Amy podia passar a vida inteira na biblioteca secreta. Em vez disso, quase morreu ali.
Ela foi à frente, descendo a escada, e ficou boquiaberta ao ver tantos livros. Era livro que não acabava mais. Ela antes achava que a biblioteca pública em Copley Square era a melhor do mundo, mas aquela era ainda melhor.
As estantes eram de madeira escura, e os livros eram encadernados em couro e muito antigos, com títulos dourados nas lombadas. Tapetes orientais cobriam o chão. Havia cadeiras confortáveis dispostas em vários pontos do cômodo, para que se pudesse sentar em qualquer lugar e começar a ler. Havia mapas e fólios imensos espalhados em grandes mesas. Encostados numa das paredes, viam-se uma fileira de arquivos de carvalho e um computador enorme com três monitores separados, parecendo os que se usam na NASA. Lustres de vidro pendiam do teto abobadado e forneciam bastante luz, embora o cômodo fosse obviamente subterrâneo. Eles tinham descido bastante para chegar lá, e não havia janelas.
— Este lugar é incrível! — Amy correu para dentro da biblioteca.
— Livros — disse Dan, sem entusiasmo. — Oba.
Ele foi olhar o computador, mas estava travado na tela inicial que pedia a senha. Dan mexeu numas gavetas dos arquivos, porém estavam todas trancadas.
Tio Alistair recolheu com cuidado um fólio vermelho da estante.
— Latim. A componha de César na Gália, copiada em velino. Parece ter sido copiado à mão por um escriba, por volta... Nossa! De 1500.
— Deve valer uma fortuna — Amy disse.
Dan de repente pareceu mais interessado.
— Que tal vendermos estes livros? Tipo, na internet?
— Oh, cale a boca, Dan. Estes livros não têm preço. — Ela passou os dedos pelas lombadas: Maquiavel, Melville, Milton. — Estão em ordem alfabética por sobrenome do autor. Encontrem a letra S!
Eles encontraram, mas foi uma decepção. Havia dez estantes abarrotadas de tudo desde a primeira edição das obras completas de Shakespeare até as Todas as músicas de Bruce Springsteen, mas nenhum autor cujo primeiro nome fosse Richard.
— Tem alguma coisa... — Amy murmurou.
O nome Richard S, associado à palavra resolução, parecia tentar lhe dizer alguma coisa. Eles combinavam, mas ela não sabia como. Amy ficava irritada quando não conseguia lembrar das coisas. Lia tantos livros que às vezes eles se misturavam em sua cabeça.
Então ela lançou um olhar mais à frente no corredor. No final da estante, embolado em cima de uma caixa sobre uma mesa pequena, estava um velho amigo.
— Saladin! — ela gritou.
O gato abriu seus olhos verdes e disse Prrr? Sem muita surpresa, como se estivesse perguntando: Ah, é você? Trouxe meu salmão?
Amy e Dan correram até ele. Saladin tinha o pelo mais bonito que Amy já tinha visto – prateado com manchas, como um leopardo-das-neves em miniatura. Quer dizer, não tão miniatura, na verdade, pois ele era enorme, com patas imensas e um longo rabo listrado.
— Saladin, o que você está fazendo aqui embaixo? — Amy acariciou as costas dele.
O gato fechou os olhos e ronronou. Amy sabia que era só um gato, mas estava tão feliz em vê-lo que quase chorou. Era como se uma parte de Grace ainda estivesse viva.
— Ei, Saladin — disse Dan. — Que é essa caixa em que você está sentado em cima, bichano?
— Prrr— Saladin reclamou enquanto Dan o levantava.
Embaixo do gato havia uma caixa de mogno polido com as iniciais douradas G. C. gravadas na tampa.
O coração de Amy parou por um instante.
— É a caixa de joias da Grace!
Amy abriu a caixa e lá estavam as joias de Grace, que Amy adorava desde que era pequena. Grace costumava deixá-la brincar com elas: uma pulseira de pérolas, um anel de diamante, um par de brincos de esmeralda. Só muito mais tarde é que Amy percebeu que aquelas coisas eram de verdade e valiam milhares de dólares.
Ela piscou com lágrimas nos olhos. Agora que havia encontrado Saladin e a caixa de joias, sentiu que de fato estava no lugar mais secreto de Grace. Ela sentia tanta saudade da avó que doía. Então tirou da caixa uma joia muito familiar...
— Puxa vida — disse Alistair. — Esse era o colar favorito dela, não é?
Ele tinha razão. Amy nunca tinha visto sua avó sem aquele colar: 12 quadrados esculpidos em jade, com um medalhão no centro mostrando um dragão verde. Grace dizia que aquele era seu talismã da sorte.
Amy tocou o dragão, no centro. Ela ficou se perguntando por que Grace não tinha sido enterrada com aquele colar. Não parecia correto.
— Ei! — Dan chamou. — Olhem isto!
Amy encontrou o irmão em outro corredor, segurando Saladin e olhando fixo para um mapa gigante preso na parede, coberto de alfinetes. Os alfinetes eram de cinco cores diferentes: vermelho, azul, amarelo, verde e branco. Todas as grandes cidades do mundo pareciam ter pelo menos um. Algumas áreas estavam marcadas só com alfinetes vermelhos, algumas com verde ou azul, outras com várias cores.
— Ela fez vodu no mundo! — Dan disse.
— Não, seu besta. Devem ser marcadores. Eles indicam onde alguma coisa está.
— Tipo o quê?
Amy balançou a cabeça. Ela achou aquele mapa meio sinistro.
— Talvez alguma coisa sobre os Cahill? — Ela olhou de relance para Alistair.
— Não sei, querida. — Ele franziu a testa. — Muito curioso.
Mas ele não queria olhar nos olhos dela, e Amy teve a sensação de que ele escondia alguma coisa.
— Veja a Europa — disse Dan. — E a costa leste dos Estados Unidos.
Essas áreas estavam cheias de alfinetes das cinco cores. Amy mal conseguia ver as cidades embaixo. Se aqueles alfinetes representavam os Cahill, então parecia que eles surgiram em algum lugar da Europa e se espalharam pelo mundo, colonizando intensamente a América do Norte.
Então ela pensou: Europa. África. América Central e do Sul. América do Norte. O nome Richard S_ estava outra vez tentando lhe dizer algo, tentando trazer alguma coisa à tona. Um nome do século XVIII, alguém que tinha escrito resoluções...
De repente, ela se virou e saiu correndo pela fileira de estantes.
— Ei! — Dan gritou, enquanto Saladin se retorcia para fora de seus braços. — Amy, para onde você está indo agora?
— Para a letra F! — ela gritou.
— Procurar o quê? Fracasso?
Ela chegou à letra F e logo encontrou o que queria: um livro minúsculo, tão surrado que estava se despedaçando. A capa, decorada com uma xilogravura vermelha e branca, mostrava alguns colonos. O título estava apagado, mas ela ainda conseguiu ler:ALMANAQUE DO POBRE RICHARD, ano de 1739, por Richard Saunders.
— É claro! — disse o tio Alistair. — Muito bem, querida. Isso foi incrível!
Contra sua vontade, Amy sentiu seu rosto ficar vermelho de orgulho.
— Espere um minuto — disse Dan. — Se isto foi escrito por Richard Saunders, o que está fazendo na letra F?
— Richard Saunders era um pseudônimo — explicou o tio Alistair.
Dan juntou as sobrancelhas.
— Um pé falso?
Amy queria estrangulá-lo, mas Alistair respondeu pacientemente:
— Não, meu caro rapaz. Um pé falso é um pseudó- podo. Um pseudônimo é um nome falso, um nom de plume, um disfarce para o autor. Este livro foi escrito por uma pessoa muito famosa.
— Benjamin Franklin — disse Amy. — Fiz um trabalho sobre ele no ano passado.
Ela abriu o livro. O texto era impresso em letras de forma sem muita pontuação, e por isso difícil de ler, mas havia tabelas, ilustrações, colunas de números.
— Esta é a coisa mais famosa que Franklin já publicou. O Pobre Richard era um personagem que Franklin criou. Ele tinha diversos pseudônimos como esse. Quando escrevia, fingia que era outra pessoa.
— Então somos parentes de um cara com múltipla personalidade — disse Dan. — Que ótimo. Mas os almanaques não são esportivos?
— Não é esse tipo de almanaque — Amy respondeu. — Este tem informações para fazendeiros. É como um anuário com dicas e artigos úteis. Franklin pôs aqui todas as suas citações famosas, como "Quem dorme cedo, cedo acorda".
— Entendi.
— E "Pedra que rola não cria limo".
— Por que um fazendeiro ia se importar se uma pedra cria limo ou não?
Amy ficou tentada a bater nele com o livro. Quem sabe isso soltasse as pedras dentro da cabeça dele. Mas manteve a calma.
— Dan, a questão é que ele ficou muito famoso por isso. E ganhou rios de dinheiro.
— Está bem... — Dan pescou o papel com a primeira pista. Ele franziu a testa. — Então achamos Richard S. Como isso nos ajuda a encontrar o tesouro? E o que significa REF. DO SEGREDO: RESOLUÇÃO?
— REF. DO SEGREDO deve ser "referência do segredo". E quanto à "resolução", Franklin costumava escrever resoluções para si mesmo — disse Amy. — Eram promessas, regras que ele queria seguir para melhorar como pessoa.
— Tipo resoluções de Ano-Novo?
— Mais ou menos, mas ele as escrevia o ano inteiro. Não só no Ano-Novo.
— Então isso fazia parte do Almanaque do Pobre Richard?
Amy franziu as sobrancelhas.
— Não — ela disse, impaciente. — As resoluções dele eram de um livro diferente. Sua autobiografia, eu acho. Talvez a palavra RESOLUÇÃO tenha sido incluída na pista só para nos ajudar a pensar em Benjamin Franklin. Não tenho certeza...
Ela virou uma página do Almanaque do Pobre Richard. Havia notas rabiscadas nas margens com várias caligrafias diferentes. Amy perdeu o fôlego. Reconheceu uma linha escrita numa letra elegante em tinta roxa no pé de uma página. Ela tinha visto aquela mesma letra em cartas antigas, tesouros que Grace lhe mostrava de vez em quando. A anotação dizia apenas Sigam Franklin, primeira pista. Labirinto dos Ossos.
— Mamãe escreveu aqui! — ela gritou. — Ela sempre usava uma caneta roxa!
— O quê? — Dan disse. — Deixa eu ver!
— Posso? — perguntou Alistair.
Amy queria segurar o livro para sempre. Queria devorar cada palavra que sua mãe escrevera nele. Mas, com relutância, o entregou para Alistair.
— Mas me devolva rápido — ela insistiu.
— Não é justo! — disse Dan.
Alistair pôs os óculos e examinou algumas páginas.
— Interessante. Diversas gerações estiveram em posse deste livro. Estas anotações aqui são na letra de Grace. E aqui, a letra de meu pai, Gordon Oh. E aqui... James Cahill, o pai de Grace. Eles eram irmãos, sabe, embora a mãe de Gordon, minha avó, fosse coreana.
— Ótimo — disse Dan, impaciente. — Mas por que nossa mãe estava escrevendo sobre Ben Franklin?
Alistair arqueou as sobrancelhas.
— Obviamente, Benjamin Franklin era um Cahill. Isso não me surpreende. Afinai, ele também era inventor como eu. Imagino que a maioria dos livros desta biblioteca foi escrita por membros da nossa família, estivessem eles cientes de sua verdadeira linhagem ou não.
Amy ficou atordoada. Todos aqueles autores famosos... eram Cahill? Era possível que, sempre que ela se sentara numa biblioteca, perdida em livros, na verdade estivera lendo as palavras de seus parentes? Ela não conseguia acreditar que os Cahill pudessem ser tão poderosos, mas o senhor Mclntyre lhes dissera que a família deles ajudara a formar a civilização. Pela primeira vez, ela se deu conta do que aquilo podia significar. Sentiu como se uma enorme cratera se abrisse aos seus pés.
Como a mãe dela sabia da primeira pista, anos antes de a busca começar? Por que ela tinha escolhido escrever neste livro? O que ela queria dizer com Labirinto dos Ossos? Eram muitas as perguntas.
Enquanto isso, Dan pulava de um lado para o outro, irritante como sempre.
— Eu sou parente do Benjamin Franklin? Você está de brincadeira!
— Por que você não vai empinar pipa numa tempestade pra ver se leva choque? — Amy sugeriu.
— Ora, vamos, crianças — disse o tio Alistair. — Temos muito trabalho pela frente semficar implicando uns com os outros. Vamos precisar ler todas estas anotações e...
— Espere. — Todo o corpo de Amy ficou tenso. Um cheiro acre se espalhou pelo ar, — Tem alguém fumando?
Tio Alistair e Dan olharam em volta, confusos.
Então Amy viu. Uma fumaça branca engrossando junto ao teto descia devagar numa névoa mortal.
— Fogo! — gritou Dan. — Corram para a escada!
Mas Amy congelou. Ela morria de medo de fogo. O fogo lhe trazia más lembranças. Lembranças horríveis do passado.
— Vamos! — Dan puxou a mão dela. — Saladin! Precisamos encontrá-lo!
Isso foi o que pôs Amy em ação. Ela não podia deixar nada acontecer com o gato.
— Não dá tempo! — insistiu tio Alistair. — Temos que sair daqui!
Os olhos de Amy ardiam com a fumaça. Ela mal conseguia respirar. Procurou Saladin, mas ele tinha sumido. Por fim, Dan a arrastou escada acima e com o ombro deu um empurrão na porta da estante secreta. A porta não se mexeu.
— Uma alavanca — Dan tossiu. — Tem que ter uma alavanca.
Dan geralmente era bom de entender coisas mecânicas, mas eles tatearam ao redor à procura de um interruptor ou de uma alavanca e não encontraram nada. A fumaça estava ficando mais densa. Amy empurrou a parede e gritou:
— A superfície está esquentando! O fogo está vindo do outro lado. Não podemos abrir!
— Precisamos abrir! — Dan insistiu, mas foi a vez de Amy puxá-lo para longe.
Ela o arrastou de volta escada abaixo. A fumaça era tanta que eles mal conseguiam enxergar um ao outro.
— Abaixe o máximo que conseguir! — disse Amy.
Ela e Dan rastejaram pela biblioteca, procurando desesperadamente outra saída. Ela não fazia ideia de onde o tio Alistair tinha se metido. As estantes de livros estavam pegando fogo. Papel velho e seco, o combustível perfeito.
Amy subiu numa mesa e encontrou a caixa de joias. Não pegue objetos de valor. Ela sabia que essa era uma das primeiras regras para quem quer sair vivo de um incêndio. Mas apanhou a caixa e continuou rastejando.
O calor estava ficando pior. O ar se enchia de cinzas. Era como respirar numa névoa de veneno. Amy não conseguia nem rastejar depressa porque estava usando aquele vestido fúnebre imbecil. Ela ouviu Dan tossindo e chiando atrás dela. A asma... Fazia meses que ele não tinha um ataque, mas aquela fumaça podia matá-lo se o calor não os matasse antes.
Pense, ela ordenou a si mesma. Se ela fosse Grace e construísse um aposento secreto nunca faria uma única saída.
Amy se agachou no chão, tossindo e engasgando. Tudo o que conseguia enxergar era o tapete oriental um desfile de dragões tecidos em seda.
Dragões... Como o que havia no colar de Grace. E todos voavam na mesma direção,como se estivessem indicando um caminho. Era uma ideia maluca, mas foi a única que ela teve.
— Me siga! — Amy disse.
Dan respirava com tanta dificuldade que não conseguiu nem responder. Amy continuou rastejando olhando para trás de vez em quando para conferir se ele ainda estava atrás dela. Os dois seguiram os dragões por entre duas estantes em chamas até chegar a um beco sem saída, em frente a uma grade de ventilação com cerca de um metro quadrado. Não era muito grande, mas talvez fosse suficiente. Amy chutou a grade com os pés. Só na terceira tentativa a grade caiu e revelou um túnel de pedra que conduzia para cima.
— Dan! — ela gritou. — Sobe!
Ela empurrou o irmão para dentro do túnel e percebeu assustada que ele estava segurando Saladin. De algum modo ele encontrara o gato, e o bichano não ficara contente com isso. Saladin dava patadas, unhadas e rosnava, mas Dan o prendia com força. Amy foi atrás, seguindo-o, mal conseguindo respirar no túnel enfumaçado. Seus olhos ardiam como se tivessem sido alvejados por jatos de areia. Eles subiram pelo túnel escuro e, depois de um tempo que pareceu infinito, Dan parou de avançar.
— O que você está fazendo? — Amy perguntou.
O calor não estava tão ruim agora, mas a fumaça ainda engrossava ao redor deles.
— Está bloqueado! — Dan disse chiando.
— Empurre!
Na escuridão total, ela rastejou para perto dele e juntos empurraram uma placa de pedra lisa que estava bloqueando o caminho. Aquilo precisava abrir. Precisava.
E finalmente abriu, pulando feito uma tampa. A luz do dia ofuscou os olhos deles. Eles rastejaram para fora, saindo ao ar livre, e desabaram na grama. Saladin se libertou com um Prrrrr! indignado e disparou na direção das árvores. Os dois estavam deitados no cemitério, a menos de 15 metros do túmulo recém-fechado de Grace. A placa de pedra que eles tinham empurrado para o lado era a lápide de alguém.
— Dan, você está bem?
O rosto de Dan tinha listras de fuligem. Subia fumaça de seus cabelos e suas roupas estavam ainda mais pretas do que eram antes. Ele estava respirando pesado. Seus braços sangravam por causa dos arranhões de Saladin.
— Acho... — ele chiou. — Não quero... mais... colecionar... túmulos... depois disso.
A fumaça era cuspida de dentro do túnel como se fosse uma chaminé, mas isso não era nada comparado com o que Amy viu quando olhou para cima da colina. Ela sentiu um aperto na garganta.
— Oh, não.
A mansão da família era um inferno em chamas. Labaredas dançavam nas janelas e lambiam as laterais da casa. Amy viu uma torre de pedra desmoronar. As belas janelas de mosaico de vidro estavam derretendo. O brasão da família acima da entrada principal – aquele velho brasão de pedra que Amy sempre adorara – despencou e se estilhaçou no cimento.
— Amy... — a voz de Dan parecia prestes a se esfacelar. — A casa... não podemos deixar... precisamos...
Mas ele não concluiu a frase. Não havia nada que eles pudessem fazer. Uma parte do telhado desabou, cuspindo uma bola de fogo no céu. O desespero tirou o ar dos pulmões de Amy, como se a casa estivesse desmoronando em cima dela. Ela estendeu os braços para Dan e o abraçou. Ele nem reclamou. O nariz dele estava escorrendo. Seu lábio inferior tremia. Ela queria tranquilizá-lo, dizer que ficaria tudo bem, mas ela própria não acreditava naquilo.
Então ela notou algo que a despertou do transe. Na estradinha de terra jazia uma pessoa caída, um homem de terno cinza-carvão.
— Senhor Mclntyre! — Amy gritou.
Ela estava prestes a correr para ajudá-lo quando seu irmão exclamou:
— Abaixe!
Dan não era tão forte quanto ela, mas devia estar desesperado, pois a derrubou com tanta força que ela quase comeu grama. Ele apontou para a estrada que cortava as colinas – a única saída da propriedade.
A uns 500 metros de distância, meio escondido entre as árvores, havia um homem de preto em pé, imóvel. Amy não soube como Dan conseguiu avistá-lo de tão longe. Ela não conseguia enxergar o rosto, mas o homem era alto e magro, com cabelos grisalhos, e estava segurando um binóculo. Com um calafrio, Amy percebeu que o homem estava olhando para eles.
— Quem... — Amy começou a falar, mas foi interrompida pelo som de um alarme de carro sendo desativado.
Alistair Oh, coberto de fuligem e fumaça, surgiu correndo da entrada principal da mansão e, cambaleante, foi em direção a sua BMW, carregando alguma coisa junto ao peito. Seu aspecto era horrível. Suas calças estavam rasgadas e seu rosto, branco de cinzas. Amy não fazia ideia de como ele conseguira fugir. Ela quase gritou para chamá-lo, mas alguma coisa a deteve. Alistair passou mancando por William Mclntyre, olhou-o apenas de relance, pulou para dentro do carro e saiu em disparada pela estradinha.
Amy olhou para trás, na direção do bosque, porém o homem de binóculo tinha sumido.
— Fique aqui — ela disse a Dan.
Ela correu na direção do senhor Mclntyre. Dan, é claro, não obedecia a ordens. Ele foi atrás, tossindo o caminho todo. Quando chegaram ao ponto em que estava o senhor Mclntyre, a mansão inteira estava desabando. O calor era como um novo sol. Amy sabia que nada restaria do incêndio, nada além da caixa de joias que ela ainda estava segurando.
Ela pôs a caixa no chão e desvirou o senhor Mclntyre. Ele gemeu, o que pelo menos significava que estava vivo. Amy desejou ter um celular, mas a tia Beatrice nunca permitira. Ela fuçou nos bolsos do senhor Mclntyre, achou o telefone dele e ligou para o 911.
— Ele levou — disse Dan ainda chiando.
— O quê? — Amy não estava prestando atenção.
Ela caiu de joelhos e ficou olhando o único lugar com o qual se importara ser consumido em chamas. Ela se lembrou de Grace contando histórias na biblioteca. Lembrou-se de ter corrido pelos corredores, brincando de pega-pega com Dan quando eles eram pequenos. Pensou no canto secreto do quarto, onde ela gostava de ler com Saladin no colo. Tudo destruído. Todo o corpo dela tremeu. Lágrimas brotaram em seus olhos. Pela segunda vez na vida, o fogo roubara uma coisa dela.
— Amy — Dan parecia prestes a chorar, mas pôs a mão no ombro dela. — Preste atenção. Ele levou. Alistair.
Amy queria mandar Dan ficar quieto e deixar que ela se lamentasse em paz, mas então percebeu do que ele estava falando. Ela ficou de pé com esforço e olhou ao longe, onde as lanternas traseiras da BMW desapareciam atrás de uma colina.
Alistair Oh os enganara. Roubara o Almanaque do Pobre Richard, com as anotações da mãe deles – sua única dica na busca.
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