quinta-feira, 17 de abril de 2014

Capítulo 3

Quando o assunto eram hotéis, maior nem sempre significava melhor. Porém, o quarto deles no Hotel Franz Josef não chegava nem a ser um closet. Por outro lado, o preço era bom, e Nellie disse aquilo incisivamente, para não deixar dúvidas.
— Ainda acho que devíamos ter ficado no Hotel Bundes — reclamou Dan.
— Bundes não é o que você está pensando — disse Nellie. — Se não me engano, quer dizer “da confederação” em alemão.
— Mesmo assim é engraçado — insistiu Dan. — Vou lá ver se consigo pegar uma placa pra minha coleção.
— Não temos tempo para isso — rosnou Amy, pondo Saladin no chão. O gato imediatamente começou a explorar o quarto, como se achasse que talvez houvesse salmão fresco escondido em algum lugar. — Nós chegamos a Viena, mas ainda não temos ideia do que fazer.
Dan abriu a sacola de Nellie e tirou seu laptop.
— Pode ficar olhando notas musicais até seus olhos não aguentarem mais — ele disse, plugando o adaptador e ligando o computador. — Se a resposta está em algum lugar, esse lugar é a internet.
Amy ficou revoltada.
— Você acha que pode procurar no Google a solução para todos os problemas do mundo.
— Não, mas posso procurar Mozart no Google — ele arregalou os olhos. — Nossa... 36 milhões de ocorrências! Veja esta aqui: MOZART, O VIENENSE MAIS FAMOSO DE TODOS OS TEMPOS.
— Viena é uma cidade muito bonita — Nellie disse distraidamente, olhando pela janela. — Vejam a arquitetura... Aposto que alguns destes prédios datam do século XIII!
Amy apontou.
— Acho que aquela é a torre da catedral de Santo Estevão. Deve ser tão alta quanto um prédio de escritórios lá nos Estados Unidos!
Por toda parte, gárgulas e entalhes elaborados decoravam fachadas de pedra, e esculturas folheadas a ouro reluziam à luz do sol. Para além dos telhados mais próximos, uma larga avenida, a Ringstrasse, transportava carros e pedestres de um lado para o outro.
Dan não notou nada daquilo, totalmente concentrado em navegar na internet.
— Veja, Amy. Eu copiei aquela partitura imbecil à toa. Está tudo na internet. Como era mesmo o nome daquela música?
Amy se colocou ao lado do irmão e espiou por cima do ombro dele.
— KV 617... foi uma das últimas coisas que Mozart compôs antes de morrer... Aí está!
Dan deu uma passada de olhos na partitura, franzindo a testa.
— É, é ela mesma... mais ou menos. É igual até aqui... — ele apontou. — Mas depois...
Amy pegou o guardanapo do trem e o segurou ao lado da tela.
— É diferente?
— Não tudo... Está vendo? Começa outra vez bem aqui. Mas estas três linhas estão faltando na versão da internet. Estranho, né? É quase como se o site tivesse deixado alguma coisa de fora.
— Ou então — disse Amy, seus olhos dançando de um lado para o outro — Mozart acrescentou três linhas na música que enviou para Benjamin Franklin em Paris! Dan, talvez esta seja uma mensagem secreta entre duas das pessoas mais famosas da História! Estas linhas a mais são a pista!
Dan não se impressionou.
— Que diferença isso faz? Ainda não sabemos o que significa.
Amy deu um suspiro aflito. Seu irmão era imaturo e irritante. Mas sua característica mais desagradável talvez fosse o fato de que ele geralmente tinha razão.

***

A Casa de Mozart, na Rua Domgasse, número 5, era uma casa-museu dedicada ao famoso compositor. Situada na única habitação preservada de Mozart em Viena, era uma atração turística muito frequentada. Mesmo às nove da manhã, os visitantes formavam uma fila que chegava até a metade do quarteirão.
Dan ficou abismado.
— É Mozart, não é a Disneylândia! O que essa gente toda está fazendo aqui?
A irmã dele revirou os olhos.
— Esta é a casa onde Mozart morou de verdade. Talvez seja até a mesma cama onde ele dormia. A cadeira onde ele sentava. O tinteiro que usou para escrever algumas das maiores obras musicais que já foram compostas até hoje.
Dan fez uma careta.
— Estou esperando na fila para ver uma casa cheia de móveis velhos?
— Sim, está sim — ela disse num tom firme. — Até nós entendermos o que aquela pista significa, nossa missão é aprender o máximo que conseguirmos sobre Mozart. Quem sabe quando vamos achar alguma coisa que pode nos revelar o que estamos procurando?
— Numa cadeira? — disse Dan, duvidando.
— Talvez. Olha, nós sabemos que os Holt estão na nossa cola, e aposto que o outros competidores não devem estar muito longe. Eles são mais velhos, mais inteligentes e mais ricos do que nós. Não podemos vacilar nem por um instante.
Demorou quarenta minutos até que eles finalmente conseguissem passar pela porta. Dan não gostou nem um pouco de ficar esperando, mas ele teve que admitir que aquela tinha sido a parte mais interessante do passeio.
Ombro a ombro com turistas pentelhos e musicófilos deslumbrados, eles foram avançando pelo apartamento do grande compositor, seguindo uma trilha de cordas de veludo. Um turista australiano ficou tão emocionado que chorou de verdade.
— Não chore, amigo. Já está quase acabando — Dan murmurou entre os dentes. Agora só faltava ele se convencer daquilo.
Os irmãos Cahill foram advertidos em pelo menos seis línguas diferentes a não encostar em nada. Bastava os seguranças olharem para Dan para perceberem na hora que ele era capaz de destruir tudo.
A cada oh! e ah! da multidão de apaixonados por Mozart, os ombros de Dan pendiam mais um pouco para baixo. Amy estava tão desconsolada quanto ele, mas por outro motivo. Não saber o que se estava procurando tornava a busca quase impossível. Ela examinou cada pedaço da parede branca, procurando marcas ou códigos, até sua cabeça começar a latejar e seus olhos ameaçarem saltar das órbitas. Mas logo ficou evidente que a Casa de Mozart era exatamente o que parecia: um apartamento com mais de duzentos anos que tinha sido transformado em museu.
O que nós esperávamos encontrar?, ela refletiu, soturna. Um letreiro em neon escrito: Atenção, irmãos Cahill: pista atrás do espelho? Na vida real as coisas não eram tão fáceis.
Enquanto eles se encaminhavam para a saída, Dan soltou um ufa! bem alto, aliviado.
— Graças a Deus acabou. Pelo menos Benjamin Franklin tinha umas invenções legais. Este cara ficava o dia inteiro sentado escrevendo música. Vamos sair daqui. Essa chatice toda está me sufocando, preciso respirar ar puro.
Amy assentiu com a cabeça, relutante. Não havia nada que servisse para eles naquele lugar.
— Acho que devíamos voltar para o hotel. Será que Nellie conseguiu fazer Saladin comer alguma coisa?
Dan parecia preocupado.
— Acho que vamos ter que vender algumas das joias de Grace pra poder comprar salmão outra vez.
Na mesma hora, Amy deixou escapar uma exclamação e agarrou o braço dele.
— Está bem — consertou Dan. — Fique com o colar...
— Não, olhe. Tem uma biblioteca no porão! Uma biblioteca sobre Mozart!
— Amy, não faça isso comigo! O antídoto para a chatice não é fazer uma coisa ainda mais chata!
Mas quando ela desceu a escada e entrou na biblioteca sombria, empoeirada, ele a acompanhou. Afinal, algumas das melhores dicas que eles tinham conseguido tinham vindo de bibliotecas. Além disso, se eles fossem embora da Casa de Mozart de mãos vazias, Dan teria aguentado tudo aquilo toa.
Não era uma biblioteca circulante. Um único computador de 20 anos continha uma lista do acervo. Quando o visitante decidia o que queria, preenchia um formulário e entregava para uma bibliotecária que parecia ter idade para ser avó de Mozart.
Eles esperaram a vez deles no computador, e Amy assumiu o teclado. Ela trocou a língua de alemão para inglês, então procurou KV 617 e, depois, Benjamin Franklin. Como não encontrou nada que eles já não soubessem, concentrou-se na vida pessoal de Mozart. Foi lá que ela descobriu Maria Anna “Nannerl” Mozart.
— Mozart tinha uma irmã mais velha! — ela disse num sussurro estridente.
— Entendo o sofrimento dele — bocejou Dan.
— Lembro de Grace ter mencionado essa irmã — Amy continuou. — Ela era tão talentosa quanto Mozart, mas nunca recebeu tanta instrução nem exposição porque era menina — ela rolou a tela. — E veja! O diário original dela está justamente nesta biblioteca!
Dan ficou mordido. Ele sabia que Amy tinha sido mais próxima da avó do que ele, mas, mesmo assim, não gostava de ser lembrado de o quanto as duas tinham compartilhado.
— Achei que estávamos procurando alguma coisa sobre Mozart, não sobre a irmã dele.
— Se Mozart era um Cahill, Nannerl também era — disse Amy. — Mas tem mais uma coisa. Veja nós dois. Esta manhã inteira passou em branco para você, e eu lembro de todos os detalhes. E se fosse a mesma coisa com Mozart e Nannerl?
— Ótimo. Agora você está chamando Mozart de burro. — Ele ergueu os olhos, injuriado. — E me chamando de burro!
— Burro, não. Mas meninos pensam diferente. Aposto que tem coisas que Nannerl escreveu no diário dela que Wolfgang não teria notado nem em 1 milhão de anos.
Ela preencheu depressa um formulário de solicitação e entregou para a bibliotecária idosa.
A mulher encarou os dois, surpresa.
— Este é um diário manuscrito em alemão. Vocês dois leem em alemão?
— É, bem... — Amy começou a dizer, confusa.
— Precisamos muito ver este diário — Dan falou numa voz firme. — Quando a mulher saiu em busca do volume, ele sussurrou: — Deve ter alguma coisa que a gente consiga entender... talvez um desenho, ou anotações escondidas, como nas coisas de Franklin.
Amy concordou com a cabeça. Mesmo a menor das dicas seria melhor que continuar na estaca zero.
Eles ficaram esperando pelo que pareceu um longo tempo. Então ouviram uma exclamação e um gritinho, e a bibliotecária voltou correndo, de rosto pálido e olhos arregalados. Com as mãos trêmulas ela discou um número de telefone e começou a falar numa voz frenética. Amy e Dan não entenderam, pois ela falava em alemão, mas conseguiram distinguir uma única palavra preocupante: Polizei.
— Isso quer dizer polícia! — Amy sussurrou, aflita.
— Você acha que ela por acaso descobriu que estamos sendo procurados pelo Serviço Social lá em Massachusetts? — Dan perguntou abismado.
— Como é possível? Nós nem dissemos nossos nomes para ela!
A resposta veio da própria bibliotecária agoniada.
— Eu lamento muito! É uma tragédia terrível! O diário de Nannerl desapareceu! Foi roubado!

Nenhum comentário:

Postar um comentário