quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo quarenta e seis

Tobias


Meus pés tocam na neve da calçada.
— Você não se inoculou ontem — falo para Peter.
— Não, eu não me inoculei — diz Peter.
— Por que não?
— Por que eu deveria te dizer?
Passo meu polegar sobre o frasco e digo:
— Você veio comigo porque sabe que eu tenho o soro da memória, certo? Se quiser que eu te dê isso, me dar uma razão não faria mal.
Ele olha para o meu bolso mais uma vez, como fez anteriormente. Deve ter visto Christina dá-lo a mim. Ele responde:
— Eu prefiro tomar isso de você.
— Faça-me o favor — levanto os olhos para o céu, vejo a neve que derrama das bordas dos edifícios. Está escuro, mas a lua fornece luz suficiente para enxergar. — Você pode pensar que é muito bom em combate, mas não é bom o suficiente para me vencer, juro.
Sem aviso, ele me empurra com força e eu escorrego no chão coberto de neve e caio. Minha arma faz barulho ao atingir o chão, meio enterrada na neve. Isso vai me ensinar a não ser convencido, penso, e fico de pé rapidamente. Ele agarra meu pescoço e me puxa para a frente para que eu escorregue novamente, só que desta vez mantenho meu equilíbrio e dou-lhe uma cotovelada no estômago. Ele me chuta forte na perna, tornando-a dormente, e pega a frente da minha blusa para me puxar para ele.
Sua mão se atrapalha em meu bolso, onde o soro está. Tento afastá-lo, mas o equilíbrio é muito incerto e minha perna ainda está muito dormente. Com um gemido de frustração, trago o meu braço livre para trás e bato-lhe o cotovelo em sua boca. Dor se espalha através do meu braço por bater em alguém nos dentes, mas valeu a pena. Ele grita, deslizando de volta para a rua, com o rosto agarrado entre as duas mãos.
— Sabe por que ganhou lutas como um iniciado? — pergunto enquanto fico de pé. — Porque você é cruel. Porque gosta de machucar as pessoas. E acha que é especial, acha que todos ao seu redor são um bando de maricas que não podem fazer as escolhas difíceis como você.
Ele começa a se levantar, e eu o chuto nas costelas de modo que ele cai novamente. Então aperto meu pé em seu peito, logo abaixo da garganta, e nossos olhares se encontram, seus olhos arregalados e inocentes, nada como o que está dentro dele.
— Você não é especial — eu digo. — Eu gosto de ferir as pessoas também. Posso fazer a escolha mais cruel. A diferença é que às vezes eu não a faço, e você sim, e isso faz com que você seja mau.
Passo por cima dele e começo a descer a Avenida Michigan novamente. Mas antes que eu dê mais do que alguns passos, ouço sua voz.
— É por isso que eu quero — ele fala, com a voz trêmula.
Eu paro. Não viro. Não quero ver seu rosto agora.
— Eu quero o soro porque estou cansado de ser assim. Estou cansado de fazer as coisas ruins e gostar, e me perguntar o que há de errado comigo. Quero que isso acabe. Quero começar de novo.
— E você não acha que é a saída de um covarde? — pergunto sobre meu ombro.
— Acho que eu não me importo se é ou não.
Sinto a raiva que estava inchando dentro de mim desinflar enquanto viro o frasco em meus dedos, dentro do meu bolso. Ouço-o levantar-se e espanar a neve de suas roupas.
— Não tente se meter comigo de novo — falo — e prometo que vou deixar você se reinicializar quando tudo isso estiver feito. Não tenho nenhuma razão para não fazê-lo.
Ele assente, e continuamos pela neve sem marcas para o prédio onde vi minha mãe pela última vez.

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