Tobias
Amar aceita nos ajudar a entrar na cidade sem a necessidade de muita persuasão, ansioso por uma aventura, como eu sabia que ele estaria. Combinamos de nos encontrar à noite no jantar para falar do plano com Christina, Peter e George, que nos ajudará a conseguir um veículo.
Depois que falo com Amar, ando para o dormitório e me deito com um travesseiro sobre minha cabeça por um longo tempo, rodando através de um roteiro do que vou dizer a Zeke quando eu encontrá-lo. Sinto muito, eu estava fazendo o que pensei que tinha que fazer, e todo mundo estava cuidando de Uriah, e não achei...
As pessoas vêm para o quarto e o deixam, o aquecedor é ligado e calor chega através das aberturas de ventilação e, em seguida, é desligado novamente, e todo o tempo estou pensando nesse roteiro, inventando desculpas e, em seguida, descartando-as, escolhendo o tom certo, os gestos certos. Finalmente minha frustração chega ao limite, eu tiro o travesseiro do rosto e o arremesso contra a parede oposta. Cara, que está alisando uma camisa limpa sobre os quadris, salta para trás.
— Pensei que você estivesse dormindo — diz ela.
— Sinto muito.
Ela toca em seu cabelo, garantindo que cada fio está no lugar. Ela é tão cuidadosa em seus movimentos, me lembra dos músicos da Amizade puxando as cordas do banjo.
— Eu tenho uma pergunta — me sento. — É um pouco pessoal.
— Tudo bem — ela se senta na minha frente, na cama de Tris. — Pergunte.
— Como você foi capaz de perdoar Tris depois do que ela fez com seu irmão? Supondo que você tenha perdoado, isto é.
— Hmm — Cara abraça os braços perto de seu corpo. — Às vezes penso que a perdoei. Às vezes não tenho tanta certeza. Não sei como responder isso, é como perguntar como você continua com a sua vida depois que alguém morre. Você simplesmente o faz, e no dia seguinte também.
— Havia... alguma maneira de ela ter tornado isso mais fácil para você? Ou algo que ela fez?
— Por que você está perguntando isso? — Ela põe a mão no meu joelho. — É por causa de Uriah?
— É — respondo com firmeza, e movo um pouco minha perna de modo que a mão dela cai. Não preciso de um tapinha ou toque de consolação, como uma criança. Não preciso de suas sobrancelhas erguidas, sua voz suave, para persuadir uma emoção de mim que eu preferiria conter.
— Tudo bem — ela endireita, e quando fala de novo, soa casual, do jeito que normalmente é. — Acho que a coisa mais importante que ela fez – obviamente sem querer – foi se confessar. Há uma diferença entre admitir e confessar. Admitir envolve amolecimento, dar desculpas a coisas que não tem justificativa; confessar apenas nomeia o delito em toda a sua gravidade. Isso era algo que eu precisava.
Concordo com a cabeça.
— E depois que você confessar a Zeke — diz ela — acho que seria bom se o deixasse sozinho pelo tempo que ele queira estar assim. Isso é tudo o que você pode fazer.
Concordo com a cabeça novamente.
— Mas, Quatro — acrescenta ela — você não matou Uriah. Você não detonou a bomba que o feriu. Você não armou o plano que levou a essa explosão.
— Mas eu participei do plano.
— Oh, cale-se, ok? — Ela diz que suavemente, sorrindo para mim. — Aconteceu. Foi horrível. Você não é perfeito. Ninguém é. Não confunda o seu sofrimento com a culpa.
Ficamos no silêncio e na solidão do dormitório vazio por mais alguns minutos, e tento deixar que suas palavras trabalhem em mim.
+ + +
Eu janto com Amar, George, Christina e Peter no refeitório, entre o balcão de bebidas e uma fileira de latas de lixo. A tigela de sopa diante de mim esfriou antes que eu pudesse comer tudo, e ainda há biscoitos boiando no caldo.
Amar nos diz onde e quando nos encontraremos, então vamos para o corredor perto das cozinhas, para que não sejamos vistos, e ele tira uma pequena caixa preta com seringas dentro dela. Ele dá uma para Christina, Peter e eu, junto com uma gaze antibacteriana embalada individualmente para limpar, algo que suspeito que só Amar se incomodaria.
— O que é isso? — Christina pergunta. — Não vou injetar em meu corpo a menos que eu saiba o que é.
— Tudo bem — Amar cruza as mãos. — Há uma chance de que o vírus do soro da memória seja liberado enquanto ainda estivermos na cidade. Você vai precisar disto para se inocular contra ele, a menos que queira esquecer tudo. É a mesma coisa que você vai injetar nos braços de sua família, assim não se preocupe com isso.
Christina estica seu braço e bate no interior de seu cotovelo até que uma veia se tensiona. Por costume, insiro a agulha na lateral do meu pescoço, da mesma maneira que fiz todas as vezes que passei pela minha paisagem do medo, o que acontecia várias vezes por semana. Amar faz a mesma coisa.
Percebo, no entanto, que Peter apenas finge injetar-se – quando ele pressiona o êmbolo, o fluido corre para baixo em sua garganta, e ele o seca casualmente com uma manga.
Gostaria de saber o que ele sente para voluntariamente querer esquecer tudo.
+ + +
Depois do jantar, Christina caminha até mim e diz:
— Precisamos conversar.
Nós caminhamos pela longa escadaria que leva ao espaço GD no subterrâneo, nossos joelhos movendo-se em uníssono a cada degrau pelo corredor multicolorido. No final, Christina cruza os braços, e luz roxa cobre seu nariz e boca.
— Amar não sabe que estamos tentando parar a reinicialização? — Diz ela.
— Não. Ele é leal ao Centro. Eu não quero envolvê-lo.
— Você sabe, a cidade ainda está à beira de uma revolução — ela fala, e a luz fica azul. — A razão para o Centro reinicializar nossos amigos e famílias é impedi-los de matar uns aos outros. Se pararmos a reinicialização, os Convergentes atacarão Evelyn, Evelyn vai revidar com o soro da morte e um monte de pessoas vai morrer. Ainda posso estar com raiva de você, mas não acho que você queira que as pessoas na cidade morram. Seus pais, em particular.
Eu suspiro.
— Honestamente? Eu realmente não me importo com eles.
— Você não pode estar falando sério — diz ela, franzindo o cenho. — Eles são seus pais.
— Estou falando, na verdade. Eu quero contar a Zeke e sua mãe o que eu fiz de Uriah. Depois disso, realmente não me importo com o que acontece com Evelyn e Marcus.
— Você pode não se preocupar com a sua família permanentemente bagunçada, mas deve se preocupar com todos os outros! — Ela pega meu braço com uma mão forte e me gira bruscamente para que eu olhe para ela. — Quatro, minha irmãzinha está lá. Se Evelyn e os Convergentes lutarem um contra o outro, ela pode se machucar, e eu não vou estar lá para protegê-la.
Vi Christina com sua família no dia da visita, quando ela ainda era apenas uma iniciada da Franqueza transferida para mim. Vi sua mãe arrumar o colarinho da camisa de Christina com um sorriso orgulhoso. Se o vírus do soro da memória for implantado, essa memória seria apagada da mente de sua mãe. Se não for, sua família vai ser apanhada no meio de uma batalha por toda a cidade pelo controle.
— Então o que você está sugerindo que façamos? — pergunto.
Ela me libera.
— Tem que haver uma maneira de evitar uma grande batalha que não envolva apagar forçosamente as memórias de todos.
— Talvez — eu cedo. Eu não tinha pensado sobre isso porque não parecia necessário. Mas é necessário, é claro que é — você tem alguma ideia de como parar isso?
— É basicamente um de seus pais contra o outro — diz Christina. — Não há algo que você possa dizer-lhes que vai impedi-los de tentarem se matar?
— Algo que eu possa dizer a eles? — repito. — Você está brincando? Eles não ouvem ninguém. Eles não fazem qualquer coisa que não os beneficiem diretamente.
— Portanto, não há nada que você possa fazer. Você apenas vai deixar a cidade se rasgar em pedaços.
Eu fico olhando para os meus sapatos, banhados em luz verde, ponderando sobre isso. Se eu tivesse pais diferentes, se tivesse pais razoáveis, menos impulsionados pela dor, raiva e o desejo de vingança, isso poderia funcionar. Eles poderiam ser obrigados a escutar o seu filho. Infelizmente, não tenho pais diferentes.
Mas eu poderia. Eu poderia se quisesse. Um pouco do soro da memória em seu café da manhã ou sua água à noite, e eles seriam novas pessoas, uma folha limpa, sem máculas pela história. Eles ainda teriam que aprender que tiveram um filho, para começar, seriam obrigados a aprender o meu nome novamente.
É a mesma técnica que estão usando para curar o complexo. Eu poderia usá-la para curá-los.
Eu olho para Christina.
— Consiga-me um pouco do soro da memória. Enquanto você, Amar e Peter estiverem à procura da família de vocês e da de Uriah, vou cuidar deles. Provavelmente não terei tempo suficiente para chegar a ambos os meus pais, mas um deles eu consigo.
— Como é que vai fazer para separar-se do resto de nós?
— Eu preciso... não sei, precisamos adicionar uma complicação. Algo que torne necessário que um de nós saia da patrulha.
— Que tal pneus furados? — Christina pergunta. — Nós vamos à noite, certo? Então posso pedir a Amar para parar, então vou ao banheiro ou algo assim, furo os pneus, e então nós vamos ter que nos separar, para que possamos encontrar outro caminhão.
Considero por um momento. Eu poderia contar a Amar o que está realmente acontecendo, mas isso exigiria desfazer o denso nó de propagandas e mentiras que Centro amarrou em sua mente. Supondo que eu poderia mesmo desfazê-lo, mas não temos tempo para isso.
Mas temos tempo para uma mentira bem contada. Amar sabe que meu pai me ensinou como ligar um carro apenas com os fios quando eu era mais jovem. Ele não estranharia eu me voluntariar para encontrar outro veículo.
— Isso vai funcionar.
— Ótimo — ela inclina a cabeça. — Então você realmente vai apagar as lembranças de um dos seus pais?
— O que você faz quando seus pais são malvados? Consegue novos pais. Se um deles não tiver toda a bagagem que eles têm atualmente, talvez os dois possam negociar um acordo de paz ou algo assim.
Ela franze a testa para mim por alguns segundos, como se quisesse dizer alguma coisa, mas, eventualmente, apenas balança a cabeça.
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