Dan concluiu que explosões eram legais, mas não se você estivesse no meio de uma.
No caminho inteiro até o Independence Hall, Amy segurava a gaiolinha de Saladin como se fosse sua boia de salvação. Nellie gritou com eles por serem tão irresponsáveis. A audição de Dan estava tão afetada que parecia que ela estava falando do fundo de um aquário.
— Não acredito nisso! — disse Nellie. — Uma bomba de verdade? Achei que vocês estivessem brincando!
Amy enxugou os olhos.
— Os Starling... eles...
— Talvez eles estejam bem — disse Dan, embora ele mesmo não engolisse aquilo.
Eles não esperaram a polícia chegar. Estavam tão assustados que simplesmente fugiram, por isso Dan não fazia ideia do que acontecera com os trigêmeos. Ele achou que não era um bom sinal o fato de terem encontrado o celular de Sinead perto de um pedaço inteiro de teto desabado.
Nellie esterçou com força o volante, e eles viraram na Rua 6.
— Crianças, isto é sério. Alguém tentou matar vocês. Não posso ser babá de vocês se...
— Ser nossa au pair — Dan corrigiu.
— ...tanto faz!
Ela parou o carro em frente ao Independence Hall. O sol estava se pondo e, na luz do entardecer, o lugar era exatamente como aparecia em vídeos educativos – um prédio de tijolos de dois andares com um grande campanário branco, cercado de árvores e canteiros de flores. Uma estátua de algum herói da Guerra da Independência dos Estados Unidos se erguia diante deles. O prédio não parecia tão impressionante comparado com os imensos edifícios modernos em volta, mas Dan imaginou que na época de Franklin devia ser o maior prédio da cidade. Ele conseguia imaginar Ben e todos os seus amigos com perucas empoadas e chapéus de três pontas reunidos na escada para conversar sobre a Declaração da Independência, ou sobre a Constituição, ou talvez sobre sua última proposta para o estudo dos peidos. Toda aquela cena fez Dan pensar em provas de história, que eram quase tão assustadoras quanto museus que explodem.
— Olha só — disse Nellie. — Acabou nosso acordo. Não sei no que vocês se meteram, mas isto é perigoso demais pra duas crianças. Vou levar vocês de volta pra sua tia.
— Não! — gritou Dan. — Nellie, você não pode fazer isso. Ela vai...
Ele se interrompeu a tempo, mas Nellie espremeu seus olhos cobertos de glitter azul.
— Ela vai o quê?
Dan olhou para Amy pedindo ajuda, mas ela ainda estava em choque, olhando fixo pela janela.
— Nada — disse Dan. — Nellie, isto é importante. Por favor. Apenas espere por nós.
Nellie estava soltando fumaça.
— Tem mais umas seis músicas na minha playlist, ok? Se vocês não tiverem voltado pro carro quando a última música tocar, e não estiverem prontos pra me explicardireitinho essa história, podem acreditar, vou mesmo telefonar pra Beatrice.
— Combinado! — Dan prometeu.
Ele tentou empurrar Amy para fora do carro, mas ela ainda estava em estado de choque, pois continuou segurando a gaiolinha de Saladin.
— O que você está fazendo? — perguntou Dan. — Deixe o gato aqui.
— Não — Amy se atrapalhou para cobrir a gaiola com um cobertor. — Precisamos levá-lo.
Dan não sabia por quê, mas decidiu não discutir. Eles andaram depressa pela calçada. Tinham subido metade da escada do Independence Hall quando Dan percebeu que o lugar ficava fechado à noite.
— Como vamos entrar?
— Crianças! — gritou uma voz. — Aqui!
William Mclntyre estava encostado no prédio, meio escondido atrás de uma roseira. Amy correu até ele e deu um abraço no velho advogado, o que pareceu deixá-lo constrangido. Ele tinha um curativo na mão esquerda e um corte embaixo do olho direito, mas, tirando isso, parecia estar até bem para alguém que acabara de sair do hospital.
— Fico feliz em ver vocês bem — ele disse. — Soube pelo noticiário o que aconteceu no Instituto Franklin. Presumo que vocês estavam lá, não?
— Foi horrível — disse Amy.
Ela contou tudo, desde a biblioteca secreta na mansão de Grace até o homem de preto no museu e os trigêmeos Starling indo para o espaço.
O senhor Mclntyre franziu a testa.
— Eu telefonei para o hospital da Jefferson University. Os Starling vão sobreviver, mas estão em estado grave. Vão ficar internados durante meses, o que os exclui da busca para sempre, receio.
— Foi o homem de preto — disse Dan. — Ele preparou a armadilha para nós.
O olho do senhor Mclntyre se contraiu num espasmo. Então ele tirou os óculos e os limpou com a gravata, seu nariz lançando uma sombra num lado de seu rosto.
— Essa explosão... de acordo com a sua descrição, eu diria que foi um detonador sônico. Muito sofisticado, projetado para atordoar e causar apenas dano localizado. Alguém sabia o que estava fazendo.
— Como você sabe tanto sobre explosivos? — perguntou Dan.
O velho homem olhou para ele, e Dan teve a repentina sensação de que ele não tinha sido advogado a vida inteira. Ele tinha visto coisas na vida, coisas perigosas.
— Dan, vocês precisam tomar cuidado. Essa explosão foi quase o fim da linha para vocês. Eu tinha a esperança de não me envolver na competição. Não posso deixar que pensem que estou favorecendo alguma equipe. Mas quando a mansão de sua avó pegou fogo... bem, percebi o tamanho da enrascada em que tinha metido vocês.
— Foi por isso que nos mandou o leitor de luz negra?
O senhor Mclntyre confirmou com a cabeça.
— Estou preocupado com o jeito como as outras equipes estão tentando atingir vocês. Parecem ter resolvido tirá-los de circulação.
— Mas não conseguiram! — Dan disse. — Nós achamos a segunda pista. Ninguém mais tem esta pista, não é?
— Dan, o que vocês acharam é apenas uma indicação para a segunda pista. Sem dúvida é uma boa indicação, e fico contente que o leitor de luz negra tenha sido útil. Mas de modo algum é a única indicação. Outras equipes podem achar caminhos diferentes para a próxima pista. Ou, se acharem que vocês possuem informações úteis, podem simplesmente segui-los, assim como os Starling tentaram fazer, e arrancar as informações de vocês.
Dan sentiu vontade de chutar a parede. Toda vez que eles davam sorte, alguma coisa ruim acontecia ou eles descobriam que não estavam tão perto da próxima pista quanto pensavam.
— Então como é que vamos saber quando acharmos a segunda pista de verdade? Vai ter um sinal em cima dela dizendo PISTA 2?
— Vocês vão saber — disse o senhor Mclntyre. — Ela vai ser mais... substancial. Uma peça essencial do quebra-cabeça.
— Ótimo — resmungou Dan. — Isso explica muito.
— E se Nellie tiver razão? — a voz de Amy vacilou. — E se isso for perigoso demais para duas crianças?
— Não diga isso! — Dan gritou.
Amy se voltou para ele. Os olhos dela pareciam vidro quebrado. Tinham aquele olhar trêmulo, demonstrando certa fragilidade.
— Dan, nós quase morremos. Os Starling estão no hospital, e é só o segundo dia da competição. Como vamos aguentar se continuar desse jeito?
Dan sentiu sua garganta seca. Amy de certo modo tinha razão. Mas será que eles podiam simplesmente largar tudo? Imaginou-se indo até Beatrice e pedindo desculpas. Ele podia recuperar sua coleção, voltar para a escola, levar uma vida normal, sem ninguém tentando aprisioná-lo em incêndios nem explodindo cada um dos lugares em que ele estava.
O senhor Mclntyre deve ter percebido o que se passava pela cabeça de Dan, pois o rosto dele de repente ficou pálido.
— Não, crianças. Vocês não podem nem pensar nisso.
— Nós... nós somos apenas crianças — Amy gaguejou. — O senhor não pode esperar que nós...
— Minha cara, é tarde demais! — Por um instante, o senhor Mclntyre pareceu estar mesmo em pânico... aterrorizado com a hipótese de eles desistirem. Dan não entendeu por quê. Então o velho homem respirou fundo. Pareceu recuperar a calma. — Crianças, vocês não podem desistir. Sua tia Beatrice ficou furiosa quando vocês sumiram. Ela está falando em contratar um detetive para encontrá-los.
— Ela nem se importa com a gente! — disse Dan.
— Seja como for, enquanto não os entregar oficialmente para o Serviço Social, ela vai ter problemas com a lei se acontecer alguma coisa com vocês. Se voltarem para Boston, ambos serão mandados para lares adotivos. Provavelmente nem sejam colocados juntos. Não dá mais para voltar à vida que vocês tinham antes.
— O senhor não pode nos ajudar? — Amy perguntou. — Afinal, o senhor é advogado.
— Já estou ajudando demais. Só posso dar umas informações ocasionais.
As orelhas de Dan se empinaram.
— Informações tipo quais?
O senhor Mclntyre baixou a voz.
— Um dos seus concorrentes, Jonah Wizard, está se preparando para fazer uma viagem internacional. Receio que vocês vão encontrá-lo muito em breve. Ele e o pai fizeram reservas de primeira classe em Nova York hoje de manhã.
— Para onde eles estão indo? — Dan perguntou.
— Se vocês pensarem nas informações que encontraram, acho que vão saber.
— Sim — disse Amy. — Eu sei. E nós vamos chegar lá primeiro.
Dan não sabia do que ela estava falando, mas ficou feliz ao ver que ela não estava mais brava. Não tinha a menor graça importunar Amy quando ela estava chorando.
O senhor Mclntyre deu um suspiro de alívio.
— Então vocês vão continuar. Não vão desistir?
Amy olhou para Dan, e eles chegaram a um acordo silencioso.
— Vamos continuar por enquanto — disse Amy. — Mas, senhor Mclntyre, qual o motivo real de o senhor nos ajudar? O senhor não está ajudando nenhuma das outras equipes, está?
O velho advogado hesitou.
— No Instituto Franklin, vocês disseram que avisaram aos Starling que eles estavam em perigo.
— É claro que avisamos — Amy disse.
— Eles não teriam feito o mesmo por vocês.
— Talvez, mas pareceu a coisa certa a fazer.
— Interessante... — Ele olhou de relance para a rua. — Não posso dizer mais nada. Preciso...
— Por favor — pediu Amy. — Mais uma coisa.
Ela descobriu a gaiolinha de Saladin e, de repente, Dan percebeu por que ela trouxera o gato.
— Amy, não!
— Dan, nós precisamos. Não é seguro para ele.
Ele estava prestes a discutir, porém alguma coisa o impediu. Lembrou-se de ter arrastado o pobre gato consigo quando subira por aquele túnel de ventilação durante o incêndio, então o fizera viajar de trem numa gaiola abafada. E se Saladin estivesse na explosão do museu junto com eles? Se o bichano se machucasse, Dan nunca se perdoaria.
— Está bem — ele suspirou.
— Esse é o gato de madame Grace? — o senhor Mclntyre perguntou, bravo. — Como vocês...
— Ele escapou do incêndio com a gente — disse Amy. — Pretendíamos ficar com ele, mas... não podemos levá-lo aonde estamos indo. Não seria justo arrastá-lo com a gente. Você pode tomar conta dele pra gente?
— Prrr — Saladin olhou para Dan com cara de Você só pode estar de brincadeira.
O senhor Mclntyre fez mais ou menos a mesma cara que Saladin.
— Não sei, meu bem. Eu não sou muito... bom com bichos. Tive um cachorro uma vez, o Oliver, mas...
— Por favor — pediu Amy. — Ele pertencia à nossa avó. Preciso saber que ele está em segurança.
O velho advogado parecia estar com vontade de sair correndo, mas respirou fundo.
— Está bem. Só por um tempinho.
— Obrigada! — Amy lhe entregou a gaiola. -— Ele só come peixe fresco. O favorito dele é salmão.
O senhor Mclntyre piscou.
— Salmão? Ah, bem... vou ver o que posso fazer.
— Prrr — disse Saladin, o que provavelmente significava algo como Não acredito que vocês vão me deixar com um velho que não sabe que eu gosto de salmão.
— Crianças, é melhor vocês irem. Sua au pair está ficando impaciente. Só não se esqueçam do que eu disse antes. Não confiem em ninguém!
Dizendo isso, William Mclntyre saiu andando pela rua, segurando de lado a gaiola de Saladin como se fosse uma caixa de material radioativo.
***
Quando os dois estavam voltando para o carro, Amy comunicou:
— Vamos para Paris.
Dan estava pensando em Saladin e seus ouvidos ainda zuniam por causa da explosão do museu, por isso não teve certeza de ter escutado direito o que Amy acabara de dizer.
— Você disse Paris... tipo na França?
Amy tirou do bolso o celular de Sinead Starling. A foto da carta de Benjamin Franklin ainda estava na tela – a mensagem secreta era um rabisco borrado e confuso sob a luz roxa.
— Quando Franklin já estava bem velhinho — disse Amy — foi embaixador dos Estados Unidos em Paris. Ele estava trabalhando num tratado de paz para pôr fim à Guerra da Independência e tinha uma casa num lugar chamado Passy. Todos os franceses o tratavam como se ele fosse uma estrela de rock.
— Na França eles tratam velhos gordos como estrelas de rock?
— Como eu disse, Franklin era famoso no mundo inteiro. Ele curtia filosofia e gostava de festas e de todo tipo de... coisas francesas. Enfim, a mensagem secreta dizia que ele estava indo embora de Paris, não é? A data da carta era 1785. Tenho quase certeza de que esse é o ano em que ele deixou a França e voltou para os Estados Unidos. Então ele estava deixando alguma coisa para trás Paris.
— Alguma coisa que dividiu o clã dele — disse Dan. — É isso que o verso quer dizer, não é? Você acha que ele estava falando sobre os clãs dos Cahill?
— É possível. — Amy torceu o cabelo. — Dan, aquilo que eu disse antes... não quero desistir de verdade. Só estou com medo.
Dan concordou com a cabeça. Ele não queria admitir, mas o homem de preto e a explosão também o tinham deixado perturbado.
— Está bem. Temos que seguir em frente, não é?
— Não temos escolha — concordou Amy.
Antes que eles chegassem à sarjeta, a porta do carro se abriu de repente. Nellie veio andando até eles, com um dos fones de ouvido ainda pendurado. Ela levantou o celular como se fosse jogá-lo neles.
— Adivinhem só — ela disse. — Eu acabei de receber uma mensagem do Serviço Social de Boston!
Amy ficou boquiaberta.
— O que você disse a eles?
— Nada ainda. Estou esperando a superexplicação ótima de vocês!
— Nellie, por favor — pediu Dan. — Precisamos da sua ajuda.
— Vocês estão sendo procurados! — Nellie gritou. — Sua tia nem sabe onde vocês estão, não é verdade? Vocês têm ideia de como eu posso me encrencar por isso?
— Jogue seu telefone fora — Dan sugeriu.
— O quê? — Nellie falou como se ele a tivesse mandado queimar dinheiro, coisa que, aliás, Amy já tinha feito naquela semana.
— Finja que não recebeu a mensagem — ele implorou. — É só por alguns dias. Por favor, Nellie, temos que ir a Paris e precisamos de um adulto.
— Se vocês por acaso estão achando que eu... Você disse Paris?
Dan viu que essa era sua chance. Ele fez cara de triste e deu um suspiro.
— Pois é, nós íamos pagar sua passagem pra Paris, além do seu salário, hospedagem grátis num hotel e comida em restaurantes chiques e tudo o mais. Mas enfim...
— Nellie, é só por mais uns dias — disse Amy. — Por favor! Não estávamos mentindo sobre a caça ao tesouro. Isso é mesmo muito importante para nossa família e prometemos que vamos tomar cuidado! Assim que tivermos resolvido esse negócio em Paris, você pode fazer o que achar melhor. Vamos jurar que não foi culpa sua. Mas se voltarmos para Boston agora, eles vão nos levar para um lar adotivo. Vamos fracassar na caça ao tesouro. Talvez seja até ainda mais perigoso pra gente!
— E você não vai ver Paris — acrescentou Dan.
Ele não estava bem certo de qual argumento foi o mais convincente, mas Nellie pôs o telefone no bolso. Ela se ajoelhou para olhar direito nos olhos deles.
— Mais uma viagem... Mas isso pode virar uma encrenca enorme pra mim. Quero que vocês prometam: vamos pra Paris e depois vou levar vocês pra casa. Combinado?
— Combinado — concordou Amy.
— Vou me arrepender disso — Nellie resmungou. — Mas pelo menos vou me arrepender em Paris.
Ela voltou para o carro e se acomodou no banco do motorista.
Dan olhou para a irmã.
— É... a questão do dinheiro. Acho que dá pra três passagens só de ida. Podemos ir pra Paris e vai ter o suficiente pro hotel e pra comida e tal, pra uma semana talvez. Mas não sei se vamos ter dinheiro pra voltar. Se Nellie descobrir...
— Vamos nos preocupar com isso quando chegarmos lá — Amy respondeu.
E correu para o carro, já tirando o passaporte do seu bolso de trás.
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