segunda-feira, 2 de junho de 2014

Capítulo 24

— É tudo culpa sua — Dan disse para Amy, já de volta ao Hotel Excelsior. — Você ainda não aprendeu que nunca, jamais, a gente pode dizer que uma coisa vai ser fácil?
Amy enfiou a cabeça entre as mãos.
— Eu sei.
— Tentem manjericão — sugeriu Nellie.
Ela se debruçou para dar outra bolota de homus a Saladin. Eles tinham pedido serviço de quarto só para ele, em agradecimento por ter sido uma senha tão legal.
Dan estava curvado em frente ao laptop. Tinha encontrado um dicionário on-line de ilustrações botânicas, mas descobrir a que espécie pertencia uma folha estava se mostrando uma tarefa mais difícil do que eles imaginaram. E Nellie não estava ajudando muito, citando ervas aleatoriamente, como se estivessem preparando uma sopa.
— Quantas espécies tem no dicionário? — Amy perguntou a ele.
— Putz, nem sei. Milhares.
— E desde que a gente está aqui, quantas espécies você checou?
Dan olhou para a lista que estava fazendo:
— Trinta e sete. Não! Trinta e oito, contando com o manjericão.
Amy resmungou.
— Faz 29 minutos que a gente está aqui. Isso pode levar a noite toda.
— E o dia inteiro de amanhã — disse NeIlie. — Tente tamarindo!
Dan continuou clicando.
— Não — ele respondeu, decepcionado.
Amy ficou de pé num pulo. Andou de um lado para o outro, atrás de Dan.
— Mas isso é uma ideia — ela disse. — Afinal, estamos no Egito. Devíamos procurar plantas egípcias. Katherine não ia mandar todos os seus descendentes para cá procurar manjericão, não é?
— Tente acácia — sugeriu Nellie.
— Ou homus, ou babaganush, ou menta, ou palmeira. — Dan girou a cadeira, sacudindo os braços. — Meu cérebro está sobrecarregado.
— Acho que é por causa deste lugar — concordou Nellie. — Vimos tanta coisa em tão poucos dias. Templos e tumbas e cidades antigas. Cenas incríveis de pôr do sol, belas obras de arte...
— Tem razão, mas você esqueceu as coisas mais legais — disse Dan. — Crocodilos, maldições de faraós, arrancadores de cérebro, partes do corpo guardadas em vasos... Como não gostar disso?
— Eu gostei de ver aquelas fotografias antigas da Grace. Lembra daquela foto cômica dela no Templo de Hatshepsut? Às vezes eu esqueço como ela era engraçada.
— Pretzels e mostarda — acrescentou Dan. — Lembra? Ela sempre dizia: Prestem atenção! Tudo conta!
Dan aprecia as pequenas coisas, assim como Grace apreciava, pensou Amy. Ela se lembrava do dia em que eles tinham chegado naquela suíte. De como ele havia percorrido os cômodos, achando legal dizer o nome de cada objeto, como se nunca tivesse visto aquelas coisas antes. Travesseiros! Bíblia! Roupões! Xampu!
— As pessoas falam que eu pareço com a Grace — disse Amy. — Mas quem parece com ela é você.
Dan deu de ombros e voltou para o computador. Amy viu que as pontas de suas orelhas estavam vermelhas, um sinal inconfundível de que ela o agradara. Ela podia ter dito Desculpa ou Você tinha razão, eu queria a memória da Grace só para mim. Mas ela sabia que já havia dito o suficiente.
— Tudo conta — Amy murmurou.
Ela olhou para a imagem no cartão de Grace, os reis magos chegando para trazer presentes ao menino Jesus, que parecia muito mais gordo e majestoso que qualquer recém-nascido que Amy já tinha visto.
De repente, palavras e imagens se emaranharam em sua mente.
Reis magos. Hatshepsut. Punt. Mesmo no Império Novo, uma rainha já precisava fazer compras de Natal.
Como se num transe, Amy abriu a gaveta do criado-mudo e tirou a Bíblia que Dan encontrara. Folheou as páginas depressa até chegar a Mateus, capítulo dois, versículo 11.
— Dan? — ela chamou seu irmão com a voz um pouco trêmula. — Procure mirra. M-I-R-R-A — ela soletrou, ficando de pé ao lado dele.
Nellie se aproximou.
Dan digitou a palavra no campo de busca. A folha apareceu na tela.


— É esta! — gritou Dan. — Agora explique como você fez isso.
— Não se esqueçam da arte. Achamos que ela estava falando do quadro dela, mas depois entendemos que a Grace não deixou aquele quadro como pista. Esquecemos de pensar ao que ela estava se referindo de verdade — Amy pegou o cartão. — Ela estava falando do próprio cartão.
— Ainda não entendi.
— Tudo tem a ver com Hatshepsut.
— Hatshepsut? — Nellie parecia desnorteada. — Mas ela viveu milhares de anos antes de existir o Natal.
— Hatshepsut foi para a terra de Punt e voltou com mudas de mirra. Grace posou bem na frente daquele relevo. E fez aquela piada no guia, dizendo que uma rainha precisava fazer compras de Natal. Ela estava guiando a gente pra isto — Amy mostrou o cartão. — Os reis magos. Eles trouxeram...
— Presentes pro menino Jesus — disse Nellie.
Amy pegou a Bíblia.
— Mateus, capítulo dois, versículo 11. Mat 2:11 é uma referência bíblica, não é o preço da gravura. Ouçam — Amy leu o verso em voz alta. — “Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes; ouro, incenso e mirra.”
Dan confirmou com a cabeça.
— E a Grace escreveu “resignação” errado. Ela sabia escrever muito bem, devíamos ter pensado nisso. A gente jogava palavras cruzadas com ela todo fim de semana durante anos. Mirra é uma resina! Meio grama de mirra. Essa é a pista!
Os olhos de Amy brilharam:
— E a Grace acompanhou a gente o caminho inteiro. Ela não nos abandonou, Dan. Vai nos ajudar sempre que precisarmos. E vai ser bem no estilo dela. Não vai ser quando estivermos esperando. Vai ser quando menos esperarmos. Ela não foi embora. Ainda está com a gente.
Dan virou de costas. Mas Amy sabia que era porque os seus olhos estavam marejados. Os dela também estavam cheios de lágrimas. Ela sentiu a mão de Grace apertando seu ombro. Dizendo Bom trabalho, Amy.
Grace tinha voltado para eles e eles nunca mais iam perdê-la.
De repente, ouviram um barulho vindo do cômodo ao lado. Uma batida abafada.
— Isso veio da base secreta — disse Dan em voz baixa.
— Será que a gente deve olhar? — perguntou Amy.
— Talvez seja Alistair — supôs Nellie.
Os três andaram nas pontas dos pés e colocaram as orelhas na porta da base secreta.
— Não estou ouvindo nada — sussurrou Amy.
— Acho que a gente devia conferir — sugeriu Dan.
Ele tirou o guarda-chuva do closet, desparafusou o cabo e o enfiou na fechadura. A maçaneta girou.
Ele abriu um centímetro e pôs o olho na abertura.
— O que você está vendo? — sussurrou Amy.
— Coisas maravilhosas — respondeu Dan. — Jogadas no chão.
Ele empurrou a porta. A base secreta tinha sido violada. Havia mostradores estilhaçados, quadros arremessados, painéis revirados. Eles entraram com cuidado, evitando os cacos de vidro.
As Sakhets tinham sumido, os pedestais estavam vazios.
— Quem pode ter feito isso? — cochichou Amy.
Nellie se agachou para pegar alguma coisa do chão. Um pedaço de tecido preto, provavelmente rasgado pela ponta afiada de um caco de vidro.
Amy olhou para o tecido. Percebeu que a estampa era uma letra que se repetia. M.
O medo apertou seu coração.
— Madrigal — ela sussurrou.

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