sábado, 29 de março de 2014

Capítulo 4

Dan sentiu uma tontura, como da vez que tinha comido vinte pacotes de bala. Ele não podia acreditar no tanto de dinheiro que tinham acabado de jogar no lixo.
Desde que era pequeno, Dan sonhava em fazer alguma coisa que deixaria seus pais orgulhosos. Sabia que eles estavam mortos, é claro. Mal se lembrava deles. E, mesmo assim, achava que se pudesse realizar algo incrível – ainda mais legal que montar a melhor coleção de cards de beisebol de todos os tempos ou se tornar um lorde ninja – seus pais de algum modo saberiam. E ficariam orgulhosos. Essa competição para se tornar o maior Cahill de todos os tempos parecia a chance perfeita.
Além disso, Dan gostava de tesouros. E ainda de quebra o rosto da tia Beatrice ficou totalmente roxo enquanto ela saía da sala pisando duro, batendo a porta atrás de si.
Agora o Salão Principal estava vazio, exceto pelas sete equipes e o senhor McIntyre.
Depois de um silêncio tenso, o velho advogado disse:
— Podem abrir seus envelopes.
RASG, RASG, RASG.
A pista estava escrita em caligrafia preta, num papel de cor creme. Lia-se:


— É isto? — gritou Mary-Todd Holt. — É só isto que nós recebemos?
— Doze palavras — Eisenhower Holt resmungou. — Isto são... — Ele começou a contar nos dedos.
— Quase 500 mil dólares por palavra — completou Alistair Oh — considerando que a sua família abriu mão de 5 milhões de dólares. Para mim foi uma pechincha. Cada palavra me custou menos de 100 mil.
— Isso é ridículo! — disse Madison Holt. — Precisamos de mais pistas!
— Richard S___ — Ian pensou em voz alta. — Ora, quem será?
Ele olhou para a irmã, e ambos sorriram como se estivessem fazendo uma piada interna. Dan teve vontade de chutá-los.
— Espere um instante — reclamou o pai de Jonah Wizard. — Todos receberam a mesma pista? Porque meu filho só trabalha com material exclusivo. Está no contrato dele.
— As 39 pistas — disse o senhor McIntyre — são os grandes passos que levam à meta final. Elas são as mesmas para todas as equipes. A primeira, que vocês acabaram de receber, é a única que será tão simples.
— Simples? — Alistair Oh ergueu as sobrancelhas. — Então não quero nem ver as difíceis.
— No entanto — continuou o senhor McIntyre — existem muitos caminhos para cada pista. Dicas e segredos foram escondidos para vocês encontrarem, ou seja, pistas para as pistas.
— Estou ficando com dor de cabeça — disse Sinead Starling.
— Como vocês vão agir, fica inteiramente por sua conta — disse o senhor McIntyre. — Mas lembrem-se: vocês todos buscam o mesmo fim, e apenas uma equipe conseguirá. Não há um minuto a perder.
Irina Spasky dobrou sua pista, enfiou-a na bolsa e saiu pela porta.
Alistair Oh franziu a testa.
— Parece que a prima Irina tem uma ideia.
Os trigêmeos Starling juntaram suas cabeças. Então, como se tivessem tido uma iluminação coletiva, levantaram tão depressa que derrubaram as cadeiras e correram para fora.
O pai de Jonah Wizard o puxou até um canto. Eles tiveram uma discussão acalorada e seu pai digitou alguma coisa no BlackBerry.
— Tô vazando — disse Jonah. — Falou, manés. — E eles partiram.
Com isso eram três equipes que já tinham saído, e Dan ainda não fazia ideia do que a pista significava.
— Bem. — Ian Kabra se espreguiçou devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Está pronta, minha cara irmã?
— Para humilhar nossos primos americanos? — Natalie sorriu. — Estou sempre pronta.
Dan tentou fazê-los tropeçar quando eles passaram, mas os dois saltaram agilmente sobre a perna dele e continuaram andando.
— Certo! — anunciou prontamente o senhor Holt. — Equipe, formação!
A família Holt ficou de pé num pulo. O pit bull valentão, Arnold, latia e pulava ao redor como se tentasse morder o nariz deles.
— Para onde estamos indo agora, pai? — Hamilton perguntou.
— Não sei. Mas os outros estão indo embora! Vamos atrás deles!
Eles marcharam em passo acelerado para fora do Salão Principal, onde restaram apenas Amy, Dan, Alistair Oh e William McIntyre.
— Puxa vida — Alistair suspirou. Com seu terno preto e sua gravata de seda, Dan achou que ele parecia um mordomo. Um mordomo com um segredo. Seus olhos pareciam estar sorrindo, mesmo quando ele não estava. — Acho que vou dar um passeio lá fora e pensar sobre isto.
Dan ficou aliviado ao vê-lo partir. Alistair parecia ser o mais bonzinho entre os concorrentes, mas ainda era um concorrente.
Dan olhou outra vez para a pista, mais frustrado do que nunca.
— Resolução. Descobrir o que aparece. Richard S___. Não entendo.
— Não posso oferecer ajuda em relação à pista. — O senhor McIntyre esboçou um sorriso fraco. — Mas sua avó ficaria contente por vocês terem aceitado o desafio.
Amy balançou a cabeça.
— Nós não temos chance, temos? Os Kabra e os Starling são ricos. Jonah Wizard é famoso. Os Holt são monstros de esteroides. Alistair e Irina parecem tão... não sei...vividos. E Dan e eu...
— Têm outros talentos — o senhor McIntyre completou. — E tenho certeza de que vocês vão descobri-los.
Dan releu a pista. Ele pensou em cards de beisebol, letras e autógrafos.
— Temos que encontrar esse tal Richard — ele decidiu. — Mas por que o sobrenome dele é só S___?
Os olhos de Amy se arregalaram.
— Espere um instante. Lembro de ter lido que, por volta de 1700, as pessoas costumavam fazer isso. Usavam apenas uma letra quando queriam disfarçar seus verdadeiros nomes.
— Ah — disse Dan. — Então, tipo, eu podia falar que a A___ tem cara de bunda de babuíno, e você não saberia de quem eu estou falando?
Amy deu um tapa na orelha dele.
— Ai!
— Crianças — interrompeu o senhor McIntyre. — Vocês já vão ter inimigos suficientes sem brigar um com o outro. Além disso... — Ele conferiu seu relógio de bolso dourado. — Além disso, não temos muito tempo, e de fato preciso contar uma coisa a vocês, algo que sua avó queria que vocês soubessem.
— Uma dica exclusiva pra gente? — Dan perguntou, esperançoso.
— Um aviso, meu jovem mestre Dan. Vejam, todos os Cahill, se sabem que são Cahill, pertencem a um dos quatro clãs principais.
Amy se endireitou.
— Eu me lembro disso! Grace me contou uma vez.
Dan franziu a testa.
— Quando ela te contou isso?
— Na biblioteca, uma tarde. Estávamos conversando.
— Ela não contou pra mim!
— Talvez você não estivesse prestando atenção! E existem quatro clãs. O Ekaterina, o Janus, o... hã, Tomas e o Lucian.
— De qual nós somos? — Dan perguntou.
— Não sei. — Amy olhou para McIntyre pedindo ajuda. — Ela só mencionou os nomes. Não quis me contar de qual nós somos.
— Infelizmente não posso ajudar vocês com isso. — Dan percebeu pelo tom de sua voz que ele estava escondendo alguma coisa. — No entanto, crianças, é fato que existe outro... digo, outra parte interessada a respeito da qual vocês precisam saber. Não é um dos quatro clãs da família Cahill, mas um grupo que pode tornar a busca de vocês mais difícil.
— Os ninjas? — Dan perguntou entusiasmado.
— Nada tão inofensivo — o senhor McIntyre respondeu. — Posso lhes contar muito pouco sobre eles. Confesso que só sei o nome e algumas histórias perturbadoras. Mas vocês devem tomar cuidado com eles. Este foi o último aviso que sua avó me fez prometer lhes transmitir se vocês aceitassem o desafio: Cuidado com os Madrigal.
Um calafrio percorreu a espinha de Dan. Ele não sabia ao certo por quê. O nome Madrigal apenas soava como algo maligno.
— Mas, senhor McIntyre, quem...
— Meu rapaz, não posso lhe dizer mais nada. Já desrespeitei as regras da competição contando o que acabei de contar. Apenas me prometam que não vão confiar em ninguém. Por favor. Para sua própria segurança.
— Mas nós nem sabemos por onde começar! — Amy protestou. — Todos os outros saíram correndo como se soubessem o que fazer. Precisamos de respostas!
O senhor McIntyre se levantou. Ele fechou sua pasta de couro.
— Preciso voltar ao meu escritório. Mas, meus caros, talvez o jeito de vocês descobrirem as coisas não seja o mesmo das outras equipes. O que vocês fazem normalmente quando precisam de respostas?
— Eu leio um livro — Amy exclamou. — A biblioteca! A biblioteca da Grace!
Ela saiu correndo do Salão Principal. Dan não costumava correr entusiasmado quando a irmã sugeria uma visita à biblioteca. Desta vez, ele correu.

***

A biblioteca ficava ao lado do quarto de Grace – um grande aposento rebaixado, forrado de estantes de livros. Dan achou meio sinistro voltar ali só com Amy, principalmente porque Grace morrera no quarto ao lado em sua grande cama suntuosa. Ele esperava que todos os cômodos estivessem cobertos com panos pretos, com lençóis sobre os móveis como se via nos filmes, mas a biblioteca estava iluminada, arejada e alegre como sempre tinha sido.
Aquilo não pareceu correto a Dan. Com Grace morta, a mansão deveria estar escura e sombria – que era um pouco como ele se sentia. Ele olhou para a cadeira de couro perto da janela e se lembrou de uma vez que ficara ali sentado, brincando com uma adaga de pedra muito legal que conseguira tirar de um mostrador trancado. Grace chegara tão silenciosamente que ele não percebeu sua presença até que ela estivesse parada bem do seu lado. Em vez de ficar brava, ela se ajoelhara junto a ele. Essa adaga é de Tenochlitlán, ela disse. Guerreiros astecas costumavam carregar adagas assim para rituais de sacrifício. Eles cortavam fora as partes dos inimigos que acreditavam conter seu espírito guerreiro. Ela lhe mostrara como a lâmina era afiada e então o deixara sozinho. Não lhe disse para tomar cuidado. Não ficou brava porque ele arrombara o armário dela. Agira como se a curiosidade dele fosse totalmente normal e até admirável.
Nenhum adulto jamais entendera Dan tão bem. Pensando nisso agora, ele sentia como se alguém tivesse cortado fora parte de seu espírito.
Amy começou a vasculhar os livros da biblioteca. Dan tentou ajudar, mas não fazia ideia do que estava procurando e logo ficou entediado. Ele girou o velho globo com mares marrons e continentes em cores estranhas, se perguntando se daria uma boa bola de boliche. Então notou abaixo do oceano Pacífico uma coisa que nunca tinha visto antes – uma assinatura.
Grace Cahill, 1964.
— Por que Grace autografou o globo? — ele perguntou para a irmã.
Amy olhou de relance para ele.
— Ela era cartógrafa. Fazia mapas e era exploradora. Ela mesma fez esse globo.
— Como você sabe disso?
Amy revirou os olhos.
— Porque eu escutava as histórias dela.
— Ah. — Essa ideia nunca ocorrera a Dan. — Então, que lugares ela explorou?
— Todos — disse a voz de um homem.
Alistair Oh estava apoiado em sua bengala na soleira da porta, sorrindo para eles.
— Sua avó explorou todos os continentes, Dan. Aos 25 anos ela já falava seis línguas fluentemente, sabia manejar uma lança ou um bumerangue ou um rifle com a mesma habilidade, e se orientava em quase toda grande cidade do mundo. Ela conhecia Seul, minha cidade natal, melhor do que eu. Então, por motivos desconhecidos, voltou para se assentar em Massachusetts. Uma mulher misteriosa... essa era Grace.
Dan queria ouvir mais sobre a habilidade de Grace com o bumerangue. Aquilo parecia demais! Mas Amy se afastou da estante de livros. Seu rosto estava vermelho.
— A-Alistair. Hã... O que você quer?
— Oh, não quero atrapalhar vocês. Não vou me intrometer.
— É, mas... não tem nada aqui — Amy balbuciou. — Eu estava esperando... não sei. Alguma coisa que tinha visto antes, mas eu já li a maioria destes. Na verdade nem são tantos. E não tem nada sobre Richard S___.
— Minhas caras crianças, posso sugerir uma coisa? Vamos formar uma aliança.
Dan ficou desconfiado na mesma hora.
— Por que você ia querer formar uma aliança com crianças?
O velho homem deu uma risadinha.
— Vocês têm inteligência e juventude, e um jeito de ver as coisas. Eu, de outro lado, tenho recursos e idade. Posso não ser um dos Cahill mais famosos, mas até mudei um pouco o mundo do meu próprio jeito. Vocês sabem que minha fortuna vem de invenções, não é? Sabiam que fui eu que inventei o burrito para micro-ondas?
— Uau — Dan disse. — Impressionante.
— Não precisa me agradecer. A questão é que tenho recursos à minha disposição. E vocês sabem que não podem viajar pelo mundo sozinhos. Vão precisar de um acompanhante adulto.
Viajar pelo mundo?
Dan não tinha pensado naquilo. Ele não recebera permissão nem para ir a Nova York no trabalho de campo do quarto ano na primavera passada, porque tinha colocado Mentos na Coca Zero da professora de espanhol. A ideia de que aquela caça ao tesouro poderia levá-los a qualquer lugar do mundo o deixou um pouco zonzo.
— Mas... mas não podemos nos ajudar — Amy disse. — Cada equipe deve atuar sozinha.
Alistair espalmou as mãos.
— Não podemos ambos vencer. Mas esse desafio pode levar semanas, talvez meses. Até o fim, com certeza podemos colaborar um com o outro. Somos uma família afinal.
— Então nos dê uma ajuda — Dan decidiu. — Não tem nada aqui sobre Richard S___. Onde procuramos?
Alistair bateu no chão com a bengala.
— Grace era uma mulher de segredos. Mas ela adorava livros. Era louca por eles. E você tem razão, Amy. Parece estranho haver tão poucos livros aqui.
— Você acha que ela tinha mais livros? — Amy cobriu a boca com a mão. — Uma... uma biblioteca secreta?
Alistair deu de ombros.
— É uma casa grande. Podemos nos separar e procurar.
Mas então Dan notou uma coisa, um daqueles pequenos detalhes aleatórios que muitas vezes captavam sua atenção. Na parede, bem acima da estante de livros, havia um brasão de gesso igual ao que havia acima da porta da frente da mansão, um “C” enfeitado com quatro insígnias menores ao redor – um dragão, um urso, um lobo e um par de cobras enroladas em volta de uma espada. Ele devia ter visto aquilo um milhão de vezes antes, mas nunca notara que os brasões menores tinham cada um uma letra gravada no meio – E, T, J, L.


— Me arranje uma escada — ele disse.
— O quê? — Alistair perguntou.
— Não precisa — Dan decidiu.
Ele começou a escalar a estante, derrubando livros e cacarecos.
— Dan, desça daí! — Amy brigou com ele. — Você vai cair e quebrar o braço de novo!
Dan tinha alcançado o brasão e percebeu o que precisava fazer. As letras estavam manchadas, mais escuras que o resto da pedra, como se tivessem sido tocadas muitas vezes.
— Amy — ele gritou para baixo — quais eram mesmo aqueles quatro clãs?
— Ekaterina — ela gritou. — Tomas, Lucian, Janus.
— Ekaterina. — Dan repetiu enquanto apertava o E. — Tomas, Lucian, Janus.
Quando ele apertou a última letra, a estante inteira se dobrou para fora. Dan precisou pular do alto dela para evitar ser esmagado num sanduíche de livros.
Onde antes estivera a estante havia agora uma escadaria escura.
— Uma passagem secreta — disse o tio Alistair. — Dan, estou impressionado.
— Pode ser perigoso! — Amy disse.
— Tem razão — concordou Dan. — Primeiro as damas.

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