domingo, 1 de junho de 2014

Capítulo 11

— Achei que fosse Nefertiti — disse Amy, tentando ganhar tempo.
Theo fez que não com a cabeça.
— Não, essa é outra rainha. A rainha Nefertari foi a esposa favorita de Ramsés II. Ele reinou no Egito por 66 anos durante a Décima Nona Dinastia, Novo Império, 1279 a 1213 a.C.
Dan deu um suspiro. Parecia que havia palestras informativas esperando por ele em toda parte.
— A tumba de Nefertari só foi descoberta em 1904, pelo arqueólogo italiano Ernesto Schiaparelli. Ficou fechada por um bom tempo, uns trinta anos, pois as pinturas nas paredes são muito frágeis. É esculpida em calcário e os relevos foram danificados pela água, a umidade e o sal. Então, ela passou por uma grande operação para a sua preservação no começo dos anos 1990. Agora é considerada a tumba mais bonita de todo o Egito.
— Mas eu não entendo — indagou Hilary. — Não dá pra tirar nada dessa tumba. Por que vocês têm um mapa dela?
— É difícil explicar — respondeu Amy. — Talvez tenha uma mensagem pra gente lá.
— Entendi — disse Hilary, embora obviamente não tivesse entendido nada. — É um tipo de jogo?
— Exatamente — esclareceu Amy. — Uma espécie de caça ao tesouro.
— Família maluca, não? — acrescentou Dan.
— Bom, talvez vocês tenham um problema — disse Theo. — As pinturas ainda tão frágeis que eles restringem o acesso à tumba. É muito difícil entrar lá para dar uma olhada. Talvez eu consiga entrar com um pouco de lábia...
— Por que vocês não deixam Theo guiar vocês até Luxor? — sugeriu Hilary. — Meu médico me proibiu de viajar... Ele se preocupa à toa, só tenho 79 anos. Mas Theo será o guia perfeito. Já levou excursões para Luxor várias vezes. Conhece cada centímetro do vale. Deixem que nós os ajudemos, meus queridos. Pela Grace. Não pude fazer nada por ela em seus últimos dias. Deixem-me fazer isso. Vou telefonar e reservar aspassagens de avião agora mesmo.
Dan concordou com a cabeça.
— Tudo bem — assentiu Amy.
Hilary olhou para a Sakhet:
— Tenho uma sugestão, queridos. Agora que vocês acharam a mensagem, talvez queiram guardar a Sakhet de volta no banco. Ela é valiosa demais para ficar levando na bagagem. Eu faria isso para vocês com prazer.
Amy pegou a estátua e a embrulhou outra vez no linho macio. Abriu o zíper da pochete. A Sakhet cabia perfeitamente.
— Obrigada, mas vou guardá-la comigo.
Hilary provavelmente tinha razão, mas ela não conseguia se separar da estátua que Grace queria que ficasse com eles, nem mesmo por um dia.
Restavam tão poucas coisas. O colar de jade e agora a Sakhet. Grace tinha estendido a mão e mandado algo para eles. Amy não entendia para onde a avó os estava conduzindo, nem por que, mas não ia se separar da estátua.

***

O sol mal tinha nascido quando Hilary bateu de leve nas portas dos quartos. Eles tomaram o café da manhã com pressa e Hilary lhes deu outra carona alucinante até o aeroporto. Ela se ofereceu para tomar conta de Saladin enquanto estivessem fora.
— Fiquem sossegados, meus fofuchos — ela disse quando Saladin chiou para ela. — Adoro felinos. Vamos nos dar muito bem.
O aeroporto estava quente e lotado. Eles estavam na fila, esperando os cartões de embarque. O voo para Luxor durava pouco mais de uma hora. Chegariam lá no meio da manhã, se não houvesse atraso.
Amy se sentia esmagada pela multidão. Havia tantas pessoas se empurrando para chegar aos balcões de atendimento e aos portões que ela estava com dificuldade para respirar. Segurou com força o guia turístico de Grace, que folheara na noite anterior, antes de dormir. Era evidente que a avó o usara em muitas viagens ao Egito. Amy percebeu aquilo pelas tintas diferentes das canetas que Grace tinha usado. Ela anotara as datas das viagens no verso da capa, desde os anos 1960 até os 1990. A maior parte das anotações era sobre cafés de que ela tinha gostado ou nomes de motoristas que contratara. Muitos deles tinham sido riscados. Amy se perguntou por que Grace simplesmente não comprara outro guia. De qualquer modo, não havia nenhum recado na margem do tipo: É aqui que vocês vão achar a pista de Katherine!
Havia uma cor de tinta que parecia mais recente. Ela olhara no verso da capa, mas, diferentemente das outras, não tinha data. Amy vasculhara aquele livro até as letras ficarem embaralhadas, procurando anotações naquela tinta azul-clara. Acabou adormecendo com o guia ao lado.
Theo os conduziu até o portão. Eles ficaram do lado, observando passageiros desembarcarem de um voo vindo de Roma.
De repente, ouviram um tumulto.
— Saca só, chefia. Geralmente vem alguém me dar escolta quando eu saio do avião. Os fãs costumam idolatrar o Wizard. Eles mostram que me amam e às vezes a coisa fica meio intensa demais, manja o que eu tô falando?
Dan soltou um grunhido.
— Ah, não.
Amy puxou o irmão para trás de uma pilastra e fez um gesto desesperado para Nellie. Theo foi junto, curioso.
Eles espiaram de trás da coluna. Jonah Wizard e seu pai estavam parados em frente auma mulher alta de uniforme, funcionária do aeroporto.
— Olha essa muvuca! — disse Jonah Wizard.
— Esses passageiros estão esperando o próximo voo — a mulher explicou.
Eles ouviram o tilintar das correntes de ouro de Jonah quando ele se voltou novamente para a funcionária e falou:
— Tranquilo. A gente vai passar na frente. Mas, assim que eu puser o pé lá fora, vai dar um rebufo federal. Pode crer!
— Um rebufo? Não entendi, senhor.
— Vou entrar em contato com o seu chefe para reclamar da falta de segurança para o meu filho — ameaçou o senhor Wizard. — E aqui não tem sinal para o meu BlackBerry!
— Vocês conhecem esse jovem cavalheiro? — Theo perguntou em voz baixa.
— Eu não usaria o termo cavalheiro — advertiu Dan. — Os cavalheiros de verdade podem ficar ofendidos.
— Você não conhece ele? — perguntou Amy. — É superfamoso nos Estados Unidos.
Vendo o vácuo no rosto de Theo, Nellie disse:
— Você deve conhecer “Veste a calça, popozão”... “Na balada das quebrada”? “Tu faz o fino do meu funk”?
— Que língua você está falando? — perguntou Theo.
— A língua das ruas — respondeu Dan. — Só que das ruas de Beverly Hills.
Theo levantou as mãos:
— Socorro, preciso de um tradutor! — exclamou.
— Ele é uma baita enganação — disse Dan, seco. — É só isso que você precisa saber.
Amy decidiu não mencionar o fato de que Jonah era um Cahill, primo deles. No começo, ficara empolgadíssima ao descobrir que o famoso astro do hip-hop era parente dela. Como membro do clã Janus da família Cahill, Jonah havia aceitado o desafio das 39 pistas. É claro que, para ele, era fácil abrir mão de um milhão de dólares. Provavelmente ele gastava isso por ano apenas com gorjetas.
De óculos escuros, Jonah foi depressa para a sala de espera. Levantou as mãos para afastar qualquer um que viesse pedir coisas. Mas não havia ninguém.
— Mande um carregador buscar as minhas malas. Minha limusine vai ficar esperando logo na saída — ele disse à funcionária.
— Sinto muito, mas o senhor terá que seguir para a sala de retirada de bagagem.
Jonah parecia indignado.
— Eu não faço retirada de bagagem, tia. A bagagem vem até mim.
— Meu nome é senhorita Senadi. Com licença, senhor, se não tem mais nada...
— Você não sabe quem eu sou?
Pelas costas de Jonah, a funcionária revirou os olhos para os outros funcionários no balcão.
— Sinceramente, não.
Jonah parecia abalado. Tirou os óculos escuros.
— Pai! — ele gemeu.
— Calma, fica tranquilo, Jonah — disse o pai num tom consolador. — Aparentemente, aqui no Egito eles ainda não estão cientes de que você é uma grife internacional.
— Quer dizer que... ninguém sabe quem eu sou?
— Ei, Jonie, fica calmo. Tenho certeza que...
— Eles não sabem que eu sou uma bomba?
Uma mulher mais velha virou-se na mesma hora.
— Alguém disse bomba? — A senhorita Senadi falou depressa num walkie-talkie. — Segurança. Segurança, temos um cinco-um-zero.
— Caramba — disse Dan. — Será que nosso amigo falou a palavra errada?
— É melhor a gente embarcar no nosso voo — apressou-se Amy. — Estou sentindo que o Jonah vai ficar preso num interrogatório por um tempinho.
— Seguranças, meus chapas! — Jonah estendeu os braços. — Já tava na hora! Rola vocês me darem um help pra me acompanhar até a limusine...
— Com licença, senhor — disse o segurança, agarrando Jonah pelo braço. — O senhor vai ter que nos acompanhar.
— Não encosta — reagiu Jonah. — Não aceito que toquem na mercadoria.
Um segundo segurança agarrou o outro braço e os dois o levantaram no ar.
— Papai!
Amy e Dan estavam dando risada quando os seguranças levaram Jonah e o pai embora, em marcha forçada.
— Não vejo uma comédia tão boa desde que aquele homem da TV soltou um peido no meio da previsão do tempo — disse Dan, deliciado. — Tomara que ele fique preso por pelo menos um ano.
— Licença? — Um educado rapaz egípcio estava parado ao lado de Dan. — Para você, de um amigo.
Ele entregou um bilhete para Dan.
— Quem mandou isso?
— Pagou bakshish de 30 dólares. Agora tchau! — O jovem saiu correndo antes que eles pudessem fazer mais perguntas.
Dan desdobrou o bilhete. Era o desenho de uma ferramenta comprida.
— Que é isso? — perguntou Dan. — Uma enxada?
— Não é uma enxada de jardinagem — disse Theo, examinando o desenho. — É uma antiga ferramenta egípcia de embalsamamento, usada no processo de mumificação. Eles usavam para retirar os miolos do corpo. Enfiavam pela narina, sacudiam pros lados um pouco até o cérebro virar líquido e escorrer pelo nariz.
— Legal! — exclamou Dan.
— Concordo plenamente. Mas eles não preservavam o cérebro como faziam com os outros órgãos. Os pulmões, estômago e intestinos eram retirados e cada um era colocado num vaso canópico diferente.
— Uau — disse Dan. — Impressionante. Muito bem, galera das antigas!
— Um amigo seu mandou a mensagem? — perguntou Theo. — É uma boa piada, imagino.
— Ah, sim — observou Amy. — Engraçadíssima.

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