Hilary prendeu o fôlego:
— Minha nossa! Se isso for autêntico, vale uma fortuna. Grace, você é mesmo malandra.
Você nem faz ideia do quanto, pensou Amy.
A única diferença entre a Sakhet que tinham em mãos e as que haviam encontrado na base dos Ekat era que esta possuía um belo pedestal de ouro. Amy olhou para a deusa. Desgastara-se com o tempo, mas continuava feminina e forte.
— Muito louca! — disse Nellie.
— Se for falsa, é uma falsificação muito boa — disse Hilary.
Ela hesitou.
— Que foi? — perguntou Amy.
— Bom. Na primeira viagem de Grace ao Cairo, a que fizemos juntas em 1949, ela me pediu um favor. Um favor de amiga, ela disse. Perguntou se eu conhecia um falsificador experiente, alguém que conseguisse produzir uma cópia quase perfeita. E, por acaso, eu conhecia. Grace sabia que meu pai, que era comerciante de antiguidades, mandara fazer cópias falsas de suas peças mais valiosas durante a guerra. Só para o caso de os alemães tentarem roubá-las. Eu dei o contato da pessoa para ela e nunca mais ouvi falar nada sobre o assunto. Ou seja, isto pode ser uma falsificação muito boa. Alguém acrescentou este pedestal cafona depois, obviamente.
— Obviamente — concordou Amy, ficando vermelha.
Na verdade, ela tinha achado o pedestal bem bonito. Era evidente que ela ainda tinha muito a aprender sobre estátuas autênticas.
Amy trocou um olhar com Dan. Grace mandara fazer uma cópia falsa. Seria possível que Grace tivesse roubado a Sakhet original, a que fora encontrada por Howard Carter, e a tivesse substituído por uma cópia? Bae havia lhes contado que as estátuas ficaram escondidas durante a guerra e foram necessários alguns anos para recuperá-las e construir uma nova base para os Ekaterina. Na confusão, será que Grace podia ter se apoderado de uma delas? Será que aquela podia ser a Sakhet original que Howard Carter havia encontrado? Não era de admirar que nem com técnicas modernas de análise haviam conseguido encontrar um compartimento secreto!
Ela releu a mensagem que Grace havia deixado para eles.
Do Egito vêm muitas coisas maravilhosas...
Amy lembrava, de uma pesquisa que fizera na escola, que, quando Howard Carterencontrara a tumba do rei Tutancômon, foi o primeiro a olhar lá dentro. Quando lhe perguntaram o que estava vendo, respondeu apenas: Coisas maravilhosas. Será que Grace estava citando o arqueólogo para dizer a eles que a Sakhet já havia pertencido a Carter?
Só havia um jeito de descobrir: se aquela Sakhet tivesse algum compartimento secreto, então ela era a verdadeira. Amy sentiu um calafrio na espinha. Katherine Cahill talvez tivesse segurado aquele mesmo objeto. Talvez tivesse colocado uma dica dentro dele com suas próprias mãos.
— Se vocês precisarem se certificar da autenticidade da estátua, por acaso tenho um perito aqui na minha casa — ofereceu Hilary.
— Eu — disse Theo Cotter, entrando na sala.
Amy, Dan e Nellie ergueram o rosto com olhares culpados. Sabiam que o tinham deixado em apuros na Casa Sennari.
— Você conhece ele? — Nellie cuspiu.
Hilary deu um sorriso.
— Mais ou menos.
Theo se debruçou e beijou a mulher.
— Olá, vovó — ele virou-se para Amy, Dan e Nellie. — Ah, aqui estão os culpados. Deixa eu dar uma dica a vocês três: os curadores às vezes se incomodam quando alguém arremessa objetos num museu. Tive que dar algumas explicações.
Nesse instante, Theo avistou a Sakhet. Deu um longo assobio em voz baixa:
— Que é isso? Então vocês encontraram um negociante verdadeiro depois que nos separamos.
— Não, Theo — disse Hilary. — Eles chegaram a essa peça por um caminho diferente. — Ela se dirigiu aos três: — Preciso confessar uma coisa. Theo voltou para casa e me falou do encontro no mercado de Khan. Ele me disse seus nomes.
— Mas e o nosso hotel? Como você sabia onde estávamos hospedados? — perguntou Amy.
Theo mostrou um cartão de embarque com alguma coisa rabiscada. Era um número de telefone, escrito na letra de Neilie. Eles tinham ligado para o serviço de reservas do hotel pouco antes de embarcar no avião.
— Podem me chamar de Sherlock Holmes. Só não me façam usar aquele chapéu — ele pegou a estátua e passou os dedos nela. Disse numa voz sussurrada: — Sakhet. A deusa mais poderosa de todas. Deusa da divina retribuição e da vingança. Diz a lenda que Rá uma vez a enviou contra seus inimigos e ela quase destruiu toda a raça humana.
— Nossa, essa deusa é praticamente o Rambo — disse Dan.
Nellie parecia impressionada:
— Você parece saber do que está falando.
— Theo é egiptólogo — disse Hilary com orgulho. — Foi curador do Museu Britânico.
— Achei que você tinha dito que era guia turístico — comentou Nellie.
— Durante as férias, quando eu estava fazendo graduação em Cambridge — respondeu Theo. — Se vocês querem vender a Sakhet, posso contatar umas pessoas pra sondar o mercado e...
— Não! — Amy e Dan gritaram juntos.
— Quer dizer, ela tem valor sentimental — Amy acrescentou depressa.
Ela olhou de relance para Dan. Como de costume, os dois conseguiram se comunicar sem precisar se falar. Ambos sabiam que precisavam de ajuda. Precisavam confiar namelhor amiga de Grace. A avó certamente tinha algum motivo para tê-los conduzido até ali.
— Achamos que Grace deixou uma mensagem pra gente dentro dessa estátua — revelou Amy. — Estamos procurando... uma herança de família. Acreditamos que talvez seja uma dica.
— Mas será que a herança não é justamente isto? — perguntou Hilary apontando para a estátua. — Se Theo acha que é verdadeira, talvez seja bem valiosa.
— O valor é inestimável, na verdade — disse Theo. — Mas é claro que sempre há quem esteja disposto a colocar preço no que não tem. Geralmente quem tem montanhas de dinheiro.
Amy e Dan hesitaram outra vez.
— Quer dizer que vocês estão procurando uma coisa ainda mais valiosa? — perguntou Theo.
— Bom — adiantou-se Nellie — quando se trata de uma herança de família, o valor está nos olhos de quem vê, não é verdade? Faz séculos que minha família passa adiante um vaso horroroso em formato de abacaxi.
Dan pegou a Sakhet. Amy observou o irmão. Percebeu pelo seu olhar que alguma coisa começava a funcionar no cérebro dele. Um grande egiptólogo como Howard Carter não conseguira descobrir o segredo de Sakhet, mas ela apostava na genialidade ensandecida de seu irmão de 11 anos.
— Lembra que a velha Fenwick mandou construir aquela cerca só pro gato não entrar? — ele perguntou. — Lembra que não funcionou?
— Saladin descobriu como abrir o trinco — respondeu Amy. — Ele pulava em cima e com uma pata puxava a tábua da cerca, depois...
— ... ao mesmo tempo — completou Dan — empurrava o trinco com o nariz, o que, por algum motivo bizarro, fazia o negócio abrir.
— A senhora Fenwick nunca entendeu como ele conseguia entrar.
— Foi aquele lance de empurrar e puxar ao mesmo tempo. Pareciam duas forças opostas, mas, na verdade... — Dan empurrou com um dedo o nariz da estátua e puxou seu pescoço.
— Não! — Theo gritou, horrorizado. — Não faça...
Theo deu um passo à frente, como se pudesse impedir Dan. Todos levaram um susto quando, de repente, a cabeça da estátua dobrou para a frente, revelando uma pequena abertura. Dan espiou lá dentro.
— Acho que tem alguma coisa aqui dentro.
— Deixa eu ver. Por favor — Theo correu até uma escrivaninha no canto da sala, pegou uma bolsinha e tirou uma pinça comprida. — Posso?
Relutante, Dan entregou a estátua. Theo a colocou sobre a mesa, depois enfiou a pinça com cuidado dentro dela. Ele mexia os dedos delicadamente. Devagar, a custo, tirou um papel enrolado de dentro da estátua.
— Papiro! De que época? — perguntou Hilary, com a voz trêmula de entusiasmo.
Theo franziu a testa enquanto depositava o papiro sobre a escrivaninha.
— Não é da Antiguidade. Século XVI, talvez? Não é minha especialidade. Tem algum tipo de desenho atrás e algo escrito na frente.
— Temos que ver o que está escrito. Como vamos desenrolar? — perguntou Amy.
— Com cuidado — Theo segurou nas pontas do papel e o desenrolou. — Que loucura — ele resmungou. — Isso devia ir direto para um museu.
Mas ele também se debruçou sobre o papiro, ansioso para ler o que dizia.
— K.C. — Dan sussurrou para Amy. — Katherine Cahill.
Aquilo era inacreditável. A própria Katherine tinha escrito a mensagem. O que significava que Grace era a única que soubera daquilo, e agora eles eram os únicos. Amy agarrou o braço de Dan.
— “Duas ajudarão, uma é do medo senhora” — leu Dan.
— Sakhet também é chamada de Senhora do Medo — disse Theo.
— Vamos olhar o desenho.
Com cuidado, Dan virou o frágil papiro.
Era um desenho parecido com aqueles que tinham visto na base secreta dos Ekaterina.
— Você sabe dizer o que é isso? — Amy perguntou a Theo.
Ele examinou com bastante atenção.
— Eu diria que é o mapa de uma tumba, mas teria que pesquisar para descobrir de qual. Há centenas de tumbas em todo o Egito, e outras ainda hoje estão sendo descobertas.
— Peraí — Dan arrancou duas folhas de um bloco de papel na escrivaninha, Rapidamente, ele esboçou os outros dois desenhos que tinham visto na base Ekat, lembrando-se deles detalhadamente. Colocou os dois papéis junto ao terceiro e olhou-os lado a lado.
— São todos parecidos — observou Theo. — Com pequenas diferenças, mas...
— As diferenças é que importam — retrucou Dan.
Ele pegou outra folha de papel em branco. Debruçou-se em cima do papel, desenhando com atenção, de vez em quando conferindo os outros desenhos.
— Temos que olhar os três, depois simplesmente eliminar tudo o que não seja comum a todos — ele mostrou para Theo o desenho que tinha feito. — Agora você reconhece?
Theo examinou o mapa por um longo momento. Então, andou até a estante e tirou umlivro chamado Vale das Rainhas.
Abriu numa página:
— Aqui está. Bem o que eu achei que fosse. Esse é um mapa da tumba da rainha Nefertari — ele ergueu o olhar. — Mas por quê?
Nenhum comentário:
Postar um comentário