quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo trinta e cinco

Tobias


Caminho até o conjunto de cadeiras mais próximo às janelas na sala de controle e abro as filmagens de diferentes câmeras em toda a cidade, uma por uma, em busca de meus pais. Acho Evelyn primeiro – ela está no átrio da sede da Erudição, conversando perto de uma esquina com Therese e um homem sem facção, seu segundo e terceiro em comando agora que eu me fui. Aumento o volume do alto-falante, mas ainda não consigo ouvir nada, apenas resmungos.
Através das janelas dos fundos da sala de controle, vejo o mesmo céu noturno vazio daquele sobre a cidade, interrompido apenas por pequenas luzes azuis e vermelhas que marcam as pistas para aviões. É estranho pensar que temos isso em comum quando tudo é tão diferente aqui.
Agora as pessoas na sala de controle sabem que fui eu quem desativou o sistema de segurança na noite antes do ataque, embora não tivesse sido eu que colocou um dos seus trabalhadores do turno da noite no soro da paz para que eu tivesse acesso, foi Nita. Mas na maior parte eles me ignoraram, contanto que eu fique longe de suas mesas.
Em outra tela, percorro as imagens novamente, à procura de Marcus ou Johanna, qualquer coisa que possa me mostrar o que está acontecendo com os Convergentes. Cada parte da cidade aparece na tela, a ponte perto do Mart Impiedoso, a Pira, a rua principal do setor da Abnegação, o Eixo, a roda-gigante e os campos da Amizade, agora trabalhado por todas as facções. Mas nenhuma das câmeras me mostra o que quero.
— Você vem muito aqui — Cara fala enquanto se aproxima. — Assustado com o resto do complexo? Ou é outra coisa?
Ela tem razão, tenho vindo muito à sala de controle. É apenas algo para passar o tempo enquanto espero minha sentença de Tris, enquanto espero por nosso plano para atacar o Centro, enquanto espero por alguma coisa, qualquer coisa.
— Não. Estou apenas mantendo um olho em meus pais.
— Os pais que você odeia? — Ela está ao meu lado, com os braços cruzados. — Sim, posso ver por que você gostaria de passar horas olhando para as pessoas com que não quer ter contado. Faz perfeito sentido.
— Eles são perigosos — respondo. — Mais perigosos porque ninguém sabe como eles são perigosos além de mim.
— E o que você vai fazer daqui, se eles fazem algo terrível? Enviar um sinal de fumaça?
Eu apenas a encaro.
— Tudo bem, tudo bem — ela ergue as mãos em sinal de rendição. — Eu só estou tentando lembrá-lo que você não está mais no seu mundo, está neste. Isso é tudo.
— Bem lembrado.
Eu nunca pensei nos Eruditos como sendo particularmente perspicazes sobre relacionamentos ou emoções, mas o olhar perspicaz de Cara vê todos os tipos de coisas. Meu medo. Minha busca por uma distração em meu passado. É quase alarmante.
Começo a virar a câmera num ângulo e, em seguida, paro volto para trás. A cena é escura por causa da hora, mas vejo as pessoas surgindo como um bando de pássaros em torno de um edifício não reconheço, seus movimentos sincronizados.
— Eles estão fazendo isso — diz Cara, animada. — Os Convergentes estão realmente atacando.
— Ei! — Eu grito para uma das mulheres nas mesas da sala de controle. O mais velho, que sempre me dá um olhar desagradável quando apareço, levanta a cabeça. — Câmera vinte e quatro! Depressa!
A mulher toca em sua tela, e todos em torno da área de vigilância se reúnem em torno dela. Pessoas passando no corredor param para ver o que está acontecendo, e dirijo-me a Cara.
— Você pode ir buscar os outros? — Pergunto. — Acho que eles deveriam ver isto.
Ela acena com a cabeça, seus olhos selvagens, e corre para longe da sala de controle.
As pessoas ao redor do prédio desconhecido não usam uniforme para distingui-los, nem braçadeiras de sem facção, e carregam armas. Tento escolher um rosto, qualquer traço que eu reconheça, mas a imagem está borrada demais. Eu os assisto se organizar, gesticulando para se comunicarem, braços escuros acenando na noite mais escura.
Aperto o polegar entre meus dentes, impaciente por alguma coisa, que qualquer coisa aconteça. Alguns minutos depois Cara chega com os outros a sua volta. Quando chegam na multidão de pessoas reunidas nas telas principais, Peter diz: “Desculpe-me!” alto o suficiente para fazer as pessoas se virarem. Quando eles veem quem é, dão espaço para ele.
— O que está acontecendo? — Peter me pergunta quando está mais perto. — O que está acontecendo?
— Os Convergentes formaram um exército — respondo, apontando para a tela À esquerda. — Há pessoas de cada facção, mesmo Amizade e Erudição. Tenho assistido muito ultimamente.
— Erudição? — Caleb pergunta.
— Os Convergentes são os inimigos dos novos inimigos, os sem facção — Cara responde. — O que dá à Erudição e aos Convergentes um objetivo comum: usurpar Evelyn.
— Você disse que havia integrantes da Amizade em um exército? — Christina me pergunta.
— Eles não estão realmente participando da violência — eu digo. — Mas estão participando do esforço.
— Os Convergentes invadiram seu primeiro armazém de armas há poucos dias — a jovem mulher sentada na mesa da sala de controle mais próxima de nós diz sobre o ombro. — Este é o seu segundo. É aí que eles pegam essas armas. Após o primeiro ataque, Evelyn realocou a maioria das armas, mas este armazém não teve tempo de ser mudado.
Meu pai sabe o que Evelyn sabia: que o poder de fazer as pessoas temem-no é o único poder que você precisa. As armas vão fazer isso por ele.
— Qual é o seu objetivo? — Caleb pergunta.
— Os Convergentes são motivados pelo desejo de voltar para o nosso propósito original na cidade — Cara responde. — O que significa o envio de pessoas para o lado de fora da cerca, como instruído por Edith Prior – o que pensamos ser importante na época, embora eu tenha aprendido que suas instruções não eram realmente importantes – ou restabelecer as facções pela força. Eles estão armando-se para um ataque contra a fortaleza sem facção. Isso é o que Johanna e eu discutimos antes de eu sair. Nós não discutimos fazer aliança com seu pai, Tobias, mas acho que ela é capaz de tomar suas próprias decisões.
Quase me esqueci que Cara foi uma das líderes dos Convergentes antes de sairmos. Agora não tenho certeza de que ela se preocupa se as facções sobrevivem ou não, mas ela ainda se preocupa com as pessoas. Posso dizer pelo jeito que ela assiste as telas, ansiosa, mas com medo.
Mesmo por sobre a conversa das pessoas ao nosso redor, ouço os tiros quando eles começam, são como estalos e palmas nos alto-falantes. Toco no vidro a minha frente algumas vezes e o ângulo da câmera muda para dentro do edifício que os invasores acabaram de forçar a entrada.  Em uma mesa há uma pilha de pequenas peças – munição – e algumas pistolas. Não é nada em comparação com as armas que eles têm aqui, em toda a sua abundância, mas na cidade, sei que é valioso.
Vários homens e mulheres com braçadeiras sem facção guardam a mesa, mas eles estão caindo rapidamente, em desvantagem pelos Convergentes. Reconheço um rosto familiar entre eles – Zeke, batendo a coronha de sua arma no queixo de um homem sem facção. Os sem facção são superados dentro de dois minutos, caindo por causa balas que vejo somente quando já estão enterradas na carne. Os Convergentes se espalham pela sala, pisando sobre os corpos como se fossem apenas mais detritos, e reunem tudo o que podem. Zeke recolhe as armas sobre a mesa, um olhar duro em seu rosto que só vi algumas vezes.
Ele ainda não sabe o que aconteceu com Uriah.
A mulher no balcão toca a tela em alguns lugares. Em uma das telas menores acima dela está uma imagem – cenas das imagens de vigilância que acabamos de ver, congeladas em um determinado momento no tempo. Ela bate de novo e a imagem se aproxima de seu objetivo, um homem com o cabelo cortado rente e uma mulher com cabelos longos e escuros cobrindo um lado do rosto.
Marcus, claro. E Johanna – carregando uma arma.
— Entre eles, eles conseguiram reunir a maioria dos membros de facções leais à sua causa. Surpreendentemente, porém, os Convergentes ainda não superam os sem facção — a mulher se inclina para trás na cadeira e balança a cabeça. — Havia muito mais sem facção do que jamais se esperava. É difícil obter uma contagem de população precisa numa população dispersa, depois de tudo.
— Johanna? Liderando uma rebelião? Com uma arma? Isso não faz sentido — diz Caleb.
Johanna me disse uma vez que se as decisões fossem somente dela, ela teria apoiado a ação contra a Erudição em vez da passividade que o resto de sua facção defendia. Mas ela estava à mercê de sua facção e seu medo. Agora, com as facções desfeitas, parece que ela tornou-se algo diferente do que a porta-voz da Amizade ou mesmo o líder dos Convergentes. Ela tornou-se um soldado.
— Faz mais sentido do que você pensa — respondo, e Cara acena junto com as minhas palavras.
Eu os assisto esvaziar a sala de armas e munições e seguir em frente rapidamente, espalhando como sementes ao vento. Me sinto mais pesado, como se estivesse ganhando uma nova carga. Me pergunto se as pessoas ao meu redor – Cara, Christina, Peter e até mesmo Caleb – se sentem da mesma maneira. A cidade, a nossa cidade, está ainda mais perto da destruição total do que esteve antes.
Podemos fingir que não fazemos mais parte lá, uma vez que estamos vivendo em relativa segurança neste lugar, mas fazemos.
Sempre faremos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário