A pouco mais de um quilômetro de distância, em Copley Square, Irina Spasky – codinome Equipe 5 – estava preocupada com seu veneno. Ela abastecera seus injetores de unha com a mistura de sempre, porém temia que não fosse o bastante para o encontro.
Na época da Guerra Fria, ela e seus colegas da KGB usavam guarda-chuvas injetores de veneno ou passavam spray tóxico em assentos de privada. Aqueles eram bons e velhos tempos! Agora Irina trabalhava sozinha, por isso precisava simplificar as coisas. As agulhas se estendiam quando ela dobrava as pontas dos dedos. Eram quase invisíveis e causavam apenas uma leve espetadinha. O veneno deixava as vítimas muito doentes, talvez paralisadas, durante vários dias – o bastante para dar a Irina uma boa vantagem inicial na busca. E o melhor de tudo, ele era totalmente impossível de ser rastreado e não havia antídoto.
Infelizmente, o veneno agia devagar. As vítimas talvez só mostrassem os sintomas após oito horas ou mais depois de injetado. Se ela precisasse incapacitar depressa os inimigos, teria que usar outros meios.
Era melhor não subestimar Ian e Natalie Kabra. Quando eles tinham 10 e 7 anos, talvez Irina pudesse ter vencido os dois. Agora eles tinham 14 e 11... e a história era muito diferente.
Ela se pôs a andar à toa pela praça Copley, esperando avistá-los. Eles concordaram em usar a tática padrão antimonitoramento, combinando apenas uma área e um horário aproximados para o encontro. As nuvens de tempestade haviam se dissipado. Era uma bela tarde de verão, coisa que Irina odiava. Aquele sol todo, flores e crianças brincando... bah. Ela preferia um inverno cinzento em São Petersburgo, um clima muito melhor para espionagem.
Ela comprou um café num quiosque, então avistou Ian e Natalie do outro lado da praça, andando em frente à igreja Trinity. Os olhos dos irmãos encontraram os dela por um instante, e os dois continuaram andando.
Agora era a vez de Irina. Ela os seguiu a distancia, a fim de verificar se havia algum “rabo” atrás deles – algum vigia, espião ou algum ângulo possível para fotógrafos. Após 15 minutos, não viu nada. Esperou que eles se virassem e a vissem.
Assim que eles fizeram isso, Irina virou de costas e saiu andando. O jogo se inverteu. Ela os conduziu, atravessando a praça, em direção à biblioteca, pois sabia que eles estariam procurando “rabos”. Se vissem alguma coisa, Ian e Natalie desapareceriam. O encontro seria abortado.
Depois de 15 minutos, Irina mudou de direção e notou os Kabra do outro lado da Rua Boylston, ainda na sua cola. Isso queria dizer que a barra estava limpa. Não tinha ninguém vigiando. As crianças viraram rumo ao hotel Copley Plaza, e Irina foi atrás.
Eles se encontraram no saguão cheio de gente, onde nenhuma das partes podia emboscar a outra.
Natalie e Ian pareciam relaxados demais, sentados um em frente ao outro em sofás gorduchos. Os pirralhos não estavam mais trajando luto – Ian vestia uma camisa polo azul-celeste, calças bege e mocassins com franjas; Natalie usava um vestido branco de linho que realçava sua pele cor de café. Seus olhos brilhavam feito âmbar. Os dois eram tão adoráveis que faziam as pessoas virarem a cabeça para olhar, o que não era uma coisa boa para um encontro secreto.
— Vocês chamam muita atenção — Irina deu bronca. — Deviam ser mais feios.
— É por isso que você está viva até hoje, cara prima? — Natalie riu.
Irina queria arranhar aquela fedelha com suas unhas envenenadas, porém manteve a calma.
— Pode me insultar o quanto quiser. Assim não vamos chegar a lugar algum.
— É verdade — disse Ian. — Temos um problema em comum. Por favor, sente-se.
Irina pensou por um instante. Ela teria que sentar ao lado de Ian ou de Natalie, e nenhum dos dois era seguro. Ela escolheu a menina. Talvez fosse mais fácil dominá-la caso precisasse chegar a esse ponto. Natalie deu um sorriso e abriu espaço para ela no sofá.
— Você pensou na nossa proposta? — Ian perguntou.
Irina não conseguia pensar em mais nada desde que havia recebido a mensagem de texto, duas horas antes do encontro, no celular, criptografada num código algorítmico usado apenas entre os Lucian.
Ela fez que sim com a cabeça.
— Vocês chegaram à mesma conclusão que eu. A segunda pista não está em Boston.
— Exatamente — disse Ian. — Mandamos nossos pais alugarem um jato particular para nós. Vamos partir em menos de uma hora.
Alugar um jato particular, pensou Irina com rancor. Ela conhecia os pais de Ian e Natalie dos velhos tempos. Eram colecionadores de arte renomados mundialmente. No passado tinham sido pessoas perigosas, pessoas importantes dentro do clã Lucian. Agora estavam aposentados em Londres e a única coisa que faziam era mimar os filhos. Deixavam Ian e Natalie viajar pelo mundo, assinando cheques em branco para os dois sempre que pediam.
O que esses pirralhos queriam com as 39 pistas? Para eles era só mais uma aventura. Irina tinha seus próprios motivos para ir atrás do tesouro, motivos muito mais pessoais. Os Kabra eram ricos demais, espertos demais, orgulhosos demais. Algum dia, ela mudaria essa história.
— Então, para onde vocês vão agora?
Ian se inclinou para a frente e entrelaçou os dedos. Sua cara não era de quem tinha 14 anos. Quando sorria, parecia malvado o bastante para ser adulto.
— Você sabe que é a respeito de Benjamin Franklin.
— Sim.
— Então você sabe aonde estamos indo, e sabe o que estamos procurando.
— Você também sabe — ronronou Natalie — que não podemos permitir que o segredo caia nas mãos de mais ninguém. Somos Lucian, e por isso devíamos agir juntos. Você devia preparar a armadilha.
O olho de Irina se contraiu em um espasmo, como sempre acontecia quando ela estava nervosa. Ela odiava aquilo, mas não conseguia evitar.
— Vocês mesmos poderiam preparar a armadilha.
Natalie negou com a cabeça.
— Eles iam suspeitar de nos. Você, por outro lado, pode atraí-los para a morte.
Irina hesitou, tentando ver uma falha no plano.
— O que eu ganho com isso?
— Eles são nossa maior ameaça — lembrou Ian. — Talvez ainda não se deem conta disso, mas com o tempo vão perceber. Precisamos eliminá-los depressa. Isso vai favorecer todos nós. Além disso, você vai ter a base dos Lucian à sua disposição. Depois teremos tempo para enfrentar uns aos outros. Agora, precisamos destruir a concorrência.
— E os Madrigal? — Irina perguntou.
Ela achou que viu uma onda de nervosismo cruzar o rosto de Ian, mas passou depressa.
— Um inimigo por vez, prima.
Irina odiava admitir, mas o menino tinha razão. Ela examinou suas unhas, casualmente conferindo se todas as agulhas de veneno estavam posicionadas para agir se necessário.
— Vocês não acham estranho — ela perguntou devagar — que o banco de dados dos Lucian tenha tão pouca coisa sobre Franklin?
Ela sabia muito bem que eles já deviam ter entrado no sistema interno dos Lucian, assim como ela fizera.
Uma irritação tremulou nos olhos de Ian.
— É verdade, devia ter mais informações. Pelo jeito, Franklin escondia alguma coisa... até dos próprios parentes.
Natalie lançou um sorriso frio para o irmão.
— Um Lucian que não confia nos parentes... imagina só.
Ian dispensou o comentário dela com um gesto.
— Reclamar disso não vai mudar nada. Precisamos lidar com Amy e Dan. Prima Irina, posso considerar que temos um acordo?
As portas do hotel se abriram. Um homem musculoso de terno marrom entrou a passos largos e caminhou até o balcão da recepção. Ele parecia deslocado ali, talvez um segurança ou um policial à paisana. Talvez não tivesse nada a ver com eles, mas Irina não tinha certeza. Eles haviam ficado ali sentados tempo demais. Seria perigoso prolongar aquele encontro.
— Muito bem — disse Irina. — Vou preparar a armadilha.
Natalie e Ian levantaram.
Irina se sentiu aliviada e talvez lisonjeada também. Os Kabra precisavam da ajuda dela. Afinal, ela era muito mais velha e mais sábia.
— Fico contente por termos chegado a um acordo — ela disse, sentindo-se generosa. — Eu não queria machucar vocês.
— Oh, nós também ficamos contentes. Natalie, acho que agora é um momento seguro.
Irina franziu a testa, sem entender. Então olhou para Natalie – aquela linda garotinha que parecia tão inofensiva em seu vestido branco – e percebeu que a diabinha tinha na mão uma minúscula pistola prateada de dardos, a menos de cinco centímetros do peito de Irina. O coração de Irina parou por um instante. Ela própria já usara pistolas daquele tipo. Os dardos podiam conter venenos muito piores que os que ela ousava carregar nas unhas.
Natalie deu um sorriso meigo, mantendo a pistola apontada e pronta.
— Foi bom ver você, Irina.
— Foi mesmo — disse Ian num tom superior. — Eu queria apertar sua mão, prima, mas odiaria estragar sua manicure especial. Avise quando Amy e Dan forem eliminados, está bem?
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