quinta-feira, 17 de abril de 2014

Capítulo 10

Os monges beneditinos avançaram em massa na direção dela, com os braços estendidos para pegar o precioso artefato. Amy ficou paralisada de medo, porém Dan estava pronto para agir. Ele já tinha avistado a única portinha que havia no dormitório. Não sabia ao certo aonde dava, mas se conseguisse apenas sair dali já estava bom demais.
Ele agarrou Amy pelo braço e começou a arrastá-la por entre as túnicas pretas, agachando-se para se esquivar dos braços que tentavam capturá-los. Quando ficou claro que eles estavam quase escapando, a agitação dos monges cresceu. Uma mão agarrou a manga de Amy, e Dan empurrou a irmã com o ombro, como um jogador de futebol americano. Amy pulou por cima de um atacante, e os irmãos Cahill partiram em disparada rumo à saída.

***

Nellie estava aflita dentro do carro, conferindo o relógio de pulso a cada trinta segundos. Onde eles estavam? Ela nunca deveria ter deixado os dois entrarem num lugar onde um Cahill seboso estava à solta. Se aquele cretino do Alistair Oh tivesse levantado um dedo contra Amy e Dan, ela o faria engolir aquela bengala enrolada em arame farpado.
Ela se virou para o banco de trás, onde o gato tinha parado de se coçar e agora estava deitado.
— Meia hora de atraso, Saladin. Onde eles podem ter se metido?
E então ela avistou os dois, avançando depressa entre a multidão de turistas. Estavam quase correndo. Pareciam meio descabelados. E assustados. Os olhos dela se fixaram atrás dos irmãos, na onda negra que os perseguia. Dezenas de homens vestindo hábitos de monge corriam atrás de Amy e Dan pelo terreno da abadia.
Ela deu partida no carro e rapidamente abriu a porta do passageiro.
— Entrem! — gritou.
Os ladrões de pergaminho não hesitaram nem um instante. Cruzaram os portões a toda velocidade e se enfiaram no carro, num emaranhado de braços e pernas.
— Tire a gente daqui! — exclamou Dan.
Nellie afundou o pé no acelerador. O carro já estava avançando quando Amy fechou a porta. Dan olhou para o espelho lateral e viu os monges enfurecidos ficarem cada vez menores à medida que o carro acelerava.
au pair estava com os olhos esbugalhados.
— O que aconteceu lá dentro?
— Não é culpa nossa! — Dan balbuciou. — Esses caras são malucos! São tipo Darth Vaders em miniatura, mas sem a máscara!
— Eles são monges beneditinos! — exclamou Nellie. — São homens de paz! A maioria até prestou voto de silêncio!
— É, bem mais, não mais — Dan disse a ela. — Eles até que nos xingaram bastante. Eu não entendo a língua deles, mas algumas palavras não precisam nem de tradução.
— Encontramos uma pista — Amy explicou, resfolegante — e eles não queriam que nós a levássemos. Tenho certeza absoluta de que é alguma coisa importante! — Ela jogou o pergaminho nos braços de Nellie. — Você pode nos dizer o que está escrito?
— Melhor nós nos afastarmos um pouco da abadia primeiro — sugeriu a au pair, percorrendo as ruas estreitas de Salzburgo. — Como você explicaria para a locadora que o carro deles foi destruído por um exército de monges furiosos?
Dan estava impaciente.
— Vamos comprar a locadora e a abadia também! Desta vez ganhamos na loteria!
Contornando o centro da cidade, Nellie conseguiu fugir do trânsito mais pesado e cruzar a ponte depressa. Eles ainda rodaram por um tempo e depois pararam numa rua tranquila.
— Certo, vamos dar uma olhada nesta pista. — Ela pegou o pergaminho.
— Nós achamos que talvez seja uma espécie de fórmula — disse Amy, empolgada.
Nellie examinou a caligrafia e arregalou os olhos de espanto.
— Oh, meu Deus! Não acredito!
— É tão bom assim, é? — Dan sorriu.
— Mas é uma fórmula de quê? — insistiu Amy.
au pair releu a página várias vezes, como se estivesse tentando se convencer de que era mesmo o que ela sabia que era.
— Seus burros! Isso não é uma pista... é a receita de Bénédictine!
— Bénédictine? — repetiu Amy. — Tipo aquele licor?
Nellie fez que sim com a cabeça, aflita.
— É uma receita antiquíssima, conhecida só pelos irmãos beneditinos há séculos. É por isso que eles estavam correndo atrás de vocês!
Os irmãos Cahill ficaram desconsolados.
— Nós quase morremos ali — gemeu Dan. — E foi tudo a troco de nada.
— Não é à toa que os monges ficaram revoltados — lamentou Amy. — Devem ter achado que nós roubamos a coisa mais importante que eles possuem.
— Bem, talvez não seja uma pista... — Dan tentou se consolar — Mas esse pergaminho vai ficar muito legal na minha coleção!
— Dan! — Amy explodiu. — Não podemos ficar com isso! Precisamos devolver.
— Boa sorte. — Dan estava amargurado. — Se nós pisarmos de novo naquela abadia, aqueles homens de paz vão arrancar nossa cabeça.
Amy estava irredutível.
— Talvez possamos enviar pelo correio.
— Mal posso esperar para escrever o endereço: terceira caverna à direita, passe cinquenta túneis, vire à esquerda na estalagmite. Em alemão. — Ele escalou o encosto do assento e foi para junto do gato no banco de trás. — Vou sentar com alguém que não seja maluco... E aí, Saladin, como vai? Ei, ele parou de se coçar.
— Eu ia contar pra vocês, antes de ter que brincar de pega-pega com os monges. Enquanto vocês estavam na abadia, eu levei Saladin numa clínica veterinária.
— Eram pulgas? — perguntou Amy.
Nellie fez que não com a cabeça.
— O veterinário tirou a coleira dele, e vejam só o que saiu.
Ela pôs a mão no bolso e tirou um aparelho eletrônico em miniatura, mais ou menos do tamanho da unha do polegar.


— O médico acha que os cantos estavam cutucando a pele dele. Por isso que o gato não parava de se coçar.
Amy franziu a testa.
— Mas o que é isso?
Dan ficou decepcionado.
— Você nunca assiste tevê? Isso é um microtransmissor. Você planta ele em alguém quando quer rastrear aonde a pessoa vai.
Nellie ficou confusa.
— Mas quem ia querer rastrear um gato?
De repente tudo ficou claro para Amy.
— Não é o gato, somos nós! Nossos adversários fizeram isso! É por isso que não conseguimos avançar na busca. Alguém sempre fica sabendo para onde vamos!
— Isso é bem a cara dos Cobra! — rugiu Dan. — Só duas crianças ricas comprariam um equipamento de alta tecnologia para trapacear, só porque são burras demais para conseguir as pistas sozinhas.
— Ou Irina — disse Amy. — Isso seria moleza para alguém da KGB. Pode ser qualquer um deles... até o senhor Mclntyre. Lembre-se de que ele ficou com Saladin enquanto estávamos em Paris.
— Então o que vamos fazer com o transmissor agora? — perguntou Nellie. — Esmagar?
— Vamos jogar no esgoto — sugeriu Dan. — Deixar os trapaceiros mergulharem para buscar.
Amy ficou séria.
— Sabem de uma coisa? Talvez esta seja a oportunidade perfeita para despistar nossos concorrentes. Não devemos desperdiçar a chance com uma brincadeira.
Dan fez uma careta.
— Você nunca deixa eu me divertir.
— Ah, vai ser bem divertido — a irmã dele garantiu. — Ouçam...

***

Alistair Oh caminhava a passos pesados pelos salões da casa onde Mozart nascera, apoiando mais peso do que o normal sobre sua bengala com ponta de diamante. Ele já sabia a localização da próxima dica para a pista principal. Mesmo assim, enquanto estava ali em Salzburgo, fazia sentido visitar o lugar onde a família de Mozart tinha vivido, só para garantir que não tinha deixado passar nada. Todo cuidado era pouco.
Porém, enquanto ele andava por entre instrumentos musicais e móveis do século XVIII, começou a sentir os efeitos do cansaço. Já não era tão jovem como antes, quando fizera fortuna como inventor do burrito para micro-ondas. Bons tempos aqueles... Mas tudo aquilo fazia parte do passado.
Ele se sentou para descansar num banco para visitantes. Tinha gastado quase todo seu dinheiro e juventude. A última coisa de que precisava era uma maratona ao redor do mundo inteiro em busca do pote de ouro de Grace Cahill. Mas que pote de ouro! Riqueza inimaginável, poder sem limites. Reconquistar a glória da época do burrito e muito mais.
Na noite passada mal conseguira dormir. Na verdade, estava com dor na consciência por causa do incidente no túnel no dia anterior. Ninguém o avisara de que o pequeno explosivo causaria um desabamento. O plano era apenas afugentar Amy e Dan. Sim, eles eram adversários, e adversários precisavam ser derrotados. Mas ele nunca se perdoaria se algo terrível acontecesse com os netos de Grace.
Ele tinha ficado acordado até depois das duas da manhã, assistindo ao noticiário. Se tivesse acontecido algum acidente envolvendo duas crianças americanas, com certeza ele ficaria sabendo. A culpa era de Grace e de sua maldita busca ao tesouro, que tinha jogado uns contra os outros...
Ele não chegou a concluir o pensamento. Lutando contra a fadiga e o sono atrasado, permitiu que seus olhos se fechassem só por um instante, e então desabou no banco, dormindo profundamente.

***

— Outra casa de Mozart. Que alegria.
— Não fui eu que escolhi. Foi o tio Alistair — Amy respondeu ríspida.
Nellie tinha telefonado para todos os hotéis e pensões em Salzburgo para descobrir onde Alistair estava hospedado. Após passar duas horas desconfortáveis escondidos atrás de uma lixeira no beco ao lado do Hotel Amadeus, Amy e Dan seguiram seu idoso rival até a casa onde Mozart tinha crescido.
Agora eles estavam escondidos à sombra de um magnífico piano, espiando pelas antigas portas envidraçadas o homem alto sentado no banco.
— Bem, aí está ele — disse Dan amargamente. — Um cara de 1 milhão de anos, que provavelmente não era muito animado nem quando era jovem. Ei, por que é que ele não está se mexendo?
Amy olhou o tio Alistair com a cabeça solta nos ombros, o queixo caído, a boca aberta.
— Acho que ele morreu.
Dan arregalou os olhos.
— Sério?
— É claro que não, seu tonto! Ele pegou no sono. Será que conseguimos enfiar o transmissor no bolso dele sem que ele acorde?
— Mas e se ele acordar? — perguntou Dan.
Amy tirou da calça jeans o minúsculo aparelho.
— Temos que arriscar. Espere aqui.
Com cuidado, ela se esgueirou pela porta. Era cedo, e o museu ainda não estava lotado. Os únicos outros visitantes na sala eram um jovem casal com bandeiras da Noruega nas mochilas.
Amy esperou que eles fossem embora. Andando na ponta dos pés, ela se aproximou de tio Alistair, que dormia. Lentamente, estendeu a mão com o transmissor. O braço dele estava atravessado sobre o peito, segurando o paletó abotoado. Não havia margem de erro...
Um som que era uma mistura de ronco e soluço saiu de sua garganta. Amy gelou quando ele se mexeu, se endireitou e voltou a dormir.
Isto não vai dar certo. Se eu encostar nele, ele vai acordar...
Os olhos da menina pousaram na bengala apoiada no banco, junto aos joelhos do coreano. Ela examinou o objeto com os olhos, à procura de um buraco ou reentrância onde pudesse plantar o chip.
Dan estava na porta, gesticulando com as mãos. Ela olhou para ele, impaciente. O que você quer agora, idiota?
Por fim, ela reconheceu o movimento de torção que ele fazia com as mãos. Ela segurou a ponta da bengala e girou. Para sua alegria, a ponta começou a desparafusar. Era perfeito. O topo continha uma abertura onde o diamante tinha sido incrustado. Tinha o tamanho exato do transmissor.
Ela estava prestes a recolocar a ponta quando percebeu que a bengala era oca. Por que não era de madeira maciça? A não ser que...
Amy segurou a parte de baixo da bengala e espiou lá dentro. Tinha alguma coisa ali! Um papel, bem enrolado para caber no tubo estreito.
Aquele era o esconderijo secreto de Alistair!
Ela pinçou um canto da página e puxou o papel para fora. O documento era quebradiço e amarronzado devido à idade, embora não fosse tão arcaico quanto a receita que eles roubaram dos monges beneditinos. Com as mãos trêmulas, ela desenrolou o documento. As palavras impressas não estavam em inglês. Porém, o nome lhe saltou aos olhos, inconfundível:


Aquilo foi tudo o que ela entendeu, mas soube imediatamente que era o que eles estavam procurando nos túneis da arquiabadia de São Pedro.
Então você chegou antes de nós, ela refletiu, observando o homem que cochilava no banco. Acho que te subestimamos, tio Alistair.
Um som gutural veio do coreano, e suas pálpebras tremeram.
Agindo depressa, Amy enroscou a ponta de volta na bengala e a devolveu ao mesmo lugar onde estava apoiada no banco.
Alistair continuou dormindo, sem suspeitar que sua vantagem na busca tinha sido roubada bem de dentro da sua bengala.

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