quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo quarenta e cinco



Tris


Meu irmão está parado atrás do microscópio, seu olho pressionado na lente. A luz do microscópio lança sombras estranhas em seu rosto, fazendo-o parecer anos mais velho.
— Definitivamente é — diz ele. — O soro da simulação de ataque, quero dizer. Sem dúvidas.
— É sempre bom ter outra pessoa para verificar — Matthew comenta.
Estou de pé com meu irmão nas horas antes de ele morrer. E ele está analisando soros. É tão estúpido.
Sei por que Caleb quis vir aqui: ter certeza de que estava dando a vida por uma boa razão. Eu não o culpo. Não há uma segunda chance depois de ter morrido por algo, pelo menos tanto quanto eu sei.
— Diga-me o código de ativação de novo — diz Matthew.
O código de ativação permitirá ativar o soro da memória, e outro botão ira liberá-lo imediatamente. Matthew fez Caleb repeti-lo a cada poucos minutos desde que chegamos aqui.
— Eu não tenho problema em memorizar sequências de números! — Caleb exclama.
— Não duvido disso. Mas não sabemos em que condições estarão a sua mente quando o soro da morte começar a seguir seu curso, e estes códigos precisam estar profundamente enraizados.
Caleb recua com as palavras “soro da morte”. Fico olhando para os meus sapatos.
— 080712 — recita Caleb. — E, em seguida, pressionar o botão verde.
Agora Cara está passando algum tempo com as pessoas da sala de controle para que possa batizar suas bebidas com soro paz e apagar as luzes do complexo enquanto eles estão bêbados demais para perceber, assim como Nita e Tobias fizeram há algumas semanas. Quando ela fizer isso, vamos correr para o Laboratório de Armas, despercebidos pelas câmeras no escuro.
Postos à minha frente numa mesa do laboratório estão os explosivos que Reggie nos deu. Eles parecem tão comuns – estão dentro de uma caixa preta com garras de metal nas bordas e um detonador remoto. As garras irão prender a caixa no segundo conjunto de portas do laboratório. O primeiro conjunto ainda não foi reparado desde o ataque.
— Acho que é isso — diz Matthew. — Agora tudo o que temos a fazer é esperar mais um pouco.
— Matthew — falo — acha que poderia nos deixar a sós um pouco?
— É claro — Matthew sorri. — Vou voltar quando for a hora.
Ele fecha a porta atrás de si. Caleb passa as mãos por cima do seu traje impermeável, dos explosivos, a mochila onde carregará. Ele os coloca em uma linha reta, arrumando este canto e aquele.
— Eu fico pensando sobre quando éramos crianças e brincávamos de “Franqueza” — ele relembra — você costumava sentar-se em uma cadeira na sala de estar e eu lhe fazia perguntas. Lembra-se?
— Sim — inclino meus quadris na mesa do laboratório. — Você media o meu pulso e me dizia que, se eu mentisse, você seria capaz de perceber, porque a Franqueza sempre pode dizer quando outras pessoas estão mentindo. Não era muito agradável.
Caleb ri.
— Uma vez, você confessou ter roubado um livro da biblioteca da escola, e quando mamãe voltou para casa...
— Eu tive que ir até a bibliotecária e pedir desculpas! — Eu rio muito. — Aquela bibliotecária era horrível. Sempre chamava de todos de “jovenzinho” ou “jovenzinha”.
— Oh, ela me amava, apesar de tudo. Sabia que quando eu era voluntário da biblioteca e supostamente arrumava as prateleiras de livros durante a minha hora de almoço, eu estava na verdade de pé nos corredores lendo? Ela me pegou algumas vezes e nunca disse nada sobre isso.
— Sério? — sinto uma pontada em meu peito. — Eu não sabia disso.
— Havia muita coisa que não sabíamos sobre o outro, eu acho — ele bate com os dedos na mesa. — Eu gostaria que tivéssemos sido capazes de ser mais honestos um com o outro.
— Eu também.
— E é tarde demais agora, não é? — ele olha para cima.
— Não totalmente — puxo uma cadeira da mesa de laboratório e sento-me nela. — Vamos jogar Franqueza. Vou responder a uma pergunta e, em seguida, você tem que responder uma também. Honestamente, é claro.
Ele parece um pouco irritado, mas concorda.
— Tudo bem. O que você realmente fez para quebrar os copos na cozinha quando alegou que estava levando-os para fora para limpar as marcas de água?
Reviro os olhos.
— Essa é a única pergunta que você quer uma resposta honesta? Vamos, Caleb.
— Tudo bem, tudo bem — ele limpa a garganta, e seus olhos verdes fixam nos meus, sérios. — Você realmente me perdoou ou apenas disse que sim porque eu estou prestes a morrer?
Fico olhando para as minhas mãos, que descansam em meu colo. Tenho sido capaz de ser gentil e agradável com ele, porque cada vez que penso sobre o que aconteceu na sede da Erudição, empurro de imediato o pensamento para o lado.
Mas isso não pode ser perdão, se eu o houvesse perdoado, seria capaz de pensar no que aconteceu sem que o ódio revirasse meu intestino, certo?
Ou talvez o perdão seja apenas o contínuo afastamento de lembranças amargas até que o tempo embota a ferida e a raiva, e o erro é esquecido.
Pelo amor de Caleb, escolho a acreditar que o último.
— Sim, perdoei — faço uma pausa. — Ou, pelo menos, eu quero desesperadamente, e acho que pode ser a mesma coisa.
Ele parece aliviado. Passo para o lado para que ele possa tomar o meu lugar na cadeira. Eu sei o que quero lhe perguntar desde que ele se ofereceu para fazer este sacrifício.
— Qual é o maior motivo por você estar fazendo isso? O mais importante?
— Não me pergunte isso, Beatrice.
— Não é uma armadilha — eu digo. — Isso não vai me fazer não te perdoar. Eu só preciso saber.
Entre nós estão a roupa impermeável, os explosivos e a mochila, dispostos em uma linha no aço escovado. Eles são os instrumentos de sua ida, e não voltarão.
— Sinto como se fosse a única maneira de eu poder escapar da culpa por todas as coisas que fiz. Eu nunca quis nada mais do que me livrar dela.
Suas palavras doem dentro de mim. Eu tinha medo que ele dissesse isso. Sabia que ele diria isso o tempo todo. Desejava que ele não tivesse dito.
Uma voz fala através do intercomunicador, no canto.
— Atenção todos os residentes do complexo. Começa o procedimento de bloqueio de emergência, em vigor até às cinco horas. Repito, começa o procedimento de bloqueio de emergência, em vigor até às cinco horas.
Caleb e eu trocamos um olhar alarmado. Matthew abre a porta.
— Merda — diz ele. E então, mais alto: — merda!
— Bloqueio de emergência? — repito. — Isso é o mesmo que um exercício de ataque?
— Basicamente. Isso significa que nós temos que ir agora, enquanto ainda há caos nos corredores e antes que eles aumentem a segurança.
— Por que eles fariam isso? — Caleb pergunta.
— Pode ser que eles só queiram aumentar a segurança antes de liberar o vírus — Matthew responde. — Ou pode ser que descobriram que vamos tentar algo, e provavelmente estão vindo para nos prender.
Eu olho para Caleb. Os minutos que eu tinha a sós com ele caem como folhas mortas arrancadas de ramos.
Atravesso a sala e recolho nossas armas do balcão, mas o pensamento no fundo da minha mente é o que Tobias disse ontem – a Abnegação diz que só se deve deixar alguém se sacrificar por você se for a melhor forma para que eles mostrem que te amam.
E para Caleb, esse não é o caso.

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