quinta-feira, 17 de abril de 2014

Capítulo 8

Três pares de olhos se fixaram no homem asiático alto, de costas eretas, que atravessava a rua apressado, batendo no chão com a sua bengala de ponta de diamante. Era Alistair Oh, o tio coreano, mais um concorrente daquela caça ao tesouro.
— Burro fui eu que pensei que estávamos em vantagem — observou Dan.
— É, com certeza ele não está aqui por causa do ar puro das montanhas — concordou Nellie.
Eles observaram enquanto o tio Alistair atravessava apressado e embarcava num ônibus estacionado do outro lado da rua.
— Vamos segui-lo — disse Amy, de repente. — Vamos ver para onde ele está indo.
Fazendo uma manobra completamente irregular, Nellie invadiu a pista esquerda e entrou atrás do ônibus. Ela acenou alegre para os motoristas de Salzburgo que xingavam e buzinavam.
— Mas... — Dan pensou em voz alta. — Se queremos descobrir para onde ele está indo, por que simplesmente não perguntamos para ele? Aquela aliança que fizemos com ele em Paris não continua de pé?
— Lembre-se do que o senhor Mclntyre disse — respondeu Amy. — Não confie em ninguém.
— Talvez. Mas o tio Alistair com certeza salvou nosssa pele nas Catacumbas de Paris.
Amy não se impressionou.
— Só porque ele precisava nos ajudar a deter os Kabra. Se tem uma coisa que já devíamos ter aprendido é que os Cahill têm brigado uns com os outros há muitos séculos. Ele faria qualquer coisa para nos desviar das 39 pistas.
Eles seguiram o ônibus que ia chacoalhando por cima da Staatsbrücke, a ponte que ficava no meio da cidade. Passageiros embarcaram, mas ninguém desceu. As ruas estavam apinhadas de carros e táxis e havia hordas de turistas em toda parte. Um grupo de colegiais começou a atravessar na frente do automóvel; enquanto isso, o ônibus dobrou a esquina e sumiu de vista.
— Não perca ele de vista! — disse Dan, aflito.
Por fim, o caminho ficou livre e o motor deu um tranco, com Nellie se atrapalhando para mudar de marcha. Eles desceram umas poucas ruas estreitas, mas não havia sinal do ônibus.
— Ali! — Amy apontou.
O ônibus tinha saído da malha de ruas do centro e contornava a encosta de uma colina. Fazendo um forte barulho na troca das marchas, eles partiram em disparada, ganhando velocidade conforme o automóvel fazia a curva. Os três estavam tão concentrados na perseguição que passaram correndo pelo ônibus parado, que estava deixando passageiros num antigo portão de pedra.
Amy olhou para o agrupamento de construções muito antigas, arrematadas com torres e cruzes.
— Uma igreja? — Dan parecia desconsolado. — Como se Mozart já não fosse chato o bastante.
— A última igreja em que nós estivemos não foi nada chata — Amy lembrou a ele. — Nós dois quase morremos.
Nellie contornou e parou a uma distância segura atrás do ônibus.
— Arquiabadia de São Pedro — ela traduziu, espremendo os olhos para ler a placa de ferro moldado.
Eles enxergaram a figura alta de Alistair passando pelo portão e começando a subir o caminho.
Nellie franziu a testa.
— Vocês acham que nossa pista pode estar aqui?
— Alistair acha que está — decidiu Amy. — Não podemos ir embora enquanto não soubermos se é verdade. Que tal você achar um hotel e dar uma chance para Saladin se recuperar da viagem?
au pair parecia relutante. Dan se pronunciou.
— Este lugar está cheio de turistas. Não pode ser muito perigoso.
— Tá bom — disse Nellie por fim. — Volto daqui à uma hora. Tentem não morrer.
Em seguida ela partiu.
Eles entraram pelo portão, e Amy pegou um livreto em inglês do mostruário.
— Uau — ela prendeu a respiração. — Este lugar tem mais de 1300 anos. O monastério foi fundado em 696, mas eles acham que os romanos já haviam estado aqui ainda antes disso.
— Romanos? — Dan mostrou um princípio de interesse. — Aquelas legiões romanas eram incríveis na hora da porrada.
— É por isso que tem artefatos romanos espalhados por toda a Europa — explicou Amy. — Os exércitos deles eram tão poderosos que conquistaram a maior parte dos territórios que conheciam.
— Ninguém segurava aqueles romanos — concordou Dan. O menino levantou as sobrancelhas. — Mas o que isso tem a ver com a igreja?
— Ela foi construída mais tarde, no século XII, muito depois de os romanos terem ido embora. Os túmulos mais antigos no cemitério datam dessa época.
— Cemitério? — Dan abriu um sorriso. — Estou começando a curtir este lugar!
Eles ficaram num lugar discreto até que o grupo de turistas do tio Alistair tivesse entrado na igreja, e então passaram agachados pelo arco que levava ao cemitério. Era um cemitério como Dan jamais tinha visto: coberto de vegetação rasteira, e mal se viam túmulos entre a folhagem. Em vez de lápides, as sepulturas eram representadas por placas de ferro forjado com uma escrita rebuscada e antiquada.
— Parece a coleção de colheres ornamentais de tia Beatrice — Dan murmurou para Amy.
O nariz dela ainda estava enfiado no livreto. De repente, Amy agarrou o pulso dele e o apertou com uma força de trincar os ossos.
— Dan... o livreto diz que os restos mortais de Nannerl Mozart estão bem aqui!
Dan arregalou os olhos.
— Nós vamos desenterrar um cadáver? Que demais!
— Xiu! É claro que não!
— Mas e se Mozart plantou uma das pistas na própria irmã?
Amy fez que não com a cabeça.
— Mozart morreu antes de Nannerl. Bem, o que estamos procurando é um mausoléu. O livreto diz que ela está enterrada lá.
— Que é isso? — perguntou Dan. — É tipo um condomínio de mortos?
— Tenha mais respeito. Na cripta dela também está enterrado Michael Haydn, o famoso compositor, e uma das pessoas que mais apoiaram Mozart.
Ele não conseguiu resistir.
— O que ele está fazendo agora, se decompondo?
— Não seja grosseiro! Vamos.
Eles levaram alguns minutos perambulando até encontrar o mausoléu. Comparado a algumas das opulentas e elaboradas câmaras funerárias da arquiabadia de São Pedro, era uma estrutura simples de pedra, em cujas paredes se viam os nomes dos mortos com passagens da Bíblia entalhadas. Não havia sinal de nada que pudesse ser considerado uma pista.
— Você não foi esquecida, Nannerl — Amy sussurrou num tom grave. — As pessoas estão começando a apreciar a sua genialidade.
— Por que você está tão fascinada com Nannerl Mozart? — perguntou Dan. — Tudo bem, ela era tão boa quanto o irmão. E daí?
—Você não vê como isso é injusto? — protestou Amy. — Ela nunca foi reconhecida, só porque era menina.
— Concordo. Ela foi injustiçada. Mas agora que Nannerl está enterrada nesta cripta há séculos, que diferença isso faz para ela?
— Faz diferença para mim — Amy retrucou. — E se nós dois fôssemos os irmãos Mozart? Como você acha que eu ia me sentir se você fosse considerado um menino prodígio e eu não fosse ninguém, nós dois sendo igualmente bons na mesma coisa?
O irmão não se abalou.
— Isso nunca poderia acontecer com a gente. Não tem nada em que nós dois sejamos bons. Ei, o que é aquilo?
Ele lançou um olhar de estranhamento para fora da entrada da cripta. A abadia se encostava numa parede nua de pedra. A 15 metros do chão, o contorno grosseiro de uma construção tinha sido cavado na montanha acima da abadia.
— Quem constrói uma casa de frente para um precipício? — indagou Dan.
Examinando mais de perto, eles encontraram uma escada rústica esculpida direto na pedra, conduzindo para a entrada da caverna.
Amy examinou o livreto.
— Aqui está. Essa é a entrada das Catacumbas de Salzburgo.
— Catacumbas? — repetiu Dan, tremendo.
Por muito pouco eles não tinham se perdido para sempre nas Catacumbas de Paris. O menino não estava muito ansioso para repetir a experiência.
— Bem, pelo menos não é uma catacumba forrada de ossos. Mas aqui no livreto diz que existem túneis naquela colina. Se tiver alguma pista aqui, tenho certeza de que está lá.
Eles avistaram um grupo de turistas, caminhando para a abertura na colina. No meio do grupo estava a figura alta de Alistair Oh.
— E a concorrência acaba de passar na nossa frente — Dan acrescentou.
Assim que o grupo de tio Alistair desapareceu dentro da encosta rochosa, os irmãos Cahill subiram depressa os degraus irregulares de pedra. Amy sentiu uma inquietude sinistra ao pisar dentro da montanha, como se eles estivessem sendo engolidos por alguma coisa ancestral e imutável, uma criatura imensa, silenciosa, tão velha quanto a própria Terra. Amy e Dan trocaram um olhar de puro terror. As Catacumbas de Paris eram forradas de ossos humanos, caveiras grotescas brotando de todos os lados. Esta talvez estivesse num nível mais baixo na escala de nojo, porém a sensação de trocar o conhecido pelo bizarro e ameaçador era ainda maior ali.
O túnel era úmido e, com certeza, mais de cinco graus mais frio que lá fora.
Dan tateou a mochila e sentiu o volume conhecido da bombinha. Aquele, com certeza, era o pior lugar do mundo para ele ter um ataque de asma.
Relaxa, ele lembrou a si mesmo. Os ataques eram provocados por níveis extremos de poeira e pólen, não por lugares altamente sinistros.
À esquerda dele havia uma pequena capela que parecia tirada dos Flintstones. O grupo de tio Alistair estava amontoado ali quando os irmãos Cahill passaram apressados, cobrindo os rostos.
Quanto mais eles se afastavam da entrada, mais escuro ficava. A passagem era iluminada apenas por uma série de lâmpadas elétricas fracas, dispostas uma tão longe da outra que entre elas tudo mergulhava na completa escuridão.
Conforme os dois continuavam avançando, viram outro grupo de turistas que caminhavam na mesma direção em que eles estavam.
Rostos pálidos, iluminados de cima, sumiam na penumbra e ressurgiam de repente dez metros mais perto. Era uma coisa do outro mundo, como se as leis da natureza não mais se aplicassem àquele lugar tão insólito.
— Fiquem à direita — o guia turístico recomendou, conduzindo o grupo de tal modo que eles contornaram os irmãos Cahill bem de perto.
Cotovelos e ombros esbarraram-se conforme o grupo passava. Alguém pisou no pé de Amy, e ela respirou fundo. Ou talvez ela tenha tomado um susto, quando viu um homem no halo da lâmpada nua.
Ele era velho, mais velho que o tio Alistair, provavelmente tinha muito mais de 60 anos, de pele enrugada, carcomida. Sua roupa era toda preta, e por isso, no escuro, sua cabeça parecia estar pairando no ar.
O coração de Amy bateu com tanta força e tão rápido que ela temeu que ele fosse estourar para fora do peito. A menina agarrou a mão do irmão e começou a rebocá-lo pela passagem.
— Vai devagar! — Dan reclamou.
Amy não parou até ter certeza de que o grupo de turistas não estava escutando.
— Dan... o hom... o hom... — Mesmo sussurrando, ela não conseguia controlar a gagueira.
— Fica calma — disse o irmão.
— O homem de preto está aqui!

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