Tris
O hospital está cheio de gente, todos gritando ou correndo de um lado para o outro ou fechando as cortinas.
Antes de eu me sentar, verifiquei todas as camas em busca de Tobias. Ele não estava em nenhuma delas. Ainda estou tremendo de alívio.
Uriah não está aqui também. Ele está em um dos outros quartos, e a porta está fechada – não é um bom sinal.
A enfermeira que enxuga o meu braço com antisséptico está ofegante e olha para toda a atividade em volta em vez de para o meu ferimento. Disseram-me que é um arranhão menor, nada para se preocupar.
— Eu posso esperar, se você precisa fazer alguma coisa — falo. — Tenho que encontrar alguém de qualquer maneira.
Ela franze os lábios, em seguida, diz:
— Você precisa de pontos.
— É apenas um arranhão!
— Não é o seu braço, a cabeça — ela responde, apontando para um ponto acima do meu olho. Eu tinha quase esquecido do corte em todo o caos, mas ainda não parou de sangrar.
— Tudo bem.
— Eu vou ter que lhe dar uma dose deste agente anestésico — ela fala, segurando uma seringa.
Estou tão acostumada com agulhas que nem sequer reajo. Ela enxuga a testa com antisséptico – eles são tão cuidadosos com germes por aqui – e eu sinto a dor e formigamento da agulha, diminuindo a cada segundo enquanto o agente anestésico faz o seu trabalho.
Vejo as pessoas passando rapidamente ela costura a minha pele – um médico retira um par ensanguentado de luvas de borracha; uma enfermeira carrega uma bandeja de gaze, os sapatos quase escorregando no piso, um membro da família de alguém ferido torce as mãos. O ar cheira a produto químico, papel velho e corpos quentes.
— Alguma novidade sobre David?
— Ele vai viver, mas vai levar muito tempo para andar de novo — ela responde. Seus lábios fazem beicinho, apenas por alguns segundos. — Poderia ter sido muito pior se você não estivesse lá. Pronto.
Concordo com a cabeça. Eu gostaria de poder dizer-lhe que não sou uma heroína, que eu estava usando-o como um escudo, como um muro de carne. Gostaria de poder confessar que sou uma pessoa cheia de ódio contra o Centro e David, que deixaria alguém ser crivado de balas para salvar a mim mesma. Meus pais ficariam envergonhados.
Ela coloca um curativo sobre os pontos para proteger a ferida, e junta todas as embalagens e bolas de algodão encharcadas em seus punhos para jogá-los fora.
Antes que eu possa lhe agradecer ela já se foi para a próxima cama, o próximo paciente, a próxima lesão.
Os feridos enfileiram-se no corredor do lado de fora da ala de emergência. Percebo a partir das evidências que houve outra explosão ao mesmo tempo que aquela perto da entrada. Ambas foram distrações. Nossos atacantes entraram através do túnel subterrâneo, como Nita disse que faria. Ela nunca mencionou abrir buracos em paredes.
As portas no final do corredor são abertas e algumas pessoas entram, carregando uma jovem mulher – Nita – entre eles. Eles a colocam em uma cama perto de uma das paredes. Ela geme, agarrando-se a um rolo de gaze que está pressionado contra a ferida em sua lateral. Sinto-me estranhamente separada de sua dor. Eu atirei nela. Eu tinha que fazer.
Esse é o fim de tudo.
Enquanto ando pelo corredor entre os feridos, noto os uniformes. Todo mundo sentado aqui usa verde. Com poucas exceções, todos eles são do pessoal de apoio. Eles estão contendo sangramento nos braços, pernas ou cabeças, seus ferimentos não melhores que os meus, alguns muito piores.
Vejo o meu reflexo nas janelas um pouco além do corredor principal – o meu cabelo está pegajoso e frouxo, e o curativo domina a minha testa. O sangue de David e o meu mancham minhas roupas em alguns lugares. Preciso tomar banho e me trocar, mas primeiro tenho que encontrar Tobias e Christina. Eu não vi nenhum dos dois desde antes da invasão.
Não demora muito tempo para encontrar Christina – ela está sentada na sala de espera quando eu saio da ala de emergência, seu joelho balançando tanto que a pessoa ao seu lado lhe dá olhares de reprovação. Ela levanta a mão para me cumprimentar, mas seus olhos se afastam do meu e vão para as portas da direita logo em seguida.
— Você está bem? — ela me pergunta.
— Sim. Ainda há nenhuma atualização sobre Uriah. Eu não podia entrar na sala.
— Essas pessoas deixam-me louca, sabia disso? Elas não dizem nada a ninguém. Não nos deixam vê-lo. É como se pensassem que são donos dele e tudo o que acontece com ele!
— As coisas funcionam de forma diferente aqui. Tenho certeza de que eles vão te dizer quando souberem algo de concreto.
— Bem, eles diriam a você — ela corrige, franzindo o cenho. — Mas não estou convencida de que iriam me dar mais que um segundo olhar.
Alguns dias atrás eu poderia ter discordado dela, insegura de quão influente em seu comportamento a crença na deficiência genética era. Não tenho certeza do que fazer – não sei como falar com ela agora que tenho estas vantagens e ela não, e não há nada que qualquer um de nós pode fazer a respeito. Tudo o que posso pensar em fazer é ficar perto dela.
— Tenho que encontrar Tobias, mas depois vou voltar e sentar com você, ok?
Ela finalmente olha para mim, seu joelho ainda balançando.
— Eles não te disseram?
Meu estômago se aperta com medo.
— Diga-me o que aconteceu.
— Tobias foi preso — ela fala em voz baixa. — Eu o vi sentado com os invasores logo antes de entrar aqui. Algumas pessoas o viram na sala de controle antes do ataque – dizem que foi ele que desativou o alarme do sistema de segurança.
Há um olhar triste em seus olhos, como se ela tivesse pena de mim. Mas eu já sabia o que Tobias fez.
— Onde eles estão?
Eu preciso falar com ele. E sei o que preciso dizer.
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