quinta-feira, 8 de maio de 2014

Capítulo 7 - Um dia com os castores

Assim conversavam os dois meninos, em voz baixa, quando as meninas gritaram ao mesmo tempo:
— Oh! — E depois pararam.
— O pintarroxo! O pintarroxo sumiu!
— Que vamos fazer agora? — perguntou Edmundo, lançando a Pedro um olhar que significava: “Que é que eu falei?”
— Psiu! Olhem ali! — disse Susana. — Tem uma coisa ali se mexendo, no meio das árvores. Mais para lá.
Olharam todos com atenção, meio desconfiados.
— Está lá de novo — tornou Susana.
— Ah, agora eu vi — disse Pedro. — Está ali atrás daquela árvore.
— Mas o que é? — perguntou Lúcia, fazendo grande esforço para não parecer medrosa.
— Seja lá o que for — disse Pedro — está se escondendo de nós. Acho que não quer ser visto.
— Vamos para casa — suplicou Susana.
E, embora ninguém se atrevesse a dizê-lo, todos compreenderam de repente aquilo que Edmundo segredava a Pedro no fim do capítulo anterior. Estavam irremediavelmente perdidos.
— Como é ele? — perguntou Lúcia.
— É um bicho qualquer — respondeu Susana. — Olhe, depressa! Lá está ele!
E todos o viram desta vez: focinho peludo, grandes bigodes, parecia espreitá-los por detrás das árvores. Não fugiu logo, pelo contrário, levou a pata à boca, como fazem as pessoas quando põem um dedo nos lábios para nos dizer que devemos ficar em silêncio. E desapareceu de novo. Eles mal respiravam. Um minuto depois, tornou a sair do abrigo atrás das árvores, olhou em volta, com medo de que alguém o visse, e disse:
— Silêncio!
Fez um sinal para que fossem encontrar-se com ele na parte mais cerrada do bosque, e desapareceu novamente.
— Já sei o que é — disse Pedro — é um castor. Conheço pela cauda.
— E quer que a gente vá lá; avisou para ninguém fazer barulho — Susana completou.
— Isso eu entendi — falou Pedro. — O problema é este: vamos ou não vamos? Qual a sua opinião, Lu?
— Acho que é um bonito castor — respondeu ela, com simplicidade.
— Bem, mas como é que vamos saber... — começou Edmundo.
— Temos de correr o risco! — afirmou Susana. — Não adianta nada ficarmos aqui parados. Além disso, acho que está na hora do jantar.
Mal disse isso, o castor, atrás das árvores, já acenava para eles com certa aflição.
— Venham! — comandou Pedro. — Vamos ver no que vai dar. Mas todos juntos. Nós podemos com ele, se for um inimigo.
As crianças seguiram muito juntas, passaram para o outro lado e chegaram perto do castor. Mas o animalzinho, atraindo-os mais para o meio da floresta, só lhes disse num sussurro rouco e gutural:
— Mais para frente, mais para frente! Aqui está bem. Ali na clareira era meio perigoso.
Estavam agora num lugar sombrio, onde cresciam quatro árvores tão juntas que os ramos se tocavam; e o chão estava coberto de agulhinhas de pinheiro, porque ali a neve não entrava. O castor falou:
— Vocês é que são os Filhos de Adão e as Filhas de Eva?
— Somos sim — respondeu Edmundo.
— Psssiu! — fez o castor. — Por favor, não fale tão alto. Nem aqui estamos muito seguros.
— Mas... de que é que o senhor tem medo? — perguntou Pedro. — Estamos sozinhos aqui.
— E as árvores? — respondeu o castor. — Estão sempre escutando. Quase todas estão do nosso lado, mas há outras que são capazes de contar para ela. Já entenderam de quem estou falando... — E abanou a cabeça várias vezes.
— Se vamos começar a falar em partidos — observou Edmundo — como é que vou saber se o senhor é amigo ou inimigo?
— Não queremos ofendê-lo, Sr. Castor — acrescentou Pedro. — Mas está vendo que não somos aqui da terra.
— Compreendo, compreendo. Aqui está a prova. — E mostrou-lhes uma coisa branca.
Olharam todos admirados, até que Lúcia descobriu:
— Ah, é o meu lenço! O lenço que eu dei ao Sr. Tumnus, coitadinho!
— Perfeito! — confirmou o castor. — O infeliz soube da ordem de prisão com uma certa antecedência e entregou-me isso. Disse-me então que, se por acaso lhe acontecesse alguma coisa, eu deveria encontrar-me aqui com vocês, para levá-los... — e a voz do castor apagou-se de súbito.
Fazendo sinais misteriosos, ele juntou as crianças num grupo apertado e acrescentou, num leve sussurro:
— Dizem que Aslam está a caminho; talvez até já tenha chegado.
E aí aconteceu uma coisa muito engraçada. As crianças ainda não tinham ouvido falar de Aslam, mas no momento em que o castor pronunciou esse nome, todos se sentiram diferentes. Talvez isso já tenha acontecido a você em sonho, quando alguém lhe diz qualquer coisa que você não entende mas que, no sonho, parece ter um profundo significado – o qual pode transformar o sonho em pesadelo ou em algo maravilhoso, tão maravilhoso que você gostaria de sonhar sempre o mesmo sonho.
Foi o que aconteceu. Ao ouvirem o nome de Aslam, os meninos sentiram que dentro deles algo vibrava intensamente. Para Edmundo, foi uma sensação de horror e mistério. Pedro sentiu-se de repente cheio de coragem. Para Susana foi como se um aroma delicioso ou uma linda ária musical pairasse no ar. Lúcia sentiu-se como quem acorda na primeira manhã de férias ou no princípio da primavera.
— E o Sr. Tumnus, onde está ele? — perguntou Lúcia.
— Pssssiu! Aqui, não! Vamos para um lugar onde possamos conversar tranquilamente e comer alguma coisa.
Já todos agora confiavam naturalmente no castor, exceto Edmundo, é claro; e todos também, inclusive Edmundo, ficaram contentíssimos com a palavra “comer”.
Seguiram apressados atrás do novo amigo, que, dando uns passinhos incrivelmente rápidos, foi guiando os quatro durante mais de uma hora, pelos recantos mais densos da floresta. Já se sentiam exaustos e famintos quando, de súbito, as árvores começaram a rarear, e eles a descer por uma encosta íngreme.
Minutos depois, já sob um céu sem nuvem, onde o sol brilhava ainda, depararam com uma vista maravilhosa. Estavam num vale estreito, no fundo do qual corria (deveria correr, se não estivesse gelado) um rio razoavelmente grande. Bem debaixo do ponto em que se encontravam haviam construído um dique sobre o rio; e os meninos se lembraram logo de que os castores são fabulosos construtores de diques. Aquela obra – não tiveram dúvida – era do Sr. Castor. Notaram que este tomava um ar modesto... o mesmo ar que as pessoas assumem quando visitamos o jardim que fizeram ou lemos uma história que escreveram. Por isso, era da mais elementar educação que Susana dissesse:
— Que lindo dique!
E desta vez o castor não disse “silêncio!”:
— Ora, ora! Isso não é nada. Não tem a menor importância. E ainda nem está terminado.
Acima do dique havia o que deveria ter sido um lago profundo, mas que agora não passava de uma superfície rasa de gelo esverdeado e escuro. Abaixo do dique, muito mais abaixo, havia mais gelo, mas, em vez de ser liso e plano, tinha as formas ondulantes e espumantes da água, como era no momento em que tudo ficou gelado.
Nos lugares em que a água tinha escorrido por cima do dique, via-se agora uma fileira de pingentes brilhantes de gelo, como se fossem flores e grinaldas da mais imaculada brancura. No meio do dique, quase no alto, viram uma linda casinha, que mais parecia uma grande colmeia de abelhas. De um buraco que havia no teto subiam nuvens de fumaça, que logo traziam a ideia (sobretudo a quem estivesse com muita fome) de um jantar excelente sendo preparado. E isso aumentou-lhes ainda mais a fome.
Edmundo reparou ainda em outra coisa; um pouco mais longe, lá embaixo, corria outro rio menor por um vale estreito. Olhando pelo vale acima, viu lá adiante duas colinas, que era capaz de jurar serem as mesmas que a feiticeira lhe apontara ao longe, quando dele se separou perto do lampião. Entre as duas colinas devia estar o palácio, a pouco mais de um quilômetro. Lembrou-se do manjar turco e da promessa de vir a ser rei.
(“O que ia dizer Pedro, se soubesse!”) Começaram então a brotar-lhe no cérebro umas ideias terríveis.
— Ora, aqui estamos todos — disse o Sr. Castor. — E parece que a Sra. Castor está à nossa espera. Vou na frente para mostrar o caminho. Cuidado para não escorregar!
A parte alta do dique era bastante larga, mas não era um bom lugar para os humanos caminharem, pois estava coberta de gelo; além disso, embora de um dos lados estivesse o lago gelado, do outro havia um abismo.
O castor conduziu-os em fila indiana até o meio do caminho, de onde podiam contemplar todo o curso do rio, de um lado e do outro. Ao chegarem ao meio, lá estava a casinha.
— Chegamos, Sra. Castor — disse o marido. — Chegaram os Filhos e as Filhas de Adão e Eva.
Logo ao entrar, a atenção de Lúcia foi despertada por um som metálico, e a primeira coisa que viu foi a Sra. Castor, uma velhinha de ar bondoso, sentada de linha na boca, trabalhando a valer na máquina de costura. Era de lá que vinha o som. Parou com o trabalho e levantou-se.
— Ah, chegaram finalmente! — disse ela, juntando as patas enrugadas. — Finalmente! E pensar que eu ainda iria viver para ver este dia! As batatas estão cozinhando! E a chaleira já está cantando! Será que o Sr. Castor poderia arranjar-nos uns peixinhos?
— Já vou — disse o Sr. Castor.
Saindo de casa na companhia de Pedro, atravessou o lago até chegar a um buraquinho no gelo, aberto à machadinha. Levava um balde na mão. Sentou-se com jeito na beira do buraco, sem ligar para o frio; olhou atentamente lá dentro, enfiou de repente a pata e, num instantinho, agarrou uma linda truta. E assim fez várias vezes, até conseguir o que se chama de uma bela pescaria.
Enquanto isso, as meninas ajudavam a Sra. Castor a encher a chaleira, arrumar a mesa, cortar o pão, pôr os pratos. Em um barril que havia num dos cantos da cozinha, encheram uma grande caneca de cerveja para o Sr. Castor e, por fim, puseram a frigideira no fogo para aquecer a gordura. Lúcia achou que os castores tinham uma casinha bem aconchegante, mas não lembrava em nada a caverna do Sr. Tumnus. Ali não existiam livros nem quadros pendurados, e, em vez de camas, havia beliches nas paredes, como nos navios. Do teto pendiam presuntos e réstias de cebola; encostados às paredes viam-se botas de borracha, oleados, machados, tesouras, pás, colheres de pedreiro, vasilhas de argamassa, caniços de pesca, redes e sacos. A toalha da mesa, embora limpa, era meio grosseira.
A frigideira começava a chiar quando Pedro e o Sr. Castor voltaram com os peixes, abertos a canivete e limpos lá fora. Imagine você agora o cheiro bom dos peixes fritando, e como as crianças, azuis de fome, esperavam ansiosamente que ficasse tudo pronto, e a fome aumentando a cada segundo!
— Está quase prontinho! — disse o Sr. Castor.
Susana preparou as batatas, enquanto Lúcia ajudava a Sra. Castor a colocar as trutas na travessa. Cada um puxou o seu banquinho (na casa dos castores só havia banquinhos de três pés, além da cadeira de balanço da Sra. Castor, junto da lareira), prontos para se fartar. Havia um jarro de leite cremoso para as crianças (o Sr. Castor, fiel a seus princípios, preferiu cerveja) e, no centro da mesa, um bom pedaço de manteiga, de que eles se serviam à vontade para passar nas batatas.
Aí as crianças chegaram à conclusão – e eu concordo inteiramente com elas – de que não há nada melhor do que um peixinho de rio, que ainda há meia hora estava saltando na água, tirado da frigideira há menos de meio minuto. E, depois do peixe, a Sra. Castor tirou do forno um rocambole muito fofo, ainda fumegando, e pôs no fogo a chaleira. Depois de tomarem o chá, todos inclinaram os banquinhos para trás, para se encostarem à parede, e deram um profundo suspiro de satisfação.
— E agora — disse o Sr. Castor, afastando a caneca de cerveja vazia e puxando a xícara para mais perto — se não se importam de esperar um momento, até eu acender o cachimbo, vamos às coisas sérias. — E acrescentou, depois de olhar pela janela: — Está nevando outra vez. Melhor! Assim não teremos visitas. E se, por acaso, alguém estiver tentando segui-los, não vai encontrar rastro.

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