Um painel da parede recuou, revelando uma câmara de acrílico cheia de água. Com um ronco forte, a água foi sugada para fora da câmara. Uma escotilha com vedação de borracha se abriu com um chiado. Não havia tempo para hesitar. Aquilo podia ser uma armadilha, talvez uma armadilha mortal. Mas com inimigos brotando de todos os lados, parecia ser a única maneira de escapar.
Com Dan na liderança, eles foram subindo por uma escada de metal.
Ele estava confuso.
— De onde veio toda esta água?
— Estamos em Veneza, idiota! — Os braços e as pernas de Amy funcionavam como pistões. — Os canais, lembra? Continue subindo!
— Olhe! — ele exclamou. — A luz do dia!
O sol do fim de tarde brilhava através da grade de uma tampa de bueiro. Amy sentiu um breve instante de pânico. As tampas de bueiro eram de ferro e pesavam centenas de quilos. E se eles ficassem presos?
O medo dela sumiu quando Dan empurrou a grade para o lado com facilidade.
— É de plástico — ele riu.
O menino se içou para fora do buraco e puxou a irmã para cima, do seu lado.
Eles viram o lugar onde tinham ido parar. Era um cais estreito de pedra, num dos famosos canais de Veneza.
Dan olhou ao redor, abismado.
— Nossa! É como se a rua fosse de água! E todo mundo dirige barcos em vez de carros!
Amy confirmou com a cabeça.
— Alguns venezianos quase nunca põem o pé na rua. Pelos canais, eles conseguem chegar a qualquer lugar da cidade.
O momento turístico foi interrompido quando eles ouviram o eco de um sapato batendo na escada de metal e a voz de Jonah:
— Por aqui!
Eles fugiram por uma passarela estreita que unia o cais e que dava em outro cais.
— Opa! — Dan freou bem a tempo.
O caminho terminava de repente. Ele, e junto com ele as páginas do diário de Nannerl Mozart, quase tomou um banho inesperado na água suja do canal.
— O que vamos fazer? — Amy gemeu.
Eles viram uma lancha a motor estacionar junto ao pequeno píer onde estavam e ser amarrada a uma estaca. Uma moça pulou para fora da embarcação e entrou correndo na casa que ficava na ponta do cais. Ela obviamente estava com pressa, pois deixou as chaves na ignição e o motor em ponto morto.
Amy percebeu o olhar inspirado que surgiu no rosto do irmão.
— Nós não vamos roubar!
Dan já estava entrando no barco.
— Vamos pegar emprestado. É uma emergência! — Ele puxou a irmã para dentro, tentando recuperar o equilíbrio enquanto a pequena lancha oscilava sob o peso deles. — Segure firme! — ele mandou, empurrando o manete.
Com um ronco ensurdecedor, a lancha se afastou uns cinquenta centímetros do píer e parou de repente, com um tranco e um ruidoso protesto do motor.
— Você esqueceu de desamarrar a corda! — Amy se agachou para soltar a corda amarrada à estaca, e eles foram seguindo o curso estreito da água.
Atrás deles, a falsa tampa de bueiro se abriu outra vez, e de lá saíram Jonah, seu pai e o homem de rabo de cavalo. Os três correram para outro píer e pularam dentro de um barco a motor. Vários Janus estavam na cola deles. Duas outras embarcações partiram na água turva em direção a Amy e Dan.
Dan acelerou, virando em direção à coisa mais parecida com uma pista de ultrapassagem que havia no canal. Gôndolas mais esbeltas oscilavam feito rolhas por onde os dois passavam. Os gondoleiros brandiam os punhos e xingavam.
— Dan, isso é loucura! — Amy disse com voz trêmula. — Você não sabe dirigir um barco!
— Quem disse? É igualzinho no videogame!
Bum! O para-choque na proa da lancha bateu na ponta de um antigo cais de pedrinhas. A pequena embarcação girou como um pião, jogando Amy no convés. Dan precisou se segurar com toda a força no volante do barco para não ser derrubado também.
— Certo, esqueça o videogame. Pense em carrinhos bate-bate! Eu sou ótimo neles! Lembra daquele parque de diversões?
Sua irmã estava no chão do barco, de quatro, agarrando-se na amurada.
— Esqueça o parque de diversões! Pense só em tirar a gente daqui!
Ele seguiu o olhar dela. Eram os Janus, cada vez mais perto. Os Wizard estavam na liderança, costurando entre gôndolas vagarosas.
Dan não conseguiu fazer uma curva fechada. Com um estrondo, a lancha rebateu num esquife e ricocheteou para o meio do canal.
Amy estava apavorada.
— Você vai afogar nós dois!
— Quer que eu pare e deixe os Wizard nos afogar? — ele retrucou.
Bem à frente, a passagem se bifurcava em três direções. O caminho da direita era muito estreito, irregular e inóspito. Talvez os Janus o evitassem.
Dan foi na direção dele.
— Ainda bem que os venezianos de antigamente construíram estes canais!
— Acho que ninguém construiu os canais — Amy disse, ofegante. — Veneza na verdade é um monte de ilhotas pequenas, tão juntas que o espaço entre elas forma vias aquáticas.
— Bem, enfim, é superlegal. Só queria que esse barco imbecil andasse mais depressa.
Amy olhou para trás, nervosa.
— Acho que nós os despistamos.
O irmão dela não estava muito certo disso.
— Não por muito tempo. Ouça, se Jonah nos alcançar, é melhor que as páginas do diário não estejam com a gente. Precisamos deixá-las em algum lugar.
— Deixar as páginas? Nós quase morremos para tirá-las da base secreta!
— É por isso que temos que escondê-las em algum lugar muito seguro. Depois esperamos a poeira baixar e voltamos para buscá-las.
Amy estava nervosa.
— Nós não conhecemos Veneza! Se escondermos essas páginas, talvez não encontremos nunca mais!
— É mais um motivo para achar um lugar que seja impossível de esquecer.
— Tipo qual?
— Tipo este.
Eles passaram por sob uma ponte baixa, no nível da rua, junto a uma igreja modesta – Santa Lucia. Uma pequena embarcação de passeio estava atracada ali, parcialmente escondida embaixo da ponte. O nome estava pintado na popa: ROYAL SALADIN.
Ele desligou o motor, deixando a lancha deslizar em direção ao outro barco.
— Está muito rápido! — gritou Amy.
A colisão balançou os dois barcos, e Amy por muito pouco não foi jogada para fora. Ela lançou um olhar feio para o irmão.
— Você precisa mesmo dirigir que nem um maluco?
Ele parecia magoado.
— Achei que eu estava indo bem. Certo, segure a lancha no lugar, ok?
Amy agarrou a grade de segurança do Royal Saladin, surpresa ao notar como era preciso pouca força para impedir que a embarcação se afastasse.
Dan pulou para o outro barco e começou a procurar um esconderijo.
— Precisa ser um lugar seco — instruiu Amy. — Se os papéis molharem, vão estragar.
— Entendi.
Havia vários bancos embutidos em volta da proa. Dan abriu o zíper de uma almofada à prova de água do assento, tirou da jaqueta as páginas do diário e as enfiou dentro da capa de vinil.
Mal ele tinha voltado para a lancha, o alarido de motores externos alcançou seus ouvidos. Os três barcos dos Janus fizeram uma curva rápida no canal. Jonah Wizard estava postado na proa do barco da frente, como um enfeite em estilo hip-hop.
— Depressa! — recomendou Amy.
Dan acelerou, e a lancha disparou para a frente em meio a uma nuvem de óleo queimado.
Os irmãos Cahill estavam na vantagem, no entanto, de modo algum conseguiriam avançar mais depressa que seus velozes perseguidores. A única chance deles era despistá-los pelo labirinto de canais. Porém aquilo não chegaria a acontecer. Logo à frente, o canal estreito desembocava numa via aquática mais larga, apinhada de trânsito marítimo.
— O Grande Canal — Amy disse, embasbacada. — E lá está a ponte di Rialto, uma das pontes mais famosas do mundo.
— Não precisamos de um guia turístico! Precisamos de um lugar para sumir!
A lancha saiu no canal aberto. Dan olhou para a popa. Jonah e os Janus estavam uns 500 metros atrás, mas chegando cada vez mais perto.
Foi então que ele viu. Entre as dezenas de barcos que abarrotavam o canal, havia um reluzente iate high-tech parado bem em frente à ponte di Rialto. Primeiro Dan imaginou que o iate estivesse atracado ali, contudo, ao olhar mais de perto, viu que a embarcação estava a uns 5 metros da costa, em repouso na água, oscilando imperceptivelmente para cima e para baixo.
Se conseguirmos entrar atrás dessa coisa...
Ele apontou a proa para o espaço vazio entre o iate e a costa. Amy entendeu.
— Você acha que conseguimos nos esconder? Nunca vamos conseguir chegar ali a tempo!
Dan acelerou sem dó.
— Vamos sim.
— Como você pode ter tanta certeza?
Dan não tinha certeza de nada a não ser de que aquele era o único plano deles. Só o que lhes restava fazer era tentar.
E rezar.
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