Amy e Dan vasculharam a loja inteira, à procura de alçapões embaixo de mesas, atrás de estantes e no fundo dos armários.
Dan abriu uma cortina, revelando um pequeno escritório. Havia uma escrivaninha bagunçada, uma pia com uma chapa quente e uma cafeteira arcaica, além de um banheiro minúsculo. Não havia saída. Ele tentou abrir a janela. Estava lacrada por inúmeras camadas de tinta.
— Dan — chamou Amy. — Veja isto.
Ela estava na cabine de escuta, atrás de um vidro de isolamento sonoro. Havia um aparelho de som e dois pares de fones de ouvido jogados no banco.
Dan bateu nas paredes. Tudo era sólido.
— Não tem passagens secretas.
Amy franziu a testa ao ver a pilha de CDs no balcão.
— Você não acha que essa seleção de música é meio estranha?
Dan se agachou para ler as caixas dos CDs. Green Day, Rage Against the Machine, Eminem, Red Hot Chili Peppers e... Vejam só! O crepúsculo de um gênio: as obras posteriores de Wolfgarig Amadeus Mozart.
Ele tirou o CD da caixa e o entregou para Amy, que o colocou no aparelho de som. Os irmãos puseram os fones de ouvido. Dan estava esperando algum tipo de mensagem secreta, por isso ficou decepcionado quando um quarteto de cordas começou a tocar.
O menino fez uma careta azeda para Amy. Já tinha ouvido bastante Mozart para uma vida inteira. Ele examinou a caixa do CD. As mesmas palavras chatas de música clássica:cantata, adagio, cadenza. Amy devia saber o que elas significavam. Ou fingiria que sabia, só para deixá-lo irritado.
Os olhos dele seguiram até o fim da lista: Adágio KV 617 (1791). Lá estava outra vez. Ele apertou o botão de avançar, até chegar à última faixa.
O chão sumiu embaixo dos pés deles: Amy e Dan estavam caindo, escorregando por um túnel de metal. As laterais eram espelhadas e refletiam seus rostos cheios de pavor.
Amy apertou as duas mãos contra a rampa, numa tentativa desesperada de retardar a descida. Não havia atrito nenhum, mesmo quando ela tentou frear com as solas de borracha do tênis. A superfície era perfeitamente lisa e escorregadia.
O que...? Mesmo mentalmente, ela foi incapaz de formular uma frase completa. Ela espremeu os olhos, mas só conseguia enxergar a escuridão lá embaixo.
De repente, duas portas eletrônicas se abriram diante deles, e Amy viu o fundo se aproximando depressa. Era inevitável. Ela se preparou para o impacto...
Porém o impacto não veio. No último minuto, a superfície se nivelou e os depositou delicadamente numa almofada macia com enchimento de isopor. Eles pularam para o chão, estupefatos. Um corredor se estendia sua frente. As paredes branquíssimas estavam cobertas de quadros. Uma música clássica tocava baixinho ao fundo.
— Outra casa de Mozart? — sussurrou Dan.
— Não pode ser — Amy disse. — Algumas destas pinturas são modernas. Parece mais um museu de arte.
Dan estava desconcertado.
— Um museu subterrâneo onde se entra escorregando por uma loja de CD?
Amy observou com atenção um retrato numa velha moldura elaborada. Era umhomem com parte do rosto encoberto em sombras, com uma gola bufante branca rodeando seu pescoço.
— Dan, tenho quase certeza de que isso é um quadro do Rembrandt.
O irmão fez uma careta.
— Você me obrigou a devolver pelo correio a receita daqueles monges. Até parece que vai me deixar ficar com um quadro que vale 1 milhão de dólares.
— Se for verdadeiro, uns 50 milhões.
— Mamma mia! — Dan olhou boquiaberto para as obras de arte que decoravam as duas paredes do corredor. — Isto tudo deve valer... — Ele engoliu em seco. — Não tem dinheiro bastante no mundo para comprar nem metade disso tudo!
Amy confirmou com a cabeça.
— Mas veja só uma coisa. Grace era fanática por Rembrandt. Tinha um montão de livros com as pinturas dele. Esta aqui eu nunca vi antes.
— Será que é falsa? — Dan sugeriu.
— Acho que não. O estilo é perfeito. E veja... — Ela conduziu o irmão mais adiante no corredor. — Isso com certeza é um Picasso. Mas o quadro também não é conhecido. Talvez esta seja uma galeria secreta de obras-primas desconhecidas.
— O que isso pode ter a ver com Jonah Wizard? — Dan se perguntou.
A música clássica terminou, e uma voz modulada anunciou:
— Esse foi o último movimento da Sinfonia Inacabada de nosso caro Franz Schubert. Você está ouvindo a Rádio Janus. Só Janus, o tempo todo. A seguir, uma gravação exclusiva de Scott Joplin tocando na festa de aniversário de Harry Houdini.
Quando o piano começou a tocar um ragtime animado, Amy entendeu o que estava se passando.
— Janus! É um dos quatro clãs da família Cahill! Janus, Tomas, Ekaterina e Lucian!
— Eu odeio os Lucian — declarou Dan. — É o clã dos Cobra. E também o da Irina. Lembra quando ela nos atraiu até aquele centro de comando bizarro em Paris?
— Eu acho — sussurrou Amy — que este lugar é do mesmo tipo daquele. Só que pertence aos Janus.
Dan ficou confuso.
— Quem colocaria um centro de comando dentro de uma galeria de arte?
De repente Amy entendeu tudo. Era como se um quebra-cabeça de mil peças tivesse milagrosamente se montado sozinho numa fração de segundo. Onde antes havia apenas confusão, uma imagem completa se descortinava diante dela.
— E se cada clã da família tiver uma habilidade especial? — ela exclamou em voz baixa. — Lembra, os famosos Lucian eram principalmente líderes mundiais, grandes generais, agentes secretos e espiões. O que essas carreiras têm em comum? Estratégia, intriga... Talvez esse seja o talento dos Lucian!
— Certo, mas isso não ajuda nada neste caso. — Dan teve um estalo: — Então você está dizendo que os Janus são artistas?
Ela confirmou enfaticamente com a cabeça.
— Pessoas como Mozart, que foi um grande músico. E Rembrandt e Picasso...
— E Jonah Wizard! — acrescentou Dan, empolgado. — Quer dizer, eu acho a música dele uma droga, mas ele é um grande astro.
— Isso é incrível! Jonah veio aqui por algum motivo. Precisamos descobrir o que ele está procurando e encontrar antes que ele.
— Você não está se esquecendo de nada? Jonah é um Janus. Ele tem permissão para estar aqui. Nós não.
— Grace nunca nos contou a que clã nós pertencemos. Talvez sejamos do Janus. Eu toco piano.
— Sinceramente, Amy. Você é péssima no piano. E eu não consigo desenhar uma linha reta nem com uma régua. Nós somos tão artísticos quanto dois discos de hóquei.
Ela deu um suspiro.
— Vamos tomar cuidado. Eles não precisam saber que estamos aqui.
Os dois avançaram pelo corredor, passando por quadros de vários mestres, de Van Gogh a Andy Warhol. O corredor era curvo, e o chão tinha um declive.
— Que estranho — disse Dan. — É como se estivéssemos descendo em espiral, indo cada vez mais fundo.
— Talvez esse seja o formato da base secreta. Eles não dispunham de muito espaço, por isso projetaram o lugar como um saca-rolhas. Se eles têm os melhores artistas, devem ter os melhores arquitetos também.
Ele balançou a cabeça concordando.
— É só vender uns quadros de 50 milhões de dólares e você tem dinheiro bastante para construir o que quiser. Dá até para contratar um exército particular — ele parecia nervoso — você não acha que eles têm um exército particular, né?
Amy não sabia, e apenas balançou a cabeça fracamente. Naquela caça ao tesouro, a única coisa previsível era que a família Cahill continuaria a se mostrar imprevisível.
E nunca subestime o poder das forças que se unem contra você.
O corredor se alargou, e ali estava um caça da Primeira Guerra Mundial em tamanho natural, com hélice, metralhadoras fixas e dois níveis de asas. Havia uma cabeça de índio pintada de cada lado.
Amy olhou perplexa para o avião.
— Será que é algum tipo de arte moderna?
Os olhos de Dan se arregalaram.
— Isto não é uma obra de arte. É a coisa mais legal que eu já vi ao vivo!
— Um avião de verdade?
— Não é um avião qualquer. Este é o caça Nieuport que foi pilotado por Raoul Lufbery! Um dos maiores ases da aviação da Primeira Guerra Mundial! — ele franziu a testa. — Mas achei que os Janus fossem artistas, e não pilotos de caça.
— Acho que isso depende do que você chama de artista — especulou Amy. Ela apontou para um mostrador na parede, onde estava disposta uma coleção de balestras e rifles. — Arco e flecha, tiro ao alvo, combate aéreo. No alto-falante mencionaram o nome de Houdini, que era um artista da fuga.
— Legal! Estou começando a curtir um pouquinho esses Janus.
— Dan, vem cá — Amy estava segurando as portas abertas de um elevador cromado, atrás de um modelo de cockpit de um caça F-15.
Ele correu para junto dela, entrou no elevador e examinou a lista de andares do centro de comando.
— Agora para onde vamos? Escultura... Filmes... Planejamento estratégico? Por que alguém ia precisar de planejamento estratégico para um museu de arte?
— Não é só um museu, lembra? — disse Amy. — É uma base de operação para o clã Janus inteiro planejar estratégia.
— Sim, mas estratégia pra quê?
— Bem, por exemplo, para encontrar pistas.
— Ah, até parece! — protestou Dan. — A busca foi anunciada no funeral de Grace. Não é possível que os Janus tenham construído uma base como essa em apenas duas semanas, por mais quadros que tenham vendido.
— A busca oficialmente começou no funeral — emendou Amy. — As pistas já existem desde a época de Mozart, talvez até antes. Aposto que os clãs sempre souberam das 39 pistas. E qualquer que seja o prêmio, esse grande segredo, é por isso que eles têm brigado todos esses séculos.
As portas de aço se fecharam com um ruído, e o elevador começou a descida para o ventre da base secreta.
Dan olhou assustado para a irmã.
— Você apertou alguma coisa?
Ela fez que não com a cabeça, aflita.
— Alguém deve ter chamado o elevador!
Amy foi tomada pelo medo. Em poucos segundos, as portas se abririam outra vez, revelando os irmãos a um membro Janus que talvez soubesse que eles não pertenciam ao clã.
Amy começou a apertar os botões do painel do elevador ao acaso, na esperança de interromper sua trajetória antes que ele chegasse ao destino. O elevador parou bruscamente. Será que era um andar seguro?
Quando tivermos certeza, vai ser tarde demais...
Eles ouviram as vozes primeiro, não apenas uma ou duas, mas o burburinho geral de uma multidão.
— Pessoas! — chiou Dan. — Temos que sair daqui!
Mas, nesse momento, os painéis cromados já estavam se abrindo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário