quinta-feira, 8 de maio de 2014

Capítulo 8- Depois do jantar

— E agora quer nos contar o que aconteceu ao Sr. Tumnus? — pediu Lu.
— Ah, é uma triste história — respondeu o Sr. Castor. — Muito triste mesmo. Mas não há dúvida de que foi levado pela polícia. Quem me contou foi um passarinho, que assistiu à cena.
— Mas para onde é que o levaram?
— Bem, iam em direção ao norte, quando os viram pela última vez; e, infelizmente, todos sabem o que isso significa.
— Nós não sabemos — disse Susana, enquanto a Sra. Castor balançava a cabeça com uma expressão sombria.
— Infelizmente significa que o levaram para a casa dela.
— E o que vão fazer com ele, Sr. Castor? — perguntou Lúcia, aflita.
— Bem — disse o castor — nunca se sabe exatamente. Mas poucos podem dizer que lá entraram e de lá conseguiram sair. Estátuas! Dizem que está tudo cheio de estátuas de pedra: o pátio, a escadaria, o saguão. Seres que ela transformou... — Fez uma pausa e estremeceu. — Que transformou em estátuas de pedra.
— Mas, Sr. Castor, não podemos... quero dizer, temos de fazer tudo para salvá-lo. É terrível... por minha causa!
— Tenho a certeza de que você iria salvá-lo, se pudesse, minha menina — disse a Sra. Castor. — Mas como vai fazer para entrar naquela casa, contra a vontade dela, e sair de lá com vida?
— Mas a gente não pode dar um jeito? — perguntou Pedro. — Quer dizer, se a gente for disfarçado de... sei lá... de vendedores ambulantes ou de qual quer outra coisa... esperar que ela saia de casa... ou... Puxa vida! A gente tem de achar um jeito. O fauno arriscou-se para salvar minha irmã, Sr. Castor! Não podemos abandoná-lo assim, deixar que façam com ele uma coisa dessas!
— Não vale a pena, Filho de Adão! — disse o castor. — Nem vale a pena experimentar. Agora que Aslam está a caminho...
— Ah, é, fale de Aslam! — disseram as crianças em coro.
Pois, mais uma vez, tinham sido envolvidas por aquela estranha sensação que lembrava os primeiros sinais da primavera, e que parecia trazer notícias maravilhosas.
— Aslam?! — exclamou o Sr. Castor. — Então não sabem? Aslam é o rei. É o verdadeiro Senhor dos Bosques, embora já há muito esteja ausente. Desde o tempo do meu pai e do meu avô. Agora chegou a notícia de que vai voltar. Neste mesmo momento está em Nárnia. Ele dará um jeito na Feiticeira Branca, não se preocupem. Ele, e não vocês, meus filhos, há de salvar o Sr. Tumnus.
— E se ela transformar também ele numa estátua de pedra? — perguntou Edmundo.
— Deixe com ele, Filho de Adão. Não é tão fácil assim! — respondeu o Sr. Castor, caindo na gargalhada. — Transformar Aslam em pedra? Se ela conseguir manter-se em pé diante dele, olhá-lo cara a cara, já é caso para dar-lhe os parabéns. Não, não. Ele vem botar tudo nos eixos. Assim diz um velho poema que costumamos cantar:

O mal será bem quando Aslam chegar,
Ao seu rugido, a dor fugirá,
Nos seus dentes, o inverno morrerá,
Na sua juba, a flor há de voltar.

— Quando vocês virem Aslam, hão de entender tudo.
— E chegaremos a vê-lo, um dia? — perguntou Susana.
— Mas é claro, Filha de Eva; foi para isso que eu os trouxe até aqui. Vou guiá-los até ele.
— E ele é um homem? — perguntou Lúcia.
— Aslam, um homem! — disse o Sr. Castor, muito sério. — Não, não. Não lhes disse eu que ele é o Rei dos Bosques, filho do grande Imperador de Além-Mar? Então não sabem quem é o rei dos animais? Aslam é um leão... Leão, o grande Leão!
— Ah! — exclamou Susana. — Estava achando que era um homem. E ele... é de confiança? Vou morrer de medo de ser apresentada a um leão.
— Ah, isso vai, meu anjo, sem dúvida — disse a Sra. Castor. — Porque, se alguém chegar na frente de Aslam sem sentir medo, ou é o mais valente de todos ou então é um completo tolo.
— Mas ele é tão perigoso assim? — perguntou Lúcia.
— Perigoso? — disse o Sr. Castor. — Então não ou viu o que Sra. Castor acabou de dizer? Quem foi que disse que ele não era perigoso? Claro que é, perigosíssimo. Mas acontece que é bom. Ele é rei, disse e repito.
— Estou louco para ver o rei — disse Pedro — mesmo que tenha muito medo.
— Muito bem, Filho de Adão! — aplaudiu o Sr. Castor, batendo com a pata em cima da mesa com tal força que os pires e as xícaras tilintaram. — Vai vê-lo, pode estar certo. Recebi há pouco uma mensagem anunciando que vocês devem encontrar-se com ele amanhã, na Mesa de Pedra.
— Onde é isso? — indagou Lúcia.
— Eu lhes mostro o caminho — disse o Sr. Castor. — Ainda é uma boa jornada daqui até lá, seguindo pela margem rio abaixo. Mas eu os levo lá.
— Mas e o coitado do Sr. Tumnus? — perguntou Lúcia.
— O melhor meio para salvá-lo é procurar Aslam — disse o castor. — Enquanto ele não chegar, não podemos agir. Não é que não precisemos de vocês, longe disso. Aí vai outra das nossas velhas canções:

Quando a carne de Adão,
Quando o osso de Adão,
Em Cair Paravel,
No trono sentar,
Então há de chegar
Ao fim a aflição.

— Por isso, agora que ele já chegou, e que vocês também chegaram, tudo se encaminha para o fim. Sabemos que Aslam veio outrora a esta região, mas há muito, muito tempo, ninguém sabe bem quando. Mas os seus, os da sua raça, estes não há lembrança de terem estado aqui.
— Mas é isso que eu não entendo, Sr. Castor — disse Pedro. — Então a feiticeira não é humana?
— É o que ela nos queria fazer crer! — respondeu o castor. — É por isso que ela se diz com direito ao trono. Mas Filha de Eva é que ela não é. Sim, descende por um lado da primeira mulher do seu pai Adão (e a este nome, o Sr. Castor fez uma pequena reverência), a que se chamava Lilith, e era da raça dos gênios. Isso, por um lado. Por outro, descende dos gigantes. Não, na feiticeira não há nem uma gota de sangue humano.
— Por isso é que ela é ruim até a raiz do cabelo — disse a Sra. Castor.
— É pura verdade — disse o marido. — Pode haver duas opiniões sobre os humanos (sem qualquer ofensa para os presentes), mas não pode haver a menor dúvida acerca de seres que parecem humanos mas não o são.
— Pois eu já encontrei anões bons — disse a Sra. Castor.
— Já que fala nisso, eu também — concordou o marido. — Mas pouquíssimos, e os melhores são até os que menos se parecem com os homens. Porque em geral, podem acreditar, quando encontramos um ser que vai ser humano, mas ainda não é, ou que o foi no passado, e depois deixou de ser, ou que devia ser humano, mas na verdade não o é, o melhor é ter cuidado e ficar de pé atrás. E por isso que a feiticeira anda sempre à procura de humanos em Nárnia. Há muitos anos que ela procura vocês, sem parar; e se soubesse que vocês são quatro, seria então muito mais perigosa.
— Mas que tem isso de especial? — perguntou Pedro.
— É que existe uma outra profecia. Lá embaixo, em Cair Paravel, no castelo que dá para o mar, junto da foz do rio, e que devia ser a capital se tudo corresse como devia... Lá, em Cair Paravel, há quatro tronos. Uma velhíssima tradição de Nárnia já anunciava que, quando dois Filhos de Adão e duas Filhas de Eva se sentarem nos quatro tronos, então será o fim, não só do reinado da feiticeira, mas da própria feiticeira. Foi por isso que usei de tanta cautela quando viemos para cá; por que, se ela suspeitasse da chegada de vocês, eu não daria uma truta pela vida dos quatro...
Os meninos estavam tão amarrados nos lábios do Sr. Castor, que por muito tempo não prestaram atenção a mais nada. Mas, no silêncio que se seguiu às suas últimas palavras, Lúcia, de repente, perguntou:
— Onde está Edmundo?
Foi um silêncio terrível; depois começaram a indagar:
— Quem foi o último a vê-lo?
— Há quanto tempo desapareceu?
— Terá ido lá fora?
Correram todos para a porta. Lá fora, a neve caía lenta e firme, e o gelo esverdeado do lago já estava coberto de um espesso lençol branco. Mesmo no meio do dique, mal conseguiam avistar as margens do rio. Enterrando os tornozelos na neve recente, deram voltas em todas as direções.
— Edmundo! Edmundo! — ficaram roucos de gritar.
A neve, caindo silenciosamente, parecia abafar-lhes as vozes, e nem o eco respondia.
— Que coisa pavorosa! — disse Susana, quando, por fim, resolveram voltar, já sem nenhuma esperança. — Quem me dera que eu nunca tivesse vindo!
— E que vamos fazer agora, Sr. Castor? — indagou Pedro.
— Que vamos fazer? — disse o castor, já enfiando as botas de neve. — Que vamos fazer? Precisamos partir imediatamente. Não temos um minuto a perder.
— Não era melhor a gente seguir em quatro grupos — sugeriu Pedro — cada um numa direção? Quem encontrar Edmundo, retorna logo à base...
— Quatro grupos, Filhos de Adão? — perguntou o Sr. Castor. — Para quê?
— Para procurar!
— Não vai adiantar nada! — disse o castor.
— Que quer dizer com isso? Ele não pode estar longe. Temos de encontrá-lo. Por que diz que não vai adiantar? — perguntou Susana.
— Não vale a pena procurá-lo, pois eu sei perfeitamente para onde ele foi!
Todos arregalaram os olhos, espantados.
— Não estão entendendo? Foi encontrar-se com ela, a Feiticeira Branca. Traiu-nos a todos.
— Oh, francamente, essa não! — exclamou Susana. — Ele não faria uma coisa dessas.
— Acham que não? — perguntou o castor, olhando tão fixamente para os três, que eles perderam a vontade de falar, certos, no íntimo, de que Edmundo não tinha feito outra coisa.
— Mas como é que ele sabe o caminho? — perguntou Pedro.
— Ele já esteve alguma vez em Nárnia? Já esteve aqui sozinho?
— Já — respondeu Lúcia, quase num murmúrio. — Infelizmente, já.
— E contou o que fez aqui? Quem encontrou?
— Não, nunca! — respondeu Lúcia.
— Então, prestem atenção: ele já esteve com a Feiticeira Branca; está do lado dela; sabe muito bem onde ela mora. É triste dizer-lhes isso, porque, afinal de contas, é irmão de vocês, mas foi só olhar para ele e disse cá comigo: “Este é um traidor.” Tinha todo o ar de já ter encontrado a feiticeira e comido dos seus manjares encantados. Quem vive há muito tempo em Nárnia não se engana: dá logo com eles. Nós os conhecemos pelos olhos.
— Seja lá como for — disse Pedro, numa voz um tanto sufocada — temos de ir atrás dele. Afinal, é nosso irmão, um pouco imbecil e mau, mas irmão. E, pensando bem, não passa de uma criança.
— E querem ir à casa da feiticeira? — perguntou a Sra. Castor. — Mas a única possibilidade de salvação, dele e de vocês, é fugirem dela, de qualquer forma.
— Não entendi — disse Lúcia.
— É isso mesmo, menina. O que ela quer é apanhar os quatro: está sempre pensando nos quatro tronos de Cair Paravel. Se insistem em ir procurá-la, só vão ajudá-la a conseguir o que quer. É chegar lá e, antes de abrirem a boca, são mais quatro estátuas de pedra acrescentadas à coleção. Mas, pelo contrário, enquanto Edmundo for o único, ela há de querê-lo vivo, para servir-se dele como isca.
— Mas não há ninguém que possa ajudar a gente?
— Só Aslam — sentenciou o Sr. Castor. — Vamos procurá-lo. É a nossa única esperança.
— Meus filhos — disse a Sra. Castor — o importante, para mim, é saber em que momento o irmão de vocês escapuliu. Conforme o que ouviu, podemos saber o que foi contar. Vejamos: já tínhamos falado de Aslam quando ele saiu? Se não, podemos ficar tranquilos, uma vez que ela não sabe que Aslam já está em Nárnia, ou que nós vamos encontrá-lo...
— Acho que já não estava aqui quando falamos de Aslam... — disse Pedro, logo interrompido por Lúcia.
— Estava, sim — contrariou ela, tristemente. — Não se lembra? Foi ele quem perguntou se a feiticeira não podia transformar Aslam em estátua.
— É verdade! — disse Pedro. — E é mesmo o tipo de pergunta que ele costuma fazer.
— Então estamos fritos — disse o Sr. Castor. — Mas, vejamos: ele ainda estava presente quando eu disse que o ponto de encontro com Aslam era a Mesa de Pedra?
Ninguém soube responder.
— O negócio é o seguinte: se ele estava aqui e foi contar à feiticeira — continuou o castor — ela imediatamente vai disparar com seu trenó na direção da Mesa de Pedra e colocar-se em nosso caminho. É o que ela quer: impedir o nosso contato com Aslam.
— Está certo, mas, se a conheço bem — disse a Sra. Castor — não é isso que ela vai fazer primeiro. Quando Edmundo disser que estamos aqui, é capaz de sair em disparada para agarrar a gente ainda esta noite; como ele já saiu há meia hora, é bem provável que ela esteja aqui dentro de uns vinte minutos.
— Tem toda a razão, Sra. Castor — disse o marido. — Temos de cair fora imediatamente. Não há tempo a perder.

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