sábado, 29 de março de 2014

Capítulo 12

Dan ficou tentado a parar umas 20 vezes enquanto eles seguiam Irina Spasky pela Rua de Rivoli. (Ele ficou pensando se o nome queria dizer “Rua do Ravioli”, mas achou que Amy ia rir se ele perguntasse.) De vez em quando ele tinha vontade de olhar melhor as coisas – como a pirâmide de vidro muito legal no Louvre e os artistas de rua que faziam malabarismo com fogo em frente ao Jardim das Tulherias. Havia também um vendedor de créme glacê e Dan tinha quase certeza de que isso queria dizer sorvete. Mas, acima de tudo, ele queria parar porque seus pés estavam doendo.
— Será que ela nunca vai fazer uma pausa? — ele reclamou.
Amy não parecia nem um pouco cansada.
— Você não acha estranho nós termos encontrado justamente Irina Spasky entre 10 milhões de pessoas em Paris? — ela perguntou.
— Talvez os outros 9.999.999 não estejam de xale vermelho!
— Ela estava descendo uma rua importante, como se quisesse ser avistada.
— Você acha que é uma armadilha? — Dan perguntou. — Como ela poderia saber que a gente ia achá-la? E ela não olhou para trás nem uma vez. Não sabe que estamos aqui.
Porém, assim que disse isso, Dan lembrou de ter visto programas de tevê sobre espiões – sobre como eles conseguiam seguir alguém sem jamais ser notados, ou aparecer “por acaso” na linha de visão da vítima e atraí-la para uma armadilha. Será que Irina os estivera esperando no aeroporto? Será que tinha visto eles entrarem na limusine com Jonah e dera um jeito de chegar ali antes?
— Olhe — disse Amy — ela está virando!
Irina atravessou a avenida e desapareceu descendo um lance de escada.
— O metrô! Ela vai pegar o metrô — ela disse.
Os dois perderam tempo descobrindo como usar moedas de euro nas máquinas de bilhetes, mas, quando desceram a escada, Irina ainda estava lá, parada numa plataforma com o velho almanaque enfiado embaixo do braço. O trem estava chegando. Dan tinha certeza de que ela tentaria um daqueles truques de última hora, por isso esperaram até que as portas do trem estivessem fechando, mas Irina continuou lá dentro. Amy e Dan embarcaram também, e o trem partiu da estação.
Eles fizeram duas baldeações num curto espaço de tempo. Mesmo com o xale vermelho berrante de Irina, era difícil acompanhar o passo dela.
— Não entendo — disse Amy. — Agora ela está andando mais rápido, como se estivesse tentando nos despistar.
Dan estava sonhando com créme glacée. A lasanha que ele comera no avião já era coisa do passado, e sua barriga parecia estar tentando devorar a camisa.
Por fim, depois do terceiro trem, Irina caminhou para a saída da estação. Amy agarrou o braço de Dan e apontou para uma placa na parede.
— Passy — ela disse.
— E daí?
— Este é o bairro onde Benjamin Franklin morou.
— Então vamos! — disse Dan. — A Chapeuzinho Vermelho está fugindo.
Passy não parecia tão cheio de gente quanto Tulherias. As ruas eram ladeadas de prédios de quatro andares. Havia lojas de flores em toda parte, como uma explosão do dia das mães – tulipas, cravos, rosas, tudo o que pudesse fazer Dan espirrar. Ao longe, a Torre Eiffel se erguia diante das nuvens cinzentas, mas Dan estava mais interessado no cheiro de comida que sentia. A cidade inteira parecia feita de cafés ao ar livre. Ele sentiu cheiro de chocolate, pão quentinho, queijo derretido – mas não havia tempo para comer nada disso.
Irina andava como se seu vestido estivesse pegando fogo. Eles precisaram quase correr para acompanhar seu passo. Amy tropeçou num balde de flores e um parisiense a xingou.
— Desculpe! — Amy gritou para ele.
Eles viraram numa rua ladeada de árvores, com mansões que pareciam muito antigas. Na metade do quarteirão, havia uma van roxa mal estacionada. Era pintada com imagens de balões e rostos de palhaço, e nela se lia CRÉME GLACÉE. Dan teve uma injeção de ânimo. Talvez pudesse comprar rapidinho umas três bolas de cereja e baunilha para viagem. Mas, quando se aproximaram, ele viu que a van estava fechada. O para-brisa estava coberto por dentro por uma tela prateada. Era uma conspiração, concluiu Dan. A cidade inteira de Paris estava tentando matá-lo de fome.
No fim do quarteirão, Irina atravessou a rua e entrou num portão de ferro forjado. Ela andou até um grande prédio de mármore que parecia uma embaixada ou algo assim. Dan se escondeu atrás de uma coluna e ficou observando enquanto a russa digitava um código de segurança e entrava no prédio.
— Olhe o portão — disse Amy.
No centro havia uma placa em que se lia em letras douradas:


— O brasão dos Lucian! Mas o que é um instituto de... hã... dessa coisa aí?
— Acho que é tipo uma escola de embaixadores — disse Amy. — Mas você não entende? Isso é só um disfarce. Lembra o que Jonah disse? Paris é historicamente território dos Lucian.
— Esta deve ser a base secreta deles! — Os olhos de Dan se acenderam.
Amy concordou com a cabeça.
— A questão é, o que fazemos?
— Vamos entrar — disse Dan.
— Ah, é. Sem o código de segurança?
— 5910. Eu olhei ela digitar.
Amy olhou para ele espantada.
— Como você... desencana. Vamos D... Mas tome cuidado. Provavelmente ali tem câmeras e cães de guarda e esse tipo de coisa.
Eles se espremeram pelo portão e correram até os degraus da entrada. Dan digitou o código. A porta se abriu sem problemas. Nenhum alarme disparou. Nenhum cão de guarda latiu.
— Estranho — ele disse.
Mas era tarde demais para se arrepender. Eles haviam entrado na base Lucian.
O saguão de entrada era maior que o apartamento inteiro deles. O chão era de mármore polido e um lustre pendia do teto. Havia algumas portas pretas mais adiante. À esquerda, uma escada em espiral levava a uma sacada.
— Veja — Dan apontou acima das portas.
Uma câmera de segurança vasculhava a sala. Estava apontada para longe dos dois, mas não por muito tempo.
Então ele ouviu vozes vindas das portas duplas. Era alguém vindo na direção deles.
— Rápido! — Dan correu até a escada.
Amy parecia querer discutir, mas não havia tempo. Ela subiu atrás dele.
O coração de Dan batia forte. Ele sempre imaginou que seria legal brincar de ladrão e entrar escondido na casa de alguém, mas, agora que estava fazendo aquilo de verdade, suas mãos estavam suando. O menino se perguntou se os franceses ainda jogavam ladrões em masmorras infestadas de ratos. Ele tinha visto uma coisa assim num musical a que Grace os levara.
Nas pontas dos pés, eles foram andando por um corredor no primeiro andar.
— Não entendo — sussurrou Dan. — Irina deve ser uma Lucian. Benjamin Franklin era um Lucian. Isso significa que Franklin era um dos vilões?
— Talvez não seja tão simples assim — disse Amy. — Veja.
Havia retratos pintados nas paredes. Napoleão Bonaparte, Isaac Newton, Winston Churchill e outros que Dan não reconheceu.
— Outros Lucian famosos — Amy supôs. — Não necessariamente bons ou maus. Mas sem dúvida muitas pessoas poderosas.
— E acabamos de invadir a casa deles.
Eles passaram por uma série de portas pesadas de carvalho, todas fechadas. Uma trazia a placa “LOGISTIQUE”. Em outra, lia-se “CARTOGRAPHIES” A última porta à direita dizia “ARSENAL”.
— Legal!
— Dan, não! — Amy sussurrou, mas não dava mais tempo de impedi-lo. Dan abriu a porta do arsenal e entrou.
Um pouco tarde demais, ele pensou que talvez não fosse uma boa ideia entrar numa sala cheia de armas caso houvesse alguém ali dentro. Felizmente, não havia. O arsenal tinha uns 9 metros quadrados e estava lotado de coisas incrivelmente legais: caixas de balas de canhão, estantes de facas, espadas, varas, escudos e guarda-chuvas. Dan não entendeu direito os guarda- chuvas, mas imaginou que deviam servir para outra coisa além de proteger de um temporal.
— Não devíamos estar aqui! — Amy sussurrou.
— Puxa, você acha? — Dan pegou um caixote de madeira do tamanho de uma caixa de sapatos cheio de tubos de vidro com fios de cobre enrolados na parte de cima. — Ei, é uma daquelas pilhas de Franklin, como as que vimos no museu.
Amy franziu as sobrancelhas.
— O que isso está fazendo num arsenal?
— Não sei, mas vou pegar pra minha coleção!
Apesar dos protestos de Amy, Dan enfiou a pilha na mochila. Coube porque a mochila estava quase vazia. A única outra coisa que tinha ali era a foto dos pais, dentro do protetor de plástico, que ele decidira carregar com ele para dar sorte.
Uma caixa de ovos feita de isopor chamou a atenção dele. Ele abriu e achou uma única esfera de prata com luzinhas vermelhas que piscavam.
— Isso também é legal! — e jogou a esfera para dentro da mochila.
— Dan, não!
— Que foi? Eles têm um monte de outras coisas e não podemos dispensar nenhuma ajuda!
— Pode ser perigoso.
— Tomara que seja.
Ele estava admirando os shurikens, aquelas armas japonesas em forma de estrela, e pensando em também levar alguns, quando uma porta bateu com força em algum lugar do corredor.
— É bom que ela saiba o que está fazendo — disse um homem em inglês. — Se ela estiver errada...
Uma mulher respondeu em francês. Ambas as vozes foram sumindo no corredor.
— Vamos — insistiu Amy. — Agora.
Eles enfiaram a cabeça para fora da porta para ter certeza de que a barra estava limpa, então saíram do arsenal e foram penetrando no interior do prédio. No fim do corredor havia outra sacada, voltada para uma grande sala redonda. O que Dan viu então lembrava um centro de comando militar. Havia computadores nas paredes e, no meio da sala, uma mesa de conferência que parecia ser uma enorme tevê de tela plana. Irina Spasky estava sozinha, debruçada no tampo da mesa. Havia pilhas de papéis e pastas ao seu lado. Ela estava digitando comandos no tampo da mesa, ampliando e encolhendo imagens. Sua concentração se voltava para um mapa de satélite da cidade.
Dan não ousou falar, mas trocou olhares com Amy.
Quero um desses, ele disse a ela.
A expressão de Amy era: Quieto!
Eles se agacharam atrás do parapeito da sacada e observaram enquanto Irina davazoom em diferentes locais do mapa. Ela conferiu o Almanaque do Pobre Richard e em seguida pegou um bloco de papel e anotou alguma coisa. Então apanhou o livro e o bloco e saiu depressa da sala, retornando para a entrada principal.
— Amy, vamos! — Dan passou a perna por cima do parapeito.
— Você vai quebrar as pernas!
— É só segurar a borda e soltar o corpo. Já fiz isso do telhado da escola um milhão de vezes. É fácil.
Ele fez isso. E foi fácil. Um segundo depois estavam ambos na mesa de conferência, olhando a imagem que ainda oscilava na tela: um ícone branco de alvo pairando sobre um ponto específico em Paris. O endereço brilhava em letras vermelhas: Rua des Jardins, 23.
Dan apontou para uma faixa azul ao redor do ponto.
— Isso é água. O que significa que essa pequena mancha onde está o alvo deve ser uma ilha.
— A ilha de Saint-Louis — disse Amy. — Fica no rio Sena, bem no meio de Paris. Você consegue decorar esse endereço?
— Já decorei.
Então Dan notou outra coisa, uma foto que estava em cima dos arquivos de Irina. Ele pegou a foto e sentiu um enjoo no estômago.
— É ele.
Dan mostrou a foto a Amy. Era um homem mais velho de cabelo grisalho e terno preto, atravessando a rua. A foto estava borrada, mas devia ter sido tirada em Paris. Dan percebeu isso por causa dos prédios de pedra amarela e das placas em francês.
— O homem de preto está aqui.
— Mas por que... — Amy ficou pálida.
Eles ouviram uma voz de algum lugar no corredor:
— ... J'entends des mouvements. Fouillez le bâtiment.
Dan não precisava entender francês para saber que aquilo significava encrenca. Ele e Amy correram na direção oposta à voz, seguindo por outro corredor.
— Arrêtez!  — um homem gritou atrás dele. Imediatamente, dispararam vários alarmes.
— Ah, que ótimo! — disse Amy.
— Por aqui!
Dan virou num corredor. Não teve coragem de olhar para trás. Ouvia os perseguidores chegando mais perto, botas que batiam com força no chão de mármore.
— Barras! — avisou Amy.
As defesas automáticas do prédio deviam ter sido ativadas. Bem na frente deles, várias barras de metal estavam descendo do teto, bloqueando o corredor.
— Escorrega! — gritou Dan.
— O quê? — Amy perguntou, olhando de relance para os guardas.
Dan correu para a frente e se jogou no chão como se estivesse num escorregador de água, deslizando por baixo das barras.
— Vamos!
Amy hesitou. As barras estavam baixando – agora a um metro do chão, agora a 70 centímetros. Atrás dela, dois fortões em trajes pretos de segurança se aproximavam depressa, armados com cassetetes.
— Amy, agora!
Ela se jogou no chão e rastejou por baixo das barras. Dan a puxou bem no instante em que elas bateram no piso. Os guardas tentaram agarrá-los através das barras, porém Dan e Amy já estavam correndo.
Eles acharam uma porta aberta e mergulharam dentro de um salão.
— A janela! — disse Dan.
Uma cortina de malha de metal estava se fechando por cima do vidro. Metade já tinha descido. Não havia tempo para pensar. Dan pegou um busto de Napoleão da mesinha de centro e o arremessou contra o vidro.
CRASH!
Ele ouviu os guardas no corredor gritando por cima da algazarra de alarmes.
Dan chutou para fora os cacos de vidro que ainda sobraram.
— Vai! — ele disse a Amy.
Ela se enfiou pela janela e ele foi atrás, tirando o pé esquerdo segundos antes de a cortina de metal bater no caixilho da janela. Os dois cruzaram o jardim em grande velocidade, escalaram os portões de ferro e atravessaram a rua. Agacharam-se atrás da van roxa de sorvete e deitaram no chão, ofegantes. Dan olhou para trás, mas não havia sinal de ninguém os seguindo. Pelo menos, não ainda.
— Não vamos fazer isso de novo — disse Amy.
O coração de Dan batia rápido. Agora que estava fora de perigo, ele percebeu como tinha se divertido.
— Quero um arsenal! E uma dessas mesas com tela de computador. Amy, precisamos montar nosso próprio quartel-general secreto!
— Ah, claro — disse Amy, ainda ofegante. Ela tirou do bolso algumas moedas e notas. — Ainda tenho 253 euros. Você acha que dá para comprar um quartel-general secreto?
Dan sentiu um aperto no coração. Ela não precisava ser tão maldosa, mas tinha razão. Eles estavam torrando depressa o dinheiro. Dan não tinha muito mais que ela. A maior parte fora dada a Nellie, para pagar as despesas da viagem, porém ainda assim não era muito. Se eles precisassem pegar um avião para outro lugar depois de Paris... Ele decidiu não pensar nisso. Uma coisa por vez.
— Vamos voltar pro metrô — ele disse.
— Sim. Voltar para Nellie. Ela deve estar preocupada.
Dan fez que não com a cabeça.
— Não dá tempo. Rua des Jardins, 23. Precisamos descobrir o que tem naquela ilha e chegar lá antes da Irina!

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