quinta-feira, 17 de abril de 2014

Capítulo 14

Dan ficou pálido. Ele se virou para a irmã e gesticulou com a boca:
— Jonah!
Amy arrastou o irmão para trás do cravo da família Mozart. Ali eles se agacharam, mal ousando respirar.
— É mesmo impressionante — concordou outra voz, esta com esta com destaque italiano. — É evidente que o nome Janus contribuiu mais para o desenvolvimento das artes do que qualquer outra família na História.
— A gente tem o dom — Jonah se vangloriou.
— Eis aqui uma peça que será de especial interesse para um americano — o homem disse a Jonah. — Talvez a imagem mais copiada de todos os tempos: o retrato do seu primeiro presidente, George Washington, impresso nas notas de dólar há mais de um século. Pintada por Gilbert Stuart, em 1796. A bisavó dele nasceu com o nome Gertrude Cahill.
— Massa — disse Jonah. — Mas achei que essa imagem estivesse no Museu de Belas Artes, em Boston.
A voz do anfitrião irradiou um profundo desgosto.
— Aquela é só o rascunho. A maior parte da tela foi deixada em branco. Esta peça é... como se diz, mesmo?
— O lance verdadeiro? — sugeriu Jonah.
— Esattamente. A maioria dos artistas Janus reserva suas melhores obras para nós. Lembrem-me de lhes mostrar a versão acabada da Noite estrelada de Van Gogh. O eclipse da lua é particularmente espetacular. Agora, por favor, me sigam...
Amy espiou pela lateral do cravo. Ela viu Jonah e o pai escoltados por um homem alto e magro, com cabelo preto como azeviche, amarrado em um rabo de cavalo.
Eles pararam em frente ao mostrador de vidro com as páginas faltantes do diário.
— Acredito que seja isto o que você procura — anunciou o homem de rabo de cavalo. — Faz parte do diário de Maria Anna Mozart.
Amy e Dan trocaram um olhar estarrecido. Será que tinham chegado até ali apenas para ver Jonah Wizard roubar o prêmio bem debaixo do nariz deles?
Jonah olhou o leitor de retina.
— Segurança da pesada. Esses papéis devem ser o que pegam.
O anfitrião parecia embaraçado.
— Na verdade, não sabemos ao certo por que especificamente estas páginas são tão valiosas. Mas, ao longo dos séculos, elas foram objeto de muita disputa entre os clãs. Era prudente tomar precauções.
O pai de Jonah se pronunciou.
— Jonah não faz leitura de retina. Os olhos dele estão segurados por 11 milhões de dólares — ele bateu no BlackBerry, incomodado. — Não tem sinal aqui embaixo.
— Sossega, pai. Uma vez só não vai fazer mal.
Jonah encaixou o queixo no suporte e olhou direto para a luz. Ouviu-se um bipe quando a máquina leu sua retina, e uma voz computadorizada anunciou:
— Confirmação concluída. Wizard, Jonah; mãe: Cora Wizard, membro, conselho superior Janus; pai: Broderick T. Wizard, não Cahill, autorização Janus parcial.
O senhor Wizard fez uma careta. Obviamente não gostou de ter sido considerado um cidadão de segunda classe na Januslândia.
O homem de rabo de cavalo vestiu luvas de látex e entregou um par para Jonah. Então abriu uma porta no vidro à prova de balas, retirou as páginas de Nannerl e as entregou ao jovem astro.
— Você poderá examiná-las no nosso escritório, é claro. Naturalmente, não podemos permitir que elas saiam da base.
— Minha esposa com certeza vai achar interessante saber que vocês administram esta base como se fosse um acampamento militar — o senhor Wizard resmungou — até para o filho dela.
— Sua esposa — disse o guia num tom arrogante — projetou pessoalmente todos os nossos protocolos de segurança.
— Tá tudo bem, pai — Jonah tentou acalmá-lo. — A mãe acha isso tranquilo, e eu também.
Os três saíram da sala de Mozart.
Amy pulou imediatamente com a intenção de segui-los, mas Dan segurou seu braço com força:
— O que você vai fazer? — ele chiou. — Assaltar Jonah Wizard no meio do quartel-general dos Janus?
— Não podemos deixar ele ir embora! — ela retrucou. — Isso seria o mesmo que entregar a busca de bandeja para Jonah Wizard!
— Deixar eles pegarem você não vai adiantar nada! — insistiu o irmão. — Este é o território dele! A gente ia ter que enfrentar uma gangue de artistas malucos, que arrancariam nossa cabeça por causa dessas três páginas. Eles amam essas antiguidades imbecis mais do que a própria vida!
Ela pareceu assustada, e depois decidida.
— Você tem razão! Eles fariam qualquer coisa para proteger as obras de arte! Vamos!
Ela saiu em disparada para o corredor. Dan foi atrás, confuso, mas pronto para agir.
À frente deles, os Wizard e seu anfitrião entraram no átrio, não sem antes fazer uma pausa para observar os pintores e sua roda giratória. Em breve eles se perderiam na multidão. Era agora ou nunca.
Amy passou correndo por Jonah, pulou para cima do palco e arrancou um tubo de tinta vermelha de um artista assustado.
Jonah apontou para ela.
— Ei, essa aí não é a...?
Antes que ele pudesse concluir a pergunta, Amy desceu do palco. Em poucos segundos ela seria o centro das atenções, porém seu medo de multidões era a última coisa que lhe passava pela cabeça naquele momento. Cada fibra de seu corpo estava focada no que ela precisava fazer.
O homem de rabo de cavalo se virou para ela.
— Quem é você? Como entrou aqui?
Amy correu em direção ao lendário retrato de George Washington e gritou:
— Parem! — e apontou o pote de tinta para o quadro na parede. — Se vocês derem mais um passo, o George aqui vai ficar vermelhinho!
Os olhos do homem se arregalaram de horror.
— Você não teria coragem de fazer isso!
— Como não? — disse Dan. — Essa é minha irmã! Ela tá pirando!
Jonah rapidamente enfiou as páginas do diário dentro da jaqueta.
— O que vocês querem, manos Cahill?
— Esses papéis que você está tentando esconder dentro da jaqueta. Entregue para mim agora! — ordenou Amy.
— Eles não servem pra nada! — Jonah balbuciou, desacreditando que Amy e Dan tinham conseguido surpreendê-lo ali, na base secreta de seu próprio clã. — É puro lixo, saca? Eu estava até procurando uma lixeira para jogar fora e...
— Passe os papéis pra cá, Wizard — rosnou Dan.
— Nem sonhando.
Amy brandiu o tubo de tinta a poucos centímetros do rosto do primeiro presidente dos Estados Unidos.
— Eu não tenho medo de usar isto!
— Você está blefando! — acusou Jonah.
Porém, por trás de seu ar de bravura, sua confiança estava começando a enfraquecer. Surgiam rachaduras na lendária atitude Wizard.
— Pinta logo, mana — incitou Dan. — Transforma o George num tomate.
Amy hesitou, tomada pela culpa. Aquela era uma obra de arte com valor inestimável para a humanidade, um tesouro americano, que ela teria de estragar. Se não fizesse isso, eles estavam perdidos. Como as coisas tinham chegado àquele ponto?
Ela respirou fundo e se preparou para o que tinha que ser feito naquele momento.
— Nããão! — O grito que veio do homem de rabo de cavalo soou como uma sirene antiaérea. — Pode ficar com as páginas! Mas não danifique esse quadro!
O pai de Jonah ficou indignado.
— Você não tem autoridade para isso! Este lugar pode parecer um museu, mas não é! Você está querendo entregar informações importantíssimas para o inimigo! Tem muito mais em jogo aqui do que uma simples pintura!
— O senhor não é um Janus! — esbravejou o homem. — Pessoas como o senhor nunca vão apreciar a incomparável e insubstituível força vital de qualquer obra de arte, muito menos uma obra-prima que não tem preço!
— Última chance! — exclamou Dan.
Jonah hesitou. Ele entendia perfeitamente a angústia do homem. O retrato de George Washington era parte da história dos Janus. Mas o pai dele sabia que as páginas do diário, assim como a busca pelas pistas, podiam ser o destino do clã. Qual era a escolha certa? O presidente ou Nannerl? O passado ou o futuro? Nervoso, ele se mexia de um lado para o outro, sem saber direito o que fazer, não acostumado à indecisão.
Os olhos de Amy encontraram os do irmão. Eles nunca teriam uma chance melhor. Ela virou o tubo de tinta e esvaziou tudo no rosto do homem de rabo de cavalo e dos dois Wizard.
Enquanto os três cambaleavam, esfregando os olhos que ardiam com a tinta vermelha, Dan deu um pulo. Ele arrancou do indefeso Jonah as páginas do diário e os irmãos fugiram pelo corredor.
A última coisa que ouviram antes que um alarme ensurdecedor disparasse foi a voz do homem tranquilizando os Wizard:
— Não se preocupem. Eles não vão muito longe.
Amy e Dan avançavam a toda velocidade pelos corredores, seguindo a espiral que penetrava cada vez mais fundo no complexo subterrâneo.
— Não era melhor a gente subir em vez de descer? — disse Dan, enfiando as páginas debaixo do braço, como um jogador de futebol americano.
Amy concordou com a cabeça, sem fôlego, enquanto as sábias palavras do irmão provocaram um curto-circuito na urgência da fuga. Escapar significava achar um jeito de sair da base secreta. Eles estavam correndo na direção errada.
Foi então que ela viu.
Parcialmente escondida por uma instalação de arte moderna com uma pirâmide alta feita de latas de refrigerante, havia uma porta estreita. E depois da porta...
— Uma escada! — Amy agarrou o braço do irmão. — Vamos!
— Ei! — Jonah surgiu de repente na cena, com seu famoso rosto pintado de vermelho. — Vocês nunca vão conseguir sair daqui! Voltem e a gente pode negociar alguma coisa!
Mal se ouviam os gritos dele por cima do alarido da sirene.
O pai dele apareceu do lado, seguido do homem de rabo de cavalo e vários Janus, que não pareciam querer negociar coisa alguma. Raiva, pura e absoluta, era o que irradiava deles.
A mensagem foi transmitida entre os irmãos Cahill como por radar: Agora!
Eles se jogaram na pirâmide, desencadeando uma avalanche de latas de refrigerante atrás dos perseguidores. Houve gritos de susto e fúria enquanto Jonah e os Janus escorregavam e tropeçavam em milhares de latinhas vazias.
Com o alarme soando forte em seus ouvidos, Amy e Dan subiram em disparada os degraus de concreto.
— Onde estamos? — Dan resfolegava enquanto eles corriam. — Você faz alguma ideia de como voltar à loja de CD?
Amy fez que não com a cabeça, perdida.
— Deve ter alguma outra saída!
Mas o coração dela afundou no peito assim que eles contornaram o patamar seguinte.
Cinco metros à frente, no topo do lance da escada, o caminho estava bloqueado por uma barreira de ferro.
Dan se jogou no portão.
— Ai! — Ele rebateu, esfregando o ombro.
Amy cutucou o cadeado.
— Não adianta! — ela disse, ofegante. — Vamos ter que achar outro caminho.
Eles passaram por uma cortina pesada, que dava no único corredor que tinham visto até agora que não estava apinhado de obras de arte.
Dan torceu o nariz.
— Que fedor é esse?
— É lixo. Até os grandes artistas colocam o lixo para fora. Precisam se livrar dele de algum jeito. Deve ter uma saída por perto.
Eles já tinham chegado à metade do corredor quando duas figuras vestindo macacões apareceram na outra ponta.
Amy e Dan espremeram os olhos na penumbra e viram as chamas dançando nas duas espadas de esgrima. Um dos pintores surgiu ao lado deles.
Oh, não!, pensou Amy, desesperada. Agora a base inteira está atrás de nós!
Amy e Dan tentaram voltar por onde vieram, entretanto o homem de rabo de cavalo e os Wizard bloqueavam a fuga.
Jonah fez tsc, tsc com a cabeça, fingindo compaixão pelos irmãos.
— Eu disse pra vocês, cara. Não tem saída.
Eles estavam prestes a virar sanduíche entre os vários Janus que avançavam em sua direção.
— Tem mais algum milagre na manga? — Dan perguntou por entre os dentes cerrados.
Amy não respondeu.
Ela estava olhando para uma alavanca bem no meio da parede. Não parecia estar ligada a nada. No controle lia-se CÂMARA DE AR, com tradução em várias línguas. Havia duas posições: LIGAR BOMBA e DESLIGAR BOMBA.
Ela continuou olhando fixamente. Não fazia ideia do que era aquele aparelho, mas uma coisa estava clara: não havia como piorar ainda mais a situação deles. Amy puxou a alavanca para a posição LIGAR BOMBA.
E então se fez o milagre.

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