segunda-feira, 2 de junho de 2014

Capítulo 22

O submersível foi descendo num mergulho e a água o envolveu. Foram cada vez mais fundo, guiados por um sistema de mapeamento de última tecnologia (segundo Alistair lhes garantiu). Os três ficaram apinhados naquele espacinho, espiando pelo plástico verde, esperando para ver a ilha aparecer. Conforme o veículo ia afundando, a água ficava mais turva, mais escura e lamacenta.
— Tomara que a gente ache logo — disse Alistair. — Não queremos que acabe o oxigênio.
— Acabar o oxigênio? — perguntou Dan. — Achei que você tivesse dito que esse troço é infalível.
— Bom, sim, o veículo é. Mas não necessariamente a circulação de ar. Não tive tempo de aperfeiçoá-la totalmente — Alistair mexia nos controles para manter o submersível na rota.
— Valeu por avisar!
— Calma, Dan, não fique irritado. Assim você vai gastar muito oxigênio.
— Vamos tentar não respirar — Amy resmungou.
— Eu não estava contando com essas correntezas — confessou Alistair num tom preocupado.
— Puxa, outra boa notícia — zombou Dan.
Uma correnteza de repente atingiu o submersível e o fez girar de lado.
— Uou! — Alistair lutou para manter o controle. — Aqui tinha corredeiras e cachoeiras antes da represa. Acho que elas ainda existem, só que abaixo da superfície.
— Olha lá na frente! — gritou Dan. — Estou vendo!
A ilha de repente apareceu por entre a água turva, coberta de vegetação aquática e dos resquícios de antigos muros. Conforme Alistair pilotava o veículo para que se aproximasse, os irmãos faziam esforço para comparar a pintura de Grace com o que estavam vendo no muro. Alistair acionou uma luz externa que iluminou a área ao redor.
— Ali! — gritou Alistair. — Estão vendo a elevação? E aquele muro? Era ali que ficava o Templo de Ísis! Encontraram alguma coisa chamativa no mapa de Grace?
Amy passou a luz da lanterna por baixo do papel para conseguir ver tanto a pintura de Churchill como as setas de Grace.
— Estão vendo o canto do muro? Tem três pedras grandes. Uma tem uma fenda no meio — mostrou Amy.
— Você consegue chegar mais perto? — Dan perguntou a Alistair.
O veículo avançava com mais dificuldade conforme ia se aproximando.
— Está difícil... manter... o curso... — disse Alistair, lutando com o volante.
De repente, o veículo deu um tranco, empurrado por uma correnteza traiçoeira e bateu com força no muro. Amy levou um susto.
— Está tudo bem, ainda estamos hermeticamente fechados — assegurou Alistair, conferindo as luzes do painel. Uma luz amarela começou a piscar. — Eu acho.
— Tem alguma coisa entalhada na pedra! — Dan de repente gritou. — Chegue mais perto!
Eles olharam através da lama enquanto sacudiam com a turbulência. O submersível girou para a frente feito uma bola, derrubando Amy de lado. O rosto dela ficou espremido contra a bolha, bem rente ao antigo muro.
Ela só conseguiu distinguir duas letras.

KC

— Katherine Cahill! — ela exclamou.
— Acho que ali do lado tem uns números — disse Dan. — Chegue mais perto!
— Estou vendo! — gritou Amy.
Alistair aproximou-se mais com o veículo. Frondes de plantas tremulavam na frente, carregadas pela correnteza, e eles precisaram esperar até a visão ficar desimpedida. A luz iluminou o muro.

1/2 M

— Meio grama! — Dan conseguiu ler.
— Mas o que é esse M? — perguntou Amy.
— Uma letra do alfabeto? — disse Dan, olhando para o muro.
Havia um corte profundo na pedra depois do grande M.
— Parece que o M grande está cobrindo outra letra — supôs Amy. — Devia ter uma palavra ali. Não conseguimos ler!
— Deve ter sido quando eles removeram o templo daqui — concluiu Dan.
Havia uma película de suor no rosto de Alistair.
— Não — ele disse em voz baixa. O M é de Madrigal. Foram eles que fizeram isso.
Como se empurrado por uma mão invisível, o submersível balançou de um lado para o outro, assustando a tripulação. Amy e Dan se agarraram nas bordas dos assentos, enquanto Alistair lutava para não perder o controle. Uma luz vermelha começou a piscar no painel.
— Está entrando água no veículo — constatou Alístair. — Deve ser uma rachadura. Se o submersível ficar pesado demais...
— O que acontece? — perguntou Amy, desesperada.
— Não vamos conseguir subir.
Alistair puxava os controles com força.
— A água deve ter entrado na instalação elétrica. Perdi o leme!
A correnteza arrastou o veículo como se fosse um graveto e o arremessou na direção do muro.
— Faça alguma coisa! — gritou Dan.
— Estou tentando!
O terror deixou Amy colada ao assento. No último segundo, a correnteza desviou o submersível da rota de colisão.
— O que nós vamos fazer? — Amy tentou impedir que o pânico dominasse sua voz.
Presa nas águas profundas do lago... Ninguém sabia onde eles estavam.
Era como se a força malévola dos Madrigal se abatesse sobre eles e os conduzisse à perdição.
Alistair olhou para os instrumentos de medição. Seu rosto ficou pálido.
— Estamos afundando.
Amy se agarrou nas laterais da cadeira. Lentamente, o submersível começou a afundar. Bateu na areia e deitou para o lado. Tudo ficou em silêncio.
Era assim que tudo ia acabar, com aquele silêncio terrível?
— Quanto ar a gente tem? — perguntou Amy.
Alistair olhou para o medidor.
— Difícil dizer.
Ela encarou o tio com um olhar duro.
— Diga.
Alistair engoliu em seco.
— Quinze minutos. Talvez.
Todos ficaram em silêncio por um longo instante. Então, Dan balançou a cabeça.
— Não — ele disse com firmeza. — Não mesmo. Não vou desistir. Vamos sair daqui.
Alistair apertou vários botões:
— Sinto muito, não tem mais eletricidade. Não tem nada que a gente possa fazer.
— Olhe ali na frente — mostrou Dan. — Está vendo onde o chão termina? Dá até pra ver a correnteza. É bizarramente rápida. Se a gente conseguir pegar essa correnteza...
À frente, Amy conseguiu distinguir um tremor na água, um brilho esverdeado, como um canal atravessando o lodo.
— Estou vendo! Mas como vamos chegar até lá?
— Andando — respondeu Dan. — Lembra? Eu ganhei a corrida naquele parque de diversões...
— A corrida de bolhas! — exclamou Amy. — Vamos tentar!
Alistair ficou olhando, confuso, enquanto as duas crianças jogavam o peso para a frente do veículo em formato de bolha, que começou a avançar rolando, bem devagar. Eles deram outro passo e o veículo rolou para a frente de novo, mais um centímetro.
— Entendi! — disse Alistair.
Ele ficou de pé num pulo e começou a ajudar.
Avançando um agonizante centímetro por vez, amontoados uns nos outros, eles foram rolando a bolha pelo chão, se aproximando cada vez mais da correnteza.
— Só... mais... um... metro... — ofegou Dan, com o rosto coberto de suor.
Eles deram toda a força que tinham. O submersível avançou do ponto onde terminava o chão, caiu em meio à correnteza e disparou.
Agora os três estavam envoltos na correnteza alucinante, avançando aos solavancos em alta velocidade.
— Uhu! — Dan gritou enquanto eles eram lançados para a frente.
Eles se seguravam com força, pois o veículo batia e girava, totalmente à mercê da força da água. Amy bateu a cabeça no teto. Alistair teve que se agarrar ao assento.
— Estamos chegando no raso! — Dan percebeu.
Eles viram o leito do lago se elevando ao encontro deles. De repente, com um splash, quicaram no chão e emergiram. A água já batia nos tênis deles, mas a geringonça ainda estava boiando.
Alistair estendeu o braço e abriu a escotilha.
— Tenho um par de remos — ele falou num tom inocente.
— Ótimo — disse Dan, sentindo o balanço do veículo no rio. — Uma bolha verde remando Nilo abaixo. Não vai chamar a atenção de ninguém.

***

A sorte é como os doces de Halloween, refletiu Dan. É claro que no começo você se entope de chocolate bom, mas antes que você perceba já chegou no fundo da abóbora de plástico e a única coisa que sobrou é uma bala coberta de sujeira. Aí você morde a bala e quebra o dente.
As sombras se alongavam em frente ao Hotel Velha Catarata no momento em que eles se despediam de Alistair. A derrota estava estampada nos seus rostos. Quase tinham morrido e ainda não tinham encontrado a pista. Estava perdida para sempre, roubada pelos Madrigal.
Alistair se curvou.
— Peço desculpas por quase afogar vocês — ele disse. — Grace ficaria furiosa. Imagino a voz dela dizendo: Alistair, existem os riscos calculados e existe o excesso de confiança.
— O que você vai fazer agora? — Dan perguntou.
— Primeiro, voltar para casa, para minha biblioteca — suspirou Alistair. — Quando se chega a um beco sem saída, às vezes a resposta é pesquisar mais.
Amy também achava aquilo. Mas, naquele caso, não sabia o que pesquisar. Tinha fracassado. Só sabia que estava cansada demais para dar outro passo.
— Vou para o Cairo hoje à noite e de lá pego um voo para Seul — ele disse. — Vou dar o número do meu celular novo para vocês. Por favor, decorem, não anotem em lugar nenhum.
Ele entregou um papelzinho às crianças. Dan deu uma olhada rápida e depois rasgou.
— Tem certeza de que você decorou?
Dan olhou para ele com cara de você só pode estar brincando.
Alistair deu uma risadinha.
— Deixa eu lhes dizer uma coisa: vocês dois têm talentos inigualáveis. No começo, achei que vocês não fossem páreo para este concurso. Me enganei redondamente. Se vocês precisarem de um lugar para ficar no Cairo, podem usar meu cartão no Hotel Excelsior à vontade. Fui informado de que meu tio voltou para Seul. Vocês vão ficar em segurança ali por uma ou duas noites.
— Mas e os outros Ekat? — perguntou Amy.
— Oh, não se preocupem. Ninguém vai lá. Ninguém mais aguenta o Bae dizendo como foi genial ele ter montado a base secreta e como os outros foram burros de não se dar conta disso. Por isso, digamos que é um boicote. Todo mundo prefere o Triângulo das Bermudas... Aquilo sim é base secreta!
Dan engoliu em seco. Ele ia gostar de explorar essa história do Triângulo das Bermudas, mas Amy estava com aquela cara, como se já planejando o próximo passo. Deixando de aproveitar as coisas legais que apareciam no caminho, como sempre.
Amy fez que sim com a cabeça.
— Boa ideia — ela concordou. — Precisamos de um lugar para planejar nossa próxima ação.
— Ouvi dizer que os Holt estão operando em algum lugar perto de São Petersburgo — contou Alistair. — Isso é uma opção, embora a chance de um Holt fazer alguma coisa inteligente seja muito pequena.
— Valeu pela dica — agradeceu Dan. — Mas acho que vamos dispensar essa.
— Isso provavelmente é sensato — Alistair suspirou.
— A chance de encontrar intocada uma pista que uma Cahill original deixou era um sonho, não era? Agora sabemos que tem meio grama de alguma coisa esperando nossa descoberta — ele fez uma pequena mesura. — Vejo vocês por aí.
Amy e Dan andaram devagar de volta para o quarto, deprimidos demais para conversar.
— Não sei o que mais podemos fazer — Amy confessou por fim. — Nós quase morremos lá embaixo! Como Grace pode ter levado a gente até lá desse jeito?
— Ela não sabia que os Madrigal iam arrancar um pedaço da pedra — explicou Dan.
— Mesmo assim — reclamou Amy. — Como ela pôde ter achado que a gente ia conseguir descer tão fundo embaixo d’água?
Dan agarrou o braço de Amy.
— Peraí. Talvez ela não tenha achado isso. Lembra que a Grace tinha tentado recuperar o quadro? Quem sabe ela não queria que a gente encontrasse. Talvez fosse uma pista velha. Ela pintou o quadro antes da segunda represa.
— Talvez você tenha razão — Amy disse ao destrancar a porta. — Talvez seja por isso que eu não lembro de nenhuma anotação no livro falando de Assuã. Por que não tinha anotação nenhuma. A Grace nos orientou a seguir os passos dela, mas fomos nós que descobrimos a pista de Ísis. Daí a Hilary falou pra gente vir aqui. Provavelmente porque já tinha planos de roubar a Sakhet.
Dan pegou o cartão de Grace e leu de novo.
— Tem alguma coisa que a gente ainda não percebeu.
Amy olhou por cima do ombro dele. Então, pôs o dedo numa frase:
— Veja isto, Dan.

Se eu tivesse sido metade da grande avó que deveria ter sido

— A palavra “metade” está grifada. E o “g” de “grande” está mais escuro que o resto da palavra.
— Metade de um “g”, ou seja, meio grama — resmungou Dan. — Estava aí o tempo todo. Não precisávamos ter vindo até aqui. Mas ainda resta a pergunta mais importante: meio grama de quê?
— Isso é tão frustrante! Estamos apenas um passo atrás dela.
— Como sempre — Dan franziu a testa. — Já que a gente nem devia ter vindo pra Assuã, acho melhor voltar pro Cairo.
— Vamos fazer as malas! — Amy concordou.
Eles começaram a botar as coisas nas mochilas e sacolas. Dan mostrou a Amy a base dourada da Sakhet.
— Jogo ou guardo?
— Joga — respondeu Amy. — Isso não vale nada.
Dan atirou a base no cesto de lixo. Ela virou no ar e caiu ao contrário.
— Ei, Amy. Vem cá!
Amy deu um suspiro e andou até o cesto.
— Lixo num cesto de lixo. Estou passada.
— Veja a etiqueta. TESOUROS DO EGITO. Isso veio de uma loja no Cairo. Aqui está o nome e o endereço. Fica na Cidadela, seja lá o que for isso.
— E daí? Grace comprou isso lá.
— Por que a Grace comprou uma base para a Sakhet? A Hilary disse que foi pra disfarçar a estátua. Mas faz um tempão que ela está num cofre de banco, tipo, uns trinta anos.
— A mensagem da Grace! — exclamou Amy. — Deixar o básico pro fim, ela disse. Será que era disso que ela estava falando?
— É nossa única dica. Temos que seguir os passos dela e voltar para o Cairo.

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