— Meu pudinzinho! — Mary-Todd Holt se ajoelhou ao lado do marido. — Você está bem?
Eisenhower se sentou, com um galo do tamanho de um ovo brotando no cocuruto.
— É claro que estou bem! — ele conseguiu dizer, com as palavras todas emboladas. — Você acha que um reles inseto consegue me deter?
— Não sei não, pai. Ela acertou você com um taco de beisebol! — disse Reagan, não convencida.
— Um bastão de hóquei — Dan corrigiu.
— Talvez essas sejam suas últimas palavras, pirralho... — a vítima ficou de pé num pulo, então perdeu o equilíbrio e quase caiu de novo.
Sua esposa estendeu o braço para ajudá-lo, porém ele a afastou.
— Estou bem. É só o movimento do trem. Você acha que eu não aguento porrada? Eles disseram isso em West Point, e olhe para mim agora!
— O que vocês querem? — Amy perguntou.
— Agora sim essa sua cabeça oca está funcionando — aprovou Mary-Todd. — Nos dê a pista de Paris, e não vai acontecer nada com vocês.
— E vocês bem mereciam que acontecesse — acrescentou o marido, esfregando a cabeça com cuidado.
— Não estamos com a pista — Amy disse a eles. — Os Kabra pegaram.
— Eles pegaram o frasco — corrigiu Madison. — Não se preocupe, em breve eles vão pagar por isso. Vocês ficaram com o papel.
— Que papel? — Dan perguntou em tom de desafio.
Em resposta, Eisenhower agarrou Dan pelo colarinho e o levantou sem dificuldade alguma, como se estivesse erguendo o braço para chamar um garçom.
— Ouça aqui, seu vermezinho fedorento. Você acha que está podendo só porque vocês eram os favoritos de Grace, né? Mas, para mim, vocês dois valem menos que titica de galinha.
Sua mãozona gigante se fechou no pescoço de Dan, esmagando-o como uma prensa de potência industrial. Dan tentou respirar e percebeu que não conseguia. Estava sendo estrangulado.
Seus olhos procuraram os da irmã, mas ele não encontrou ali ajuda alguma, apenas uma imagem espelhada de seu próprio terror. Era fácil tirar sarro dos Holt, com seu físico de halterofilistas, seus jargões de treinador esportivo e seus agasalhos combinando. Aquele foi o momento de alerta vermelho. Eles eram inimigos perigosos. E, por um prêmio tão alto, eram capazes de... De quê?
Amy não estava disposta a descobrir.
— Pare! Vamos dar tudo o que vocês quiserem!
Madison estava triunfante.
— Eu disse que eles iam arregar se o time inteiro pressionasse.
— Ora, Madison — disse a mãe. — Amy tomou uma atitude inteligente. Nem todos os Cahill são páreo para essa busca.
Amy correu para ajudar Dan, que tinha sido jogado sem nenhuma cerimônia em cima de um malote cheio de cartas. Aliviada, ela percebeu que a cor estava voltando ao rosto do irmão.
Ele estava bravo.
— Você não devia ter feito isso!
— Grace não ia querer a nossa morte — ela sussurrou. — Vamos achar outro jeito.
Os Holt começaram a fazê-los marchar em direção ao fundo do trem.
— Nem pensem em dar uma de engraçadinhos — Eisenhower murmurou quando um funcionário passou por eles.
Relutantes, eles chegaram aos seus assentos. Hamilton estava sentado ao lado de Nellie, com seu corpanzil de fisiculturista esmagando a au pair contra a janela do trem.
Mas Nellie esqueceu o desconforto na hora quando avistou Amy e Dan.
— Eles machucaram vocês? — ela perguntou, aflita. — Vocês estão bem?
— Estamos — Amy respondeu com voz desanimada. Para Eisenhower ela acrescentou: — Está no compartimento de bagagem.
Os Holt chegaram muito perto de atropelar uns aos outros no desespero de abrir o compartimento de bagagem. Dando um estridente miado, Saladin pulou para o chão. Junto com ele veio uma chuva de papel rasgado, que era tudo o que tinha sobrado da partitura original escrita pelo próprio Mozart.
— Nossa pista! — Nellie gemeu.
— Sua pista?
O rugido que Eisenhower deu não foi exatamente humano. Ele agarrou Saladin, segurou o gato de cabeça para baixo e começou a sacudi-lo.
Com um ruído felino que mais parecia um soluço, Saladin arrotou uma bola de pelos, generosamente salpicada de notas musicais. Não havia nada que pudesse ser salvo. Era tudo confete.
A explosão de fúria de Eisenhower Holt provou que seus músculos se estendiam até as cordas vocais. O berro fez alguns passageiros correrem para os vagões adjacentes. Um instante depois, um condutor de uniforme se aproximou, abrindo caminho entre os viajantes agitados.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou o homem, com forte sotaque francês. — Quero ver sua passagem para este trem.
— Você chama isto de trem? — urrou Eisenhower. — Se fosse nos Estados Unidos, eu não deixaria nem meu hamster entrar nesta geringonça!
O condutor ficou vermelho.
— O senhor vai ter que me entregar seu passaporte, monsieur! Na próxima estação, vai conversar com as autoridades!
— Para que esperar? — Eisenhower jogou o gato nos braços de Amy. — Pegue esse seu rato. Família Holt... bater em retirada!
Os cinco membros da família saíram correndo pela porta do vagão e se jogaram do trem em movimento.
Amy e Dan acompanharam pela janela a cena dos primos Holt rolando morro abaixo sem desmanchar a formação.
— Uau! — exclamou Nellie. — Não é todo dia que se vê uma coisa dessas.
Amy estava quase chorando.
— Eu odeio eles! Agora perdemos nossa única pista!
— Não era uma pista muito boa, Amy — Dan disse em voz baixa. — Era só uma música. Mesmo sendo de Mozart... grande coisa.
— Era uma grande coisa — lamentou a irmã. — Só porque não conseguimos descobrir o que estava escondido na partitura, não quer dizer que não tinha nada. Eu queria pelo menos tocar as notas num piano. Talvez isso nos dissesse alguma coisa...
Seu irmão parecia surpreso.
— Você quer as notas? Isso é muito fácil.
Ele baixou uma mesinha do encosto do assento, abriu um guardanapo limpo e começou a desenhar.
Amy observou estupefata o irmão delinear a pauta de cinco linhas e a colocar notas nela.
— Você não sabe escrever música!
— Talvez não — ele concordou sem erguer os olhos. — Mas desde Paris que eu estava olhando para aquela partitura. Ela é assim. Eu garanto.
Amy não discutiu. O irmão tinha memória fotográfica. A avó deles comentara aquilo muitas vezes. Será que, naquela época, ela já sabia que o talento do menino um dia teria importância vital?
No momento em que o trem cruzou a fronteira com a Alemanha, Dan já tinha reproduzido perfeitamente a partitura, com todos os detalhes. Ninguém deixou Saladin nem chegar perto.
No momento em que Amy, Dan e Nellie saíram da estação ferroviária Westbahnhof, em Viena, não tinham como saber que estavam sendo espionados.
No assento traseiro de uma elegante limusine preta estacionada em frente à entrada principal, Natalie Kabra espiava com seu potente binóculo, observando cada movimento deles.
— Estou vendo os três — ela disse para Ian, seu irmão, que estava sentado a seu lado sobre o couro macio do interior do carro. Natalie fez uma careta. — Eles estão sempre parecendo indigentes. E cadê a bagagem deles? Uma sacola e umas mochilas. Será que são tão pobres assim?
— Pobres Cahill... — Ian respondeu distraidamente, contemplando um lance de xadrez na tela retrátil da limusine. Desde que haviam saído de Paris, ele estava enfrentando um supercomputador russo em Vladivostok. — Que jogada imbecil — ele murmurou para o adversário. — Achei que os computadores fossem inteligentes.
Natalie estava irritada.
— Ian, você pode prestar atenção, por favor? Não é porque temos inteligência superior que não existe a possibilidade de estragarmos tudo.
O irmão dela era brilhante, mas ninguém era tão brilhante quanto Ian achava que era. Às vezes um pouco de bom senso valia mais que um Q.I. alto. Ele tinha um Q.I. alto. Natalie sabia que era função dela acrescentar um toque de bom senso. Ela respeitava os talentos do irmão, mas precisava ficar de olho nele.
Com uma risadinha arrogante, Ian sacrificou um bispo, planejando mentalmente um astucioso xeque-mate em sete lances.
— Nós estamos com o frasco de Paris — ele lembrou à irmã. — Nenhuma das outras equipes tem a mínima chance. Principalmente estes sem-tetos dos irmãos Cahill. Já somos praticamente os vencedores.
— Ou não, se ficarmos confiantes demais — sua irmã lembrou. — Olhe! Eles estão entrando num táxi. — Ela bateu na divisória de vidro. — Motorista, siga aquele carro.
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