quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo nove

Tobias


O ar noturno desliza em meu pulmões, e sinto como se fosse uma das minhas últimas respirações. Amanhã sairei deste lugar e buscarei outro.
Uriah, Zeke e Christina começam a se dirigir até a sede da Erudição, e seguro a mão de Tris para mantê-la atrás.
— Espere. Vamos a algum lugar.
— Ir a algum lugar? Mas...
— Só por um momento — a levo até a esquina do edifício. De noite, quase posso imaginar como a água parecia quando enchia o vazio escuro do canal com ondas iluminadas pela luz. — Você está comigo, lembra? Eles não vão te deter.
Há um tremor em seu lábio superior – quase um sorriso.
Ao dobrar a esquina, ela se inclina contra a parede e eu estou de frente para ela, de costas para o rio. Ela está usando algo escuro ao redor dos olhos para dar destaque e brilho à cor.
— Não sei o que fazer — ela pressiona as mãos no rosto, enterrando os dedos no cabelo. — Sobre Caleb, quero dizer.
— Não sabe?
Ela move uma mão para me olhar.
— Tris — ponho minhas mãos na parede, cada uma de um lado de seu rosto e me inclino com elas. — Não quer que ele morra. Sei que não.
— É que… — ela fecha os olhos. — Estou tão... brava. Tento não pensar nele, porque quando o faço, só quero...
— Eu sei. Deus, eu sei.
Toda a minha vida sonhei em matar Marcus. Uma vez inclusive decidi como iria fazê-lo – com uma faca, assim poderia sentir o calor deixá-lo, poderia estar perto o suficiente para ver a luz deixar seus olhos. Tomar essa decisão me assustou tanto como sua violência nunca o fez.
— Meus pais gostariam que eu o salvasse, é claro — os olhos dela se abrem e se erguem até ele — eles diriam que é egoísta deixar alguém morrer só porque te traíram. Perdoe, perdoe, perdoe.
— Isto não é sobre o que eles querem, Tris.
— Sim, é sim! — ela se afasta da parede. — Sempre é sobre o que eles querem. Porque ele pertence a eles mais do que pertence a mim. E quero que se sintam orgulhosos de mim. É tudo o que quero.
Seus olhos claros são constantes nos meus, decididos. Nunca tive pais que me deram um bom exemplo, pais cujas expectativas valiam a pena estar à altura, mas ela sim. Posso ver dentro dela o valor e a beleza que eles lhe incutiram como um movimento de mão.
Toco sua bochecha, deslizando meus dedos em seu cabelo.
— Vou tirá-lo de lá.
— O quê?
— Vou tirá-lo de sua cela. Amanhã, antes de irmos — assinto. —  Eu o farei.
— Mesmo? Tem certeza?
— É claro que tenho certeza.
— Eu... — ela franze o cenho — obrigada. Você é... incrível.
— Não diga isso. Não está inteirada dos meus motivos ocultos ainda — sorrio. — Veja, na realidade, não te trouxe aqui para falar sobre Caleb.
— Ah, não?
Ponho minhas mãos em sua cintura e a empurro suavemente para trás contra a parede. Ela me fita, seus olhos claros e ansiosos. Me apoio suficientemente perto para sentir sua respiração, porém me afasto quando ela se inclina, provocando-a.
Ela engancha os dedos nas alças para o cinto de minha calça e me puxa contra ela, assim tenho que deter-me com meus antebraços. Ela tenta me beijar, mas inclino a cabeça para esquivar, beijando-a debaixo da orelha, e então ao longo da mandíbula até a garganta. Sua pele é macia e tem gosto de sal, como uma corrida noturna.
— Me faça um favor — ela sussurra em meu ouvido — e nunca tenha motivos puros novamente.
Ela põe as mãos em mim, tocando todos os lugares em que sou tatuado, a parte baixa das minhas costas e costelas. Seus dedos deslizam pelo cós da minha calça e me puxam contra ela. Respiro contra a lateral de seu pescoço, incapaz de me mover.
Finalmente nos beijamos, e é um alívio. Ela suspira, e sinto um sorriso perverso formando-se em meu rosto.
Eu a levanto nos braços, deixando que a parede suporte a maior parte do seu peso e suas pernas rodeando minha cintura. Ela ri com outro beijo, e me sinto forte, e também assim está ela, seus dedos duros ao redor de meus braços. O ar da noite desliza em meus pulmões, e sinto como se fosse uma das minhas primeiras respirações.

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