Olhe esses entalhes! Theo tinha razão. Essas telas são incríveis. E veja que lindos azulejos! — disse, passando a mão na parede.
— Você fala que nem o lan Kabra. Lembra quando ele admirou as esquadrias das janelas do tio Alistair?
A cara de Amy caiu no chão.
Ops... Ele tinha mencionado o nome. Toda vez que ele deixava escapar aquele nome, Amy fazia aquela cara de “buá-buá, meu hamster morreu”. Era inacreditável que uma menina de 14 anos, quase normal, pudesse se apaixonar por um cara tão incrivelmente mala. Ele achava, ou pelo menos esperava, que sua irmã fosse um pouco mais esperta.
De repente, o olhar perdido de Amy se transformou em curiosidade. Ela apontou para um azulejo.
— Aquilo não parece familiar?
Dan agachou.
— É o brasão dos Lucian! — o brasão estava escondido dentro do desenho, mas ele o reconheceu. — É o único azulejo assim.
— Só pode ser alguma indicação para a pista! — Amy disse, empolgada. — Talvez tenha alguma coisa atrás dele.
Ela tentou empurrar o brasão, depois os cantos.
— Faz mais de 200 anos que isso está aqui — disse Dan. — Talvez precise de uma ajudinha.
Ele tirou um canivete do bolso e encaixou a lâmina na argamassa ao redor do azulejo.
— Se eu pelo menos conseguisse...
— Dan! Estamos num museu!
— Jura?
— Alguém pode ver!
— Bom, então é melhor você ficar de vigia — Dan resmungou enquanto empurrava o canivete.
Ele sentiu o azulejo se soltando. Ouviu os passos de Amy se afastando. A irmã dele era tão certinha. Às vezes isso realmente atrapalhava.
Com jeitinho, ele pressionou a lâmina mais fundo e mexeu para os lados. Conseguiu enfiar os dedos atrás de um dos cantos e puxou com cuidado. O azulejo caiu bem em cima de sua mão. Atrás da parede havia agora um buraco estreito. Dan enfiou a mão lá dentro, torcendo para que encontrasse uma pista, e não um inseto egípcio rastejante e medonho. Porém, seus dedos tatearam uma coisa lisa e redonda. Ele puxou do buraco um fino tubo de couro.
— Posso saber o que você está fazendo?
Aquela voz retumbante quase fez Dan soltar o tubo. Ele o escondeu atrás das costas enquanto um egípcio de terno cinza gritava para ele da base da escada. O homem era corpulento, por isso não devia estar muito a fim de subir a escada até onde Dan estava. Ainda assim, parecia ser algum tipo de guarda do museu. E estava carregando um daqueles walkie-talkies, que sem dúvida conduziriam até ali brutamontes da segurança em questão de segundos.
Belo serviço de vigia, mana.
Dan ouviu os passos rápidos de Amy atrás do homem na escada.
— Hã, m-m-m... — ele ouviu a irmã gaguejar.
Como de costume, o cérebro dela congelava diante de uma autoridade.
Mas Dan estava acostumado a lidar com adultos furiosos. Seu treinamento começara cedo com a professora da pré-escola, a senhorita Woolsey, e continuara com orientadores educacionais, professores de educação artística (viva a tinta em bisnagas!), diretores, o corpo de bombeiros de Boston... Aquele cara ia ser moleza.
Então, Dan lembrou-se de que estava em outro país. Com prisões. Será que eles prendiam crianças de 11 anos no Egito?
Os olhos do homem se estreitaram em sua direção.
— O que é isso na sua mão? — ele perguntou.
— Hã, caiu da parede.
Com uma das mãos, Dan mostrou o azulejo. Atrás das costas, sacudiu o tubo.
— Esses são os azulejos originais da casa! São frágeis!
— Pois é, justamente — Dan disse num tom sensato. Para seu alívio, sentiu Amy pegar o tubo de sua mão. — Caiu sozinho. — Ele ergueu o azulejo. — Quer pegar?
— Rapaz, nem pense em...
Dan jogou o azulejo no ar.
Ele teve tempo de admirar o salto que o homem deu, com o terror estampado no rosto, para agarrar o azulejo. Então, Dan subiu a escada correndo atrás de Amy.
— Você viu? — ele disse ofegante. — Aquele cara podia ser jogador de beisebol!
— Você sempre... acha tão divertido... quando a gente rouba... alguma coisa!
Eles ouviram passos pesados: outros guardas engrossavam a perseguição. Dobraram depressa à direita e seguiram em disparada por um corredor estreito. Dan entrou numa salinha, arrancou a tela de proteção da janela e subiu na grade da varanda.
— Não é muito alto — mostrou a Amy. — Além disso, agora você já deve estar ficando boa nisso.
— Eu não quero ficar boa nisso — respondeu Amy, rangendo os dentes enquanto passava uma perna por cima da grade. — Quero ser boa em pesquisar em bibliotecas. — Ela passou a outra perna por cima. — Em patinação. — Ela baixou o corpo pela lateral, segurando-se com os olhos fechados. — Assando brownies...
— Solte! — Dan gritou e Amy largou a grade. Ele soltou logo em seguida.
Dan sentiu o impacto do piso do pátio fazer seus tornozelos tremerem. Não esperava que fosse doer... tanto. Amy caiu no chão e rolou. Lançou para o irmão um olhar amedrontado. Ele acenou com a cabeça, para avisar que estava tudo bem.
Lá em cima, gritaram alguma coisa em árabe. Dan não precisava de tradutor. Alguém com certeza estava muito bravo.
— O que vocês estão fazendo no chão? — Nellie perguntou enquanto saía de uma das salas que davam Para o pátio — Sabem onde fica o banheiro?
Sem responder, Dan e Amy correram na direção de Neilie, agarraram os braços dela e a arrastaram até a entrada.
Os guardas pularam no pátio e começaram a correr.
— Ah, não. Não acredito. De novo não. — Nellie resmungou.
— Depois você briga com a gente. Agora corre!
— Foi mal! Amamos seu lindo país! — Nellie berrou.
Os três saíram em disparada pela porta da frente enquanto os gritos ecoavam no pátio atrás deles. O táxi estava esperando, eles entraram depressa.
— Para onde? — perguntou o motorista, acordando assustado.
— Vai logo, vai, vai! — gritou Nellie.
— Vai, vai, vai! — o taxista gritou animado ao sentar o pé no acelerador, quase levantando voo. — Adoro americanos!

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