quinta-feira, 17 de abril de 2014

Capítulo 9

Dan ficou em estado de choque.
— Ele viu você?
— Não tenho certeza, mas não podemos nos arriscar. Quando a casa de Grace pegou fogo, ele estava lá. E quando a bomba explodiu no Instituto Franklin também. Precisamos Sair daqui!
— Não enquanto não acharmos o que viemos procurar — retrucou Dan, teimoso. — O tio Alistair junto com o homem de preto? Isso é uma prova dupla de que estamosno caminho certo!
Amy ficou surpresa com o acesso de admiração que sentiu pelo irmão. Era verdade que Dan era um idiota que não sobreviveria cinco minutos sem ela. Mas havia momentos, como aquele, em que ele encontrava coragem onde ela só via medo.
Ela engoliu em seco.
— Vamos continuar andando.
Eles se embrenham mais e mais no interior da montanha. O túnel se bifurcou e depois se bifurcou novamente, e eles prestavam muita atenção em todas as curvas e esquinas. Não conseguiam pensar em nada mais apavorante do que se perder ali, a meio caminho entre Salzburgo e o centro da Terra.
Logo os irmãos estavam com a vista doendo de tanto examinar as intermináveis paredes em busca de marcas ou sinais em código, qualquer coisa que pudesse indicar um compartimento secreto ou um esconderijo. Mas só encontraram pedra, e de vez em quando um fiozinho de água corrente.
Dan estava engatinhando no chão, investigando um “entalhe” que na verdade era só um sulco na pedra, quando a fileira de lâmpadas piscou uma vez e em seguida se apagou.
A palavra “escuro” não chegava nem perto de descrever como estava ali. Eles mergulharam num negrume sufocante, na ausência total de luz. Era como se de repente tivessem ficado cegos.
Amy jamais sentira algo parecido com aquele pânico antes. A respiração dela estava entrecortada, cada vez mais rápida, como se o ar que inalava fosse instantaneamente sugado para fora.
Dan tateou a irmã com os braços, tentando tranquilizá-la. Contudo, quando encostou em seu braço, ela deu um grito estridente que ecoou no túnel em todas as direções.
— Calma, sou eu! — ele pediu, embora calma fosse exatamente o contrário do que ele estava sentindo. — Deve ter acabado a luz, só isso!
— E o homem de preto estar aqui é apenas uma coincidência? — Amy gemeu.
Dan fez um esforço para pensar racionalmente.
— Peraí, Amy: se a gente não enxerga ele, ele também não consegue nos enxergar, não é? Quem sabe? Talvez ele esteja tão perdido quanto a gente.
— E talvez ele esteja em algum lugar lá atrás, esperando por nós.
Ele respirou fundo.
— Precisamos arriscar. A nossa única opção é fazer o caminho de volta e torcer para tudo dar certo.
— Será que vamos conseguir encontrar a saída? — ela perguntou com voz trêmula.
Dan tentou visualizar os túneis como apareceriam num mapa: como linhas que se entrecruzavam.
— Você fica com a mão encostada em uma das paredes do túnel. Eu vou ficar com a mão encostada na outra. Assim vamos perceber se tiver uma curva. — Ele engoliu em seco. — É simples.
Simples. Como Amy sonhava em ter a capacidade que o irmão tinha de reduzir tudo a uma fórmula, uma série de instruções a serem seguidas. Para ela, nenhuma fórmula jamais poderia ser separada do terror brutal daquela escuridão. Ela teve um flashback das Catacumbas de Paris, pilhas de caveiras exibindo sorrisos grotescos. E ao mesmo tempo, sabia que ali era pior: a passagem era muito mais estreita, as paredes pareciam se fechar ao seu redor, prendendo-a no ventre rochoso da montanha.
— Dan, acho que não consigo fazer isso — ela gemeu. — Estou muito apavorada.
— É o mesmo túnel — ele tentou acalmá-la. — Nós viemos até aqui, podemos voltar.
Eles começaram a avançar no escuro. Amy tateava o caminho com a mão na parede da esquerda, sabendo que Dan estava fazendo o mesmo na da direita. Eles andavam de mãos dadas para evitar se perderem um do outro e falavam o tempo todo para afugentar o terror que com certeza tomaria conta deles se encontrasse uma única brecha.
— Ei, Amy — disse Dan — quando foi a última vez que a gente ficou de mãos dadas assim?
— Não lembro. Acho que quando éramos bem pequenos. Quando mamãe e papai ainda estavam vivos.
— Como era mesmo a nossa mãe?
Ele já sabia a resposta. Tinha ouvido pelo menos cem vezes e, no entanto, aquela conversa familiar era reconfortante.
— Ela era alta — respondeu Amy — de cabelo castanho-avermelhado...
— Que nem o seu? — Era a pergunta de sempre.
— O da mamãe era um pouco mais ruivo. Era fácil vê-la na plateia nas peças da escola. O do papai era mais claro, com...
Ela fez uma pausa. Ficava cada vez mais difícil visualizar os dois. Como nas fotos instantâneas em que a imagem vai sumindo com o tempo.
— Que droga! — resmungou Dan. — Eu não consigo lembrar dos meus próprios pais, mas a nojenta da tia Beatrice é como um letreiro luminoso brilhando na minha cabeça.
— Nós temos Grace — Amy lembrou.
— Grace — o nome saiu como um suspiro. — Eu tenho saudade dela, mas às vezes me pergunto se deveria ter mesmo.
— Grace nos amava.
— Então por que ela não nos contou sobre tudo isso? — ele perguntou. — Os Cahill! A caça ao tesouro! Ela bem que podia ter nos dado um toque. Tipo: Olha, hoje você é um menino jogando videogame, mas daqui a uns dois meses você vai estar perdido num túnel na Europa com um assassino maluco.
Bang!
O clarão foi como uma explosão solar na escuridão. Os olhos deles, escancarados, acostumados ao escuro, ficaram sensíveis com a sobrecarga. Dan conseguiu discernir uma figura que corria no túnel para longe deles. Mas suas mãos automaticamente protegeram o rosto, antes que fosse capaz de identificar quem era. E então a explosão passou, seguida de um ronco que anunciava que o teto estava prestes a desabar.
Amy ouviu o grito do irmão quando uma pedra atingiu o ombro dele. Eles ainda estavam de mãos dadas, por isso ela sentiu quando Dan caiu no chão, enterrado embaixo de pedras e poeira.
— Dan!
Ela segurou o braço dele firmemente, mesmo enquanto o cascalho chovia em cima dela. Descobrindo uma força em si que desconhecia, Amy deu um puxão de mamute, e o irmão conseguiu ficar de pé a seu lado, cuspindo pó, incapaz de formular uma só palavra.
— Você se machucou? — perguntou ela.
Sem responder, ele estendeu o braço no escuro e tateou o contorno dos escombros. As pedras caídas bloqueavam totalmente a passagem. Dan tentou abrir um buraco na pilha de entulho, mas só conseguiu provocar uma miniavalanche que preencheu o buraco e o enterrou em cascalho até os tornozelos.
— Acho que não conseguimos cavar para sair!
Os pesadelos foram cercando Amy como tubarões nadando em círculos. O que podia ser pior do que ficar perdido no escuro? Ficar preso no escuro, morrer no escuro...
Ela olhou os traços indefinidos do rosto do irmão, na tentativa de focar os olhos verdes dele. Foi então que ela se deu conta.
— Dan, eu consigo enxergar você!
— Isso é impossí... Nossa! Eu estou vendo você, também! Só a sua silhueta. Mas...
— Deve haver luz vindo de algum lugar — raciocinou Amy. — E onde tem luz, tem...
— Uma saída! — Dan gritou.
Era quase imperceptível, insuficiente para iluminar as paredes da passagem. Mas havia com certeza um brilho fraco, cinza-alaranjado.
Ainda estava escuro demais para enxergar, por isso eles avançaram devagar. Dan tropeçou algumas vezes com o chão de pedra ficando mais acidentado, e Amy deu de cara na parede num ponto em que o túnel fazia uma curva inesperada.
Ela mal notou a colisão. Do outro lado, o brilho era mais forte. Ela conseguia ver a silhueta do irmão sem espremer os olhos.
— Bingo! — exclamou Dan. No chão escuro, abriu-se um retângulo estreito de luz. — Uma passagem secreta! — Ele se enfiou na abertura apertada. — Aposto que tem uma escada aqui em algum lugar... Ah ops! — ele pronunciou, e seguiu-se um baque abafado.
— Ou talvez não — ele gemeu lá de baixo. — Desça aqui. Acho que encontrei alguma coisa.
Com muito cuidado, Amy se enfiou no espaço minúsculo, procurando degraus na pedra com os pés. Logo ela descobriu o que seu irmão não percebera: uma série de entalhes esculpidos na parede. Dan ajudou Amy a descer até uma câmara aberta, iluminada por lamparinas a óleo. Depois da escuridão completa do túnel, aquele brilho alaranjado parecia os holofotes de um estádio.
A menina olhou ao redor. Pelo menos metade do cômodo estava cheia de grandes barris velhos, empilhados até o teto.
— Será que isso é uma pista? — Dan perguntou.
Amy deu de ombros, sem saber responder.
— Não tem muita utilidade para a gente se não soubermos o que tem dentro deles.
Os irmãos Cahill chegaram mais perto. Os barris pareciam muito antigos. Não havia marcas nas tábuas de carvalho.
— Quem sabe podemos pegar um deles e rolar para fora daqui.
Ele colou o ombro em um dos barris e empurrou com toda a força. O barril nem se mexeu.
Amy foi ajudá-lo, e então ela viu. Junto à parede havia uma velha escrivaninha, meio escondida pelas pilhas de barris. Sobre a superfície inclinada, via-se uma única folha de papel.
Os dois correram para examinar. Era um material amarelado e quebradiço, mais parecido com pergaminho. A escrita estava em alemão, numa caligrafia antiquada. Parecia ser alguma espécie de lista, com palavras e números.
— Uma fórmula! — exclamou Amy.
Dan franziu a testa.
— De quê?
— Nossa primeira pista era um ingrediente: solução de ferro — Amy o lembrou. — Talvez esta seja a receita inteira?
Eles ficaram em silêncio enquanto assimilavam a magnitude do que ela dissera. Aquela busca era supostamente uma maratona, não uma corrida de curta distância. Seria possível que eles tivessem desenterrado algum tipo de “cola” antiga, com todas as 39 pistas numa única página? Será que isso significava que já eram os vencedores da busca?
Com delicadeza, ela pegou o pergaminho e o segurou pelas bordas.
— Precisamos levar isto para Nellie. Ela vai nos dizer o que está escrito aqui.
Dan soltou um grito de entusiasmo.
— Quero só ver a cara dos Cobra quando nós aparecermos com todas as 39 pistas e eles ainda estiverem procurando a número 2! E a Irina... Desta vez vou contratar um faixa preta de verdade para dar o golpe de kung fu nela. E os Holt... humm, melhor contratar um exército inteiro de faixas pretas.
— Primeiro temos que sair daqui — a irmã lembrou. Ela olhou ao redor. — Estes barris enormes entraram por uma porta em algum lugar...
— Vamos seguir as lamparinas — sugeriu Dan.
A sala dos barris levava a outros túneis. Após alguns giros e curvas, Amy percebeu que eles estavam perdidos de novo. Ela olhou para a escrita rebuscada em alemão no pergaminho que estava em suas mãos. A frustração era agoniante, ter dado tanta sorte de encontrar o prêmio, mas não conseguir levá-lo até a pessoa que era capaz de ler o que estava escrito.
Ela consultou o relógio de pulso.
— Já estamos atrasados para o encontro com Nellie. Quando ela perceber que não aparecemos, talvez saia à nossa procura.
— Eu espero que ela tenha uma daquelas brocas gigantes de mineração — comentou Dan, observando o chão inclinado. De repente, ele apontou: — Olha!
Do outro lado de uma arcada na interminável passagem, eles conseguiram distinguir um pilar robusto de pedra. Apoiado nele havia...
— Uma escada! — vibrou Amy.
Eles correram até ela e olharam para cima, por uma grade grossa de ferro.
— A luz do sol! — Amy sussurrou.
Ela já havia perdido as esperanças de ver o dia raiar outra vez.
Dan escalou os degraus de madeira e empurrou a grade de metal
— Venha me ajudar.
Amy subiu a escada com ele. Lentamente, os dois conseguiram deslocar a pesada grade, fazendo um barulho alto, como o de um gongo. Eles subiram pela abertura e saíram numa sala.
O grande recinto era forrado com camas baixas dispostas diretamente sobre o chão de pedra. Mas aquilo não era a coisa mais peculiar do cômodo. Ao pé de cada cama havia um monge, de hábito preto e de cabeça quase inteira raspada, apenas com a coroinha no cocoruco.
Quarenta pares de olhos assustados se cravaram nos irmãos Cahill. Quarenta queixos caíram em choque. Os monges beneditinos da arquiabadia de São Pedro encararam Amy e Dan como se não conseguissem acreditar que tais criaturas existissem.
Um monge mais velho, já grisalho, notou o pergaminho que Amy segurava. E deu um grito que não foi exatamente humano.

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