— “A Cidadela foi primeiro usada para defesa” — Amy leu em voz alta o texto do novo guia turístico — “agora abriga diversos locais sagrados. Possui uma das mais belas vistas da cidade.”
— Também tem um monte de ruas sem placa — constatou Dan, olhando em volta. — Como a gente vai achar essa loja?
— Com muita dificuldade, obviamente — respondeu Amy, consultando o mapa.
Eles percorreram as ruas e becos tortos da Cidadela durante vinte minutos. Então foram parar numa ruela sem nome. A maioria das placas estava em árabe. Não havia números nas casas.
— Tanto faz como a gente vai encontrar, mas como será que a Grace encontrou essa loja? — Dan se perguntou.
Amy parou em frente a uma porta estreita que parecia igual a todas as outras. A vitrine era escura. A loja parecia fechada.
— É aqui.
— Tem certeza?
— Tenho. Olhe
A memória fotográfica de Dan fez um dique:
— É igualzinho ao cartão da Grace. TESOUROS, DO EGITO e BEM-VINDOS estão um em cima do outro.
Amy agarrou o braço dele:
— Ela nos trouxe para cá, Dan. É aqui!
Amy empurrou a porta e um sininho tocou. A loja era comprida e estreita, com prateleiras apinhadas de objetos de metal e cerâmica. Tapetes cobriam o chão. Bem no fundo, ela viu um homem sentado atrás de um balcão, lendo um livro. Ele ergueu o olhar por um instante.
— Sejam bem-vindos, fiquem à vontade.
E baixou o olhar de volta para o livro.
Aquilo era estranho. Ela nunca tinha ido a nenhum lugar no Egito onde não houvesse alguém ansioso para lhe vender alguma coisa, pressionando, oferecendo descontos e xícaras de chá.
— Com licença — Dan avançou dentro da loja — você vendeu isso aqui?
Ele pôs a base no balcão. O homem a pegou. Era um rapaz egípcio bonito, vestindo uma camisa branca e um cachecol listrado no pescoço, apesar do calor. Ele olhou de relance para o objeto.
— Difícil dizer — ele respondeu. — Parece alguma coisa que usamos para expor souvenirs. Posso mostrar outras iguais.
— Não queremos outra — explicou Amy. — Queremos saber se você se lembra dessa.
— Perdão — ele olhou para ela pela primeira vez e deve ter captado a frustração da menina. — Não entendo direito o que você está perguntando.
— Você se lembra de ter conhecido uma mulher chamada Grace Cahill?
O homem fez que não com a cabeça.
— Não conheço ninguém com esse nome.
Amy e Dan se entreolharam. É agora ou nunca. Grace os conduzira até ali por um motivo. Dan tirou a Sakhet da mochila. Amy tinha dado para ele carregar.
— Você já viu isso?
Dan viu no olhar do homem que ele reconheceu a estátua, porém negou depressa com a cabeça.
— Não.
— Somos netos de Grace Cahill — explicou Dan. — Achamos que ela nos enviou até aqui.
Ele olhou para as crianças por um longo instante. Seu olhar era inquisitivo e, de algum modo, sincero.
Então, ele se debruçou sobre o balcão.
— Que colar bonito, menina.
— Obrigada.
— Faz trinta anos que o fecho quebrou. Posso? — ele estendeu os dedos e encostou de leve no fecho do colar. — Meu pai consertou. Fico feliz de ver que ainda está intacto.
— Mas então você conhece ela.
— Perdoem minha hesitação. É preciso tomar cuidado. Meu nome é Sami Kamel. Podem me chamar de Sami.
— Eu sou a Amy, esse é o Dan.
— Finalmente vocês vieram — ele se levantou, andou até a porta e virou a placa para o lado que dizia FECHADO. — Por favor, queiram me acompanhar.
O homem fez uma breve mesura, depois abriu uma cortina e desapareceu.
Amy e Dan o seguiram e entraram numa salinha aconchegante. Ele fez sinal para que se sentassem e lhes serviu chá de menta em frágeis xícaras de porcelana.
— Sua avó conhecia o meu pai — ele disse. — E o pai do meu pai. Meu avô era, como posso dizer... um criminoso famoso.
Amy e Dan deram uma risadinha, surpresos.
— Mas era um bom homem — continuou Sami, sorrindo. — Um falsificador de antiguidades. Fez um favor para a sua avó no final dos anos 1940, nunca quis me contar o que foi. Quando meu pai assumiu a loja, em 1952, convenceu meu avô a abandonar a parte, hã, digamos, ilegal do negócio. Hoje vendemos peças boas, algumasde alta qualidade, algumas baratas, mas nossos clientes sempre sabem o que estão comprando. Sua avó passava na loja toda vez que visitava o Egito. Era muito amiga do meu avô e do meu pai.
Amy bebeu um gole do chá:
— Você disse: Finalmente vocês vieram.
— Sua avó avisou meu pai que vocês viriam. Faz tempo que ele guarda uma coisa que ela comprou em sua última viagem ao Cairo. E, agora, eu posso entregar a vocês.
Sami girou a cadeira e estendeu o braço até a estante de livros atrás dele. Mexeu numa alavanca escondida na estrutura de madeira e os livros viraram para cima. Sami tirou da abertura um velho tabuleiro de jogo e o colocou sobre a mesinha.
— É isto.
— Ela deixou um jogo de damas pra gente? — perguntou Dan.
Sami sorriu.
— Não são damas. É Senet, um antigo jogo egípcio. Vários tabuleiros desse jogo foram encontrados em tumbas, mas nenhuma das regras sobre como jogá-lo sobreviveu. Este aqui não é tão antigo, mas é bonito. Madeira entalhada, com marchetes de madrepérola. Achamos que no passado ele continha peças valiosas, talvez de ouro, pois, originalmente, existia uma chave para trancar esta gaveta, onde as peças eram guardadas.
— Uma gaveta? — Amy estendeu a mão, mas ele a interrompeu com um gesto.
— Espere. Sua avó mandou meu pai instalar um dispositivo de segurança na gaveta. Está vendo as letras? Ele usou uma tranca com combinação de letras. Só abre com uma senha. Vocês têm que pôr as letras no lugar correto.
— Não temos uma senha — revelou Dan. — Podemos tentar algumas coisas...
— Vocês só têm uma chance — advertiu Sami. — É a garantia de que realmente são quem dizem ser. Se não acertarem, a gaveta não vai abrir nunca mais. Vocês podem dar uma marretada no tabuleiro, mas há dois problemas. Um é que isso destruiria o que tem dentro. Dois, eu não ia permitir que fizessem isso. Foi a ordem que me foi dada.
O homem sorriu, mas eles perceberam por trás do sorriso que ele não estava brincando.
Dan e Amy se entreolharam, atônitos. Não faziam ideia do que tentar.
— Meu pai disse que Grace tinha certeza de que vocês saberiam.
— Ela... falou alguma coisa que talvez nos desse uma dica? — perguntou Amy.
— Sinto muito. Só disse que vocês iam saber com certeza.
Ele se afastou um pouco para dar privacidade aos dois. Amy pressionou os dedos contra a testa.
— Bom, eu não sei — ela murmurou. — Pode ser tantas coisas.
— O que as pessoas geralmente usam como senha? — perguntou Dan. — O nome do meio? O lugar onde nasceram? Ou a cor preferida da Grace... verde. Ou o sorvete favorito dela...
— Pistache.
— A comida favorita...
— Sushi. O lugar favorito...
— Sconset em agosto, Paris no Natal, Nova York no outono, Boston em qualquer época — enumerou Dan.
Ambos sabiam de cor as coisas preferidas de Grace. Não eram apenas palavras para eles, Amy pensou. Eram lembranças.
Então, Amy se deu conta de uma coisa: todo esse tempo, lembrança após lembrança haviam preenchido o lugar que Grace antes ocupava. Sentada nos degraus de um museu, abanando pretzels quentes. Fazendo brownies. Tendo um acesso de riso numa biblioteca, ouvindo Grace contar histórias junto ao fogo que crepitava. Mergulhar no mar frio. Correr numa rua de Boston no meio da chuva.
— Eu me enganei — ela disse, se aproximando de Dan. — Me enganei tanto. Não confiei nas minhas lembranças. É verdade que a Grace preparou a gente pra isso, mas não porque era uma mulher maquiavélica, com sede de poder. Ela nos preparou por amor. Sabia o que a gente tinha pela frente. E sabia que não podíamos escapar. Tem um motivo pra ela querer que a gente participe da busca pelas pistas. Ainda não sabemos qual. Mas temos que confiar nela. Confiar de verdade. Parar de duvidar. Temos que aceitar a Grace de volta.
— É difícil não ficar bravo com ela, sinto tanta saudade — confessou Dan.
— Podemos ficar bravos com o fato de ela ter morrido. Podemos ficar furiosos. Mas não com ela.
De repente, Dan sorriu. Alguma coisa se assentou dentro deles, encaixando como uma peça de quebra-cabeça. Amy sentiu o clique, satisfeita.
Dan confirmou com a cabeça.
— Está bem. Voltando pro problema. Ela deve ter imaginado que a gente ia pensar em todas as senhas possíveis. Não pode ser um chute, tem que ser uma certeza absoluta.
Dan andava de um lado para o outro, tentando pensar. Havia um grande retrato pendurado em cima de uma mesa e seus olhos pareciam seguir o menino. A pintura mostrava um velho de barba branca comprida e olhos escuros penetrantes.
— É amigo seu? — ele perguntou a Sami.
— Na verdade, não. É Salah ad-Din. Um comandante muçulmano famoso que construiu a Cidadela em 1176. No Ocidente ele é chamado de Saladino.
— Ahá! — Amy e Dan disseram ao mesmo tempo. — Saladin.
Amy trouxe o tabuleiro mais para perto. Olhou para Dan. Ele assentiu com a cabeça.
Ela moveu as letras, uma de cada vez.
Eles levaram um susto quando a tampa se abriu.
— Viram? — Sami sorriu. — Vocês conhecem sua avó mais do que pensam.
Amy olhou para Dan.
— Pois é — ela disse em voz baixa. — Conhecemos mesmo.
Sami fez uma curta mesura.
— Vou deixar vocês a sós para examinar o que ela deixou.
Eles esperaram Sami fechar a cortina. Amy abriu a gaveta. Tirou um pequeno desenho embrulhado num recorte de linho.
— Parece uma ilustração botânica — ela sugeriu.
— Tem alguma coisa escrita a lápis — percebeu Dan.
mat 2.11
— Deve ser o preço da gravura — disse Amy.
— A gente só precisa descobrir de que planta é essa folha e a pista é nossa — concluiu Dan.
— Não deve ser muito difícil.
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