Tobias
Verifico as telas antes de sair para encontrar Amar e George. Evelyn está escondida na sede da Erudição com seus partidários sem facção, inclinando-se sobre um mapa da cidade. Marcus e Johanna estão num edifício na Avenida Michigan, ao norte do edifício Hancock, realizando uma reunião.
Espero que seja onde ambos estarão, em poucas horas, quando eu decidir qual dos meus pais reinicializar. Amar nos deu pouco mais de uma hora para localizar e vacinar a família de Uriah e voltar para o complexo despercebidos, então só tenho tempo para um deles.
+ + +
Neve cai sobre a calçada do lado de fora, flutuando no vento. George me oferece uma arma.
— É perigoso lá agora — diz ele. — Com todo esse negócio Convergente acontecendo.
Pego a arma sem sequer olhar para ele.
— Vocês estão todos familiarizados com o plano? — George pergunta. — Eu vou monitorá-los a partir daqui, desta sala de controle de pequeno porte. Vamos ver quão útil sou esta noite, no entanto, com toda essa neve obscurecendo as câmeras.
— E onde é que os outros seguranças estarão?
— Bebendo? — George dá de ombros. — Eu disse a eles para tirar a noite de folga. Ninguém vai notar que o caminhão está desaparecido. Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Amar sorri.
— Tudo bem, vamos.
George aperta o braço de Amar e acena para o resto de nós. Enquanto os outros seguem Amar até o caminhão estacionado fora, pego George e o seguro. Ele me dá um olhar estranho.
— Não me pergunte sobre isso porque eu não vou responder — falo. — Mas se inocule contra o soro da memória, ok? Tão rapidamente quanto possível. Matthew pode ajudá-lo.
Ele franze a testa para mim.
— Apenas o faça — eu digo, e vou para o caminhão.
Flocos de neve se agarram ao meu cabelo e nuvens de vapor saem da minha boca a cada respiração. Christina choca-se contra mim em nosso caminho para o caminhão e desliza algo em meu bolso. Um frasco.
Vejo os olhos de Peter em nós enquanto fico no banco do passageiro. Ainda não sei por que ele estava tão ansioso para vir com a gente, mas sei que preciso ter cuidado com ele.
O interior do caminhão é quente, e logo estamos todos cobertos com gotas de água em vez de neve.
— Sorte sua — diz Amar. Ele me dá um aparelho de vidro com linhas brilhantes emaranhadas através da tela como veias. Olho mais de perto e vejo que as linhas são ruas, e a linha mais brilhante traça nosso caminho através delas. — Você vai ser o homem do mapa.
— Você precisa de um mapa? — levanto as sobrancelhas. — Será que não te ocorreu apenas... seguir os edifícios gigantes?
Amar faz uma careta para mim.
— Não estamos apenas dirigindo em linha reta para a cidade, estamos tomando uma rota cautelosa. Agora cale a boca e seja homem do mapa.
Acho um ponto azul no mapa que marca a nossa posição. Amar acelera o caminhão na neve, que cai tão rápido que só posso ver alguns metros à frente de nós.
Os edifícios por onde dirigimos refletem o passado como figuras escuras que espreitam através de uma mortalha branca. Amar conduz rápido, confiando no peso do caminhão para nos manter firmes.
Entre os flocos de neve, vejo as luzes da cidade à frente. Eu tinha esquecido quão perto estávamos dela, porque tudo é tão diferente do lado de fora dos limites.
— Não posso acreditar que vamos voltar — Peter fala em voz baixa, como se não esperasse uma resposta.
— Nem eu — concordo, porque é verdade.
A distância que o Centro tem mantido do resto do mundo é um mal diferente da guerra que eles pretendem travar contra as nossas memórias – é mais sutil, mas, à sua maneira, tão sinistro quanto.
Eles tinham capacidade para nos ajudar, acabar com as nossas facções, mas em vez disso vamos desmoronar. Deixem-nos morrer. Vamos matar uns aos outros. Só agora que estamos prestes a destruir mais do que um nível aceitável de material genético eles decidem intervir.
Nós balançamos para trás e para frente no caminhão enquanto Amar dirige ao longo dos trilhos da ferrovia, ficando perto da parede de cimento à nossa direita.
Olho para Christina no espelho retrovisor. Seu joelho direito salta rápido.
+ + +
Eu ainda não sei que memória vou levar: Marcus ou Evelyn?
Normalmente eu iria tentar decidir qual escolha seria mais altruísta, mas, neste caso, qualquer escolha parece egoísta. Reinicializar Marcus significaria apagar o homem que odeio e temo do mundo. Significaria a minha liberdade de sua influência. Reinicializar Evelyn significaria torná-la uma nova mãe, uma que não iria me abandonar, ou tomar decisões a partir de um desejo de vingança, ou controlar todos em um esforço para não ter que confiar neles.
De qualquer forma, com qualquer um dos pais, eu fico melhor. Mas o que poderia ajudar mais a cidade?
Eu não sei.
+ + +
Mantenho as mãos sobre as saídas de ar para aquecê-las enquanto Amar continua a dirigir ao longo dos trilhos da ferrovia e passa o vagão de trem abandonado que vimos em nosso caminho, os faróis refletindo em seus painéis de prata.
Chegamos ao lugar onde o mundo exterior termina e o experimento começa, uma mudança abrupta como se alguém tivesse desenhado uma linha no chão.
Amar dirige sobre essa linha como se ela não estivesse lá. Para ele, eu suponho, ela se desvaneceu com o tempo, à medida que cresceu mais e mais e se acostumou ao seu novo mundo. Para mim, parece como se mover da verdade para a mentira, da idade adulta para a infância. Observo o mundo de pavimento, vidro e metal se transformar em um campo vazio.
A neve está caindo suavemente agora, e posso ver vagamente o horizonte da cidade à frente, os edifícios apenas um tom mais escuro que as nuvens.
— Onde devemos encontrar Zeke? — Amar pergunta.
— Zeke e sua mãe juntaram-se à revolta — respondo. — Então onde a maioria deles está é a minha melhor aposta.
— As pessoas da sala de controle disseram que a maioria deles fixou residência ao norte do rio, perto do edifício Hancock — diz Amar. — Sente-se animado para ir de tirolesa?
— Absolutamente não.
Amar ri.
Nos leva mais uma hora para chegar perto. Só quando vejo o edifício Hancock à distância começo a me sentir nervoso.
— Hum... Amar? — Christina chama da parte traseira. — Eu odeio dizer isso, mas eu realmente preciso parar. E... você sabe. Xixi.
— Agora? — Amar pergunta.
— Yeah. Veio de repente.
Ele suspira, mas para o caminhão ao lado da estrada.
— Vocês fiquem aqui, e não olhem! — Christina diz antes de sair.
Vejo o movimento de silhueta na parte de trás do caminhão, e espero. Tudo o que sinto quando ela fura os pneus é um ligeiro movimento do caminhão, tão pequeno que tenho de certeza que só eu senti porque estava esperando por isso. Quando Christina volta, espana os flocos de neve de sua jaqueta, e tem um pequeno sorriso.
Às vezes, tudo o que é preciso para salvar as pessoas de um terrível destino é uma pessoa disposta a fazer algo sobre isso. Mesmo que esse “algo” seja uma falsa vontade de ir ao banheiro.
Amar dirige por mais alguns minutos antes de acontecer qualquer coisa. Em seguida, o caminhão treme e começa a saltar, o que faz todos balançarmos.
— Merda — Amar pragueja, de cara feia para o velocímetro. — Não posso acreditar nisso.
— Furado? — pergunto.
— Yeah — ele suspira, e pisa nos freios até que o veículo desliza até parar ao lado da estrada.
— Vou verificar — eu digo.
Salto do banco do passageiro e caminho até a parte de trás do caminhão. Os pneus traseiros estão totalmente furados, esfolados pela faca que Christina trouxe com ela. Espio pela parte de trás da janela para ter certeza de que há apenas um pneu sobressalente, em seguida, retornar à minha porta aberta para dar a notícia.
— Ambos os pneus traseiros estão furados e só temos um de reposição. Vamos ter que abandonar o caminhão e procurar um novo.
— Merda! — Amar bate no volante. — Nós não temos tempo para isso. Temos que ter certeza de Zeke e sua mãe e a família de Christina estão inoculados antes que o soro da memória seja liberado, ou eles serão inúteis.
— Acalme-se — falo. — Eu sei onde podemos encontrar outro veículo. Por que vocês não continuam à pé e eu vou encontrar algo para dirigir?
A expressão de Amar se ilumina.
— Boa ideia.
Antes de me mover para longe do caminhão, reviso para ver se há balas em minha arma, mesmo não tendo certeza se vou precisar delas. Todos descem para fora do caminhão, Amar tremendo de frio e pulando nas pontas dos pés.
Verifico o meu relógio.
— Então você precisa para inoculá-los que horas?
— O horário de George diz que temos uma hora antes de reinicializarem a cidade — diz Amar, verificando o seu relógio também, para ter certeza. — Se você quiser que a gente poupe Zeke e sua mãe da dor e os deixemos esquecer, eu não o culpo. Farei isso se precisar.
Balanço a cabeça.
— Não foi possível fazer isso. Eles não sentiriam dor, mas não seria real.
— Como eu sempre disse — Amar fala, sorrindo — uma vez Careta, sempre Careta.
— Você pode... não contar a eles o que aconteceu? Só até eu chegar lá — peço. — Apenas os inocule. Quero ser aquele quem conta.
O sorriso de Amar encolhe um pouco.
— Claro. Claro.
Meus sapatos já estão encharcados por verificar os pneus, e meus pés doem quando tocam o chão frio novamente. Estou prestes a ir embora do caminhão quando Peter fala:
— Eu vou com você.
— O quê? Por quê? — Eu olho para ele.
— Você pode precisar de ajuda para encontrar um caminhão — ele responde. — É uma cidade grande.
Eu olho para Amar, que encolhe os ombros.
— Ele tem um ponto.
Peter se inclina para mais perto e fala em voz baixa, para que só eu possa ouvir.
— E se não quiser que eu diga a ele que está planejando algo, você não vai se opor.
Seus olhos se dirigem para o meu bolso, onde o soro da memória está.
Eu suspiro.
— Tudo bem. Mas você faz o que eu digo.
Eu assisto Amar e Christina irem embora sem nós, indo em direção ao edifício Hancock. Uma vez que eles estão longe demais para nos ver, dou alguns passos para trás, deslizando minha mão no bolso para proteger o frasco.
— Eu não vou buscar um caminhão — digo. — Você pode muito bem saber agora. Vai me ajudar com o que estou fazendo, ou tenho que atirar em você?
— Depende do que você está fazendo.
É difícil chegar a uma resposta quando nem eu tenho certeza. Fico de frente para o edifício Hancock. À minha direita estão os sem facção, Evelyn, e sua coleção de soro da morte. À minha esquerda estão os Convergentes, Marcus, e o plano de insurreição.
Onde é que eu tenho a maior influência? Onde posso fazer a maior diferença? Essas são as perguntas que eu deveria fazer a mim mesmo. Em vez disso, estou me perguntando por qual destruição estou mais desesperado.
— Eu vou parar uma revolução — respondo.
Eu viro à direita, e Peter me segue.
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