— Precisamos parar de nos encontrar deste jeito — ronronou Natalie Kabra atrás dela.
Enfurecido, Dan correu para cima de Natalie. Mas lan surgiu das sombras e o agarrou pelo antebraço.
— Calma aí, Danny Boy. Vejo que você já se recuperou do mergulho de ontem. — Ele cheirou o cabelo de Dan. — Quer dizer, não totalmente.
— O que vocês querem? — desafiou Dan.
lan olhou para ele com pena.
— Você está brincando? Como se fosse coincidência estarmos todos aqui. Basicamente, o negócio é o seguinte: vocês vão ficar parados na frente da pistola da minha irmã, enquanto eu os entretenho com um pouco de música.
Com brutalidade, lan jogou Dan na parede e empurrou Amy para o lado do irmão.
Natalie os encarou, mantendo os dois na mira da pistola.
— Não se preocupem — ela prometeu com falsa meiguice. — O dardo não vai matá-los. Mas vocês vão acordar daqui a algumas horas com uma dor de cabeça daquelas.
— De novo — acrescentou o irmão dela.
lan passou por cima da corda de veludo e se sentou ao cravo, estalando os dedoscom ar de requinte.
— Você está blefando! — acusou Dan. — Você nem sabe o que tocar!
— Com certeza vou pensar em alguma coisa — disse lan com um sorrisinho. — Talvez “Atirei o pau no gato”. Ou “Parabéns a você”. Ou quem sabe uma melodia chamada KV 617?
— Como é que você sabe disso? — Amy cuspiu.
— Vocês se acham tão espertos, mas, francamente, os dois são patéticos — bufou Natalie. — Estamos seguindo vocês desde a estação de trem em Viena. Interceptamos o sinal de wi-fi do seu computador. Vocês baixaram esta música da internet, e nós baixamos depois de vocês.
— Tomei a liberdade de imprimir minha própria cópia — acrescentou lan, desdobrando uma página de partitura e colocando no suporte na frente dele.
Amy e Dan trocaram um olhar de cumplicidade. lan e Natalie não tinham como saber que a versão da internet da KV 617 não era a mesma que a da pista de Benjamin Franklin. Talvez nem tudo estivesse perdido.
lan começou a tocar. O som metálico do cravo reverberou no aposento tumular. Foi muito mais alto do que Amy estava esperando, e um pouco desafinado. Que instrumento magnífico! Ela esticou o pescoço e viu os dedos compridos de lan dançando pelas teclas de marfim. Foi então que percebeu: um minúsculo fio que se estendia debaixo do ré depois do dó final e desaparecia na madeira lustrosa do cravo.
Ré depois do dó final. Amy franziu a testa. Por que isso parecia tão familiar?
E então uma frase se formou em sua mente: REDE POIS DODO FINAL. A anotação de Grace no diário de Nannerl! É um aviso! Essa tecla ré tem uma armadilha!
A ideia mal tinha lhe ocorrido quando ela percebeu o tom da música se elevar e viu a mão direita de lan pairando na direção do perigoso ré.
Sua reação foi tão natural, tão instantânea, que ela não teve tempo de pensar em como foi besta. Com um grito de Não!, ela pulou para a frente, derrubando Natalie. A pistola disparou, mas o dardo acertou a cortina. Amy correu, decidida a derrubar lan do banco antes que acontecesse um desastre. Ela chegou meio segundo tarde demais: caiu em cima de lan no exato instante em que o dedo dele tocou a tecla da armadilha.
BUUUM!
Com um clarão ofuscante, o cravo de Mozart explodiu, jogando Amy e lan três metros longe. Amy conseguiu rolar, saindo ilesa. A cabeça de lan bateu no chão de mármore. Ele ficou caído ali, desmaiado.
Natalie se levantou e tentou pegar a pistola de dardos, mas Dan foi mais rápido. Ele pegou o dardo preso na cortina atrás dele e o jogou feito uma lança na adversária. A ponta se cravou no ombro dela. Ela ergueu a arma, meio zonza, lutando contra o efeito da poderosa fórmula. Dan se preparou para o impacto, consciente de que o próximo dardo o acertaria. E então os olhos de Natalie reviraram, e ela desabou como uma pedra ao lado do irmão.
Dan correu até Amy.
— Você está bem?
Amy rastejou até os destroços do instrumento. A parte de madeira se desfizera em pedaços fumegantes, mas incrivelmente o teclado permanecera intacto. Ambos viram um segundo conjunto de fios, que desaparecia por um buraco no chão.
— Rápido! A música!
Dan olhou fixamente para ela.
— O cravo não vai tocar agora. Está pegando fogo.
— Dá isso aqui!
A menina desdobrou o guardanapo e se pôs a apertar as teclas. O único som que saía delas era um leve estalido. Mas Amy continuou “tocando”, seguindo as notas exatamente como estavam na pista de Benjamin Franklin.
De repente, o chão começou a tremer.
— Mandou bem, Amy! — gritou Dan. — Agora a casa inteira vai desmoronar!
Um pedaço de 1 metro quadrado do piso de mármore se abriu, girando em dobradiças escondidas. Os irmãos Cahill se debruçaram sobre a nova abertura que aparecera. Diante deles, num leito de veludo preto, surgiu um par de espadas reluzentes.
— Samurai! — Dan disse num tom de reverência. Ele estendeu o braço, segurou o punho dourado de uma das espadas, depois ficou de pé e brandiu a arma no ar. — Os samurais carregavam duas espadas, uma curta e uma longa. Estas devem ser as curtas. Bizarramente legal!
Amy puxou a outra espada e examinou os ideogramas japoneses gravados no metal.
— Aposto que estas espadas foram feitas com o aço especial em que Mozart estava interessado.
Dan confirmou com a cabeça.
— Mas como isso pode ser a nossa pista? Não tem nada a ver com as coisas que Grace escreveu naquelas páginas do diário.
— Ré depois do dó final era na verdade a tecla da armadilha no cravo — explicou Amy. — E gâteau menos a música... — Tudo se juntou na mente dela. — As notas musicais também podem ser representadas por letras, lembra? A, B, C, D, E, F e G. Tirando essas letras da palavra gâteau, sobram... T-U. — Ela parecia confusa. — Não faz sentido.
— Claro que faz! — explodiu Dan. — É o antigo símbolo químico do tungstênio! Foi isso que a Grace me disse e eu esqueci! Wolfrâmio era o antigo nome do tungstênio!
Os olhos de Amy faiscaram com a descoberta.
— É por isso que Maria Antonieta disse: Que comam bolo. Ela não estava falando sobre os pobres. Gâteau era a mensagem em código entre Franklin e Mozart, para indicar o ingrediente de que ele precisava. É isso! A primeira pista era solução de ferro; a segunda é tungstênio! É disso que se trata a busca às 39 pistas! Estamos juntando ingredientes para algum tipo de fórmula!
Foi um momento intenso: a fumaça da explosão, o aço das espadas, a emoção de uma descoberta. Entretanto, para Amy, foi muito mais. Aquela pista os deixava mais perto de vencer o desafio... E mais perto de entender quem eles realmente eram!
De algum modo, ela soube que seus pais estavam sorrindo lá de cima.
Ela estendeu a mão, procurando a de Dan. Os dois tinham passado tanto tempo se infernizando, mas aquele era o momento deles.
Ainda estamos na busca às 39 pistas!
De repente, luzes fortes se acenderam, e um vigia noturno de uniforme entrou na sala trotando desvairado, berrando em italiano. Chocado, Dan fez menção de enfrentá-lo, sem perceber que ainda segurava nas mãos a espada samurai, como um taco de beisebol, pronto para rebater. Com um gritinho de medo, o guarda deu meia-volta e saiu correndo na direção contrária.
— Vamos sair daqui — Amy decidiu, em tom de urgência.
— Mas e eles? — Dan apontou para os Kabra, desmaiados no chão.
— Esse guarda vai voltar com a polícia a qualquer instante. Eles vão chamar um médico.
Abraçando as espadas, os irmãos Cahill correram para a saída.
***
Nellie estava pronta para jogar a toalha.
Não aguentava mais ficar olhando para Saladin, mirrado e lânguido, mal conseguindo pronunciar um prrr decente. Tão logo Amy e Dan voltassem, ela ia encontrar uma peixaria e compraria salmão fresco. Assim estaria se rendendo totalmente, para não falar na despesa de 60 dólares o quilo. Mas era melhor que ter um gato morto.
Grace Cahill podia ter sido uma grande mulher, mas, como dona de bicho, não era muito boa em impor respeito.
Nellie franziu a testa olhando para o relógio. Já passava das 19h. Todos os museus tinham fechado duas horas atrás. Amy e Dan estavam atrasados de novo. Ela teve medo de pensar no que aquilo podia significar.
Com um suspiro, decidiu fazer mais uma tentativa. Abriu outra lata de comida para gato e a levou até Saladin, que estava jogado no braço do sofá, desanimado, assistindo a um programa do tipo “faça você mesmo” em italiano.
— Ok, Saladin, você venceu. Provou que é durão. Mas eu só posso te dar o salmão depois; então por que você não dá uma beliscadinha nisto pra enrolar a fome até Amy e Dan voltarem?
Ela pegou um pedacinho com o dedo e colocou na língua do gato enquanto dava um grande bocejo.
Foi como se o bichano tivesse levado um susto. Ele estalou a língua como um degustador de vinho, voou no dedo de Nellie e lambeu tudinho.
Com esse incentivo, a au pair estendeu a lata. Ficou vazia em trinta segundos.
— Isso, gatinho! — Nellie comemorou. — Eu sabia que você ia adorar se experimentasse! É comida pra gato... é pra gente como você!
Saladin estava na metade da segunda lata quando Amy e Dan entraram de repente pela porta.
Nellie estava fora de si, triunfante.
— Podem me dar os parabéns, pessoal! A greve de fome acabou... — Foi nesse momento que se deu conta de que Dan estava brandindo uma mortífera espada samurai dentro do quartinho de hotel. — Largue essa coisa antes que ela corte as suas orelhas!
Dan ignorou a advertência, mas Saladin parou de comer e se enfiou embaixo da cama.
Corada de empolgação, Amy brandiu a outra espada e disse:
— Está tudo bem! É a próxima pista!
— Espadas? — Nellie estava confusa.
— Tungstênio! É isso que tem na liga deste aço!
— Comecem a fazer as malas! — disse Dan. — Vamos para Tóquio! Ah, sim, e parabéns, Saladin. Nós sabíamos que você ia conseguir.
Um Prrr! nervoso veio de debaixo da cama.
Nellie ficou totalmente confusa.
— Mas por que Tóquio?
— É de lá que vêm essas espadas — Amy explicou, sem fôlego. — Foi lá que o aço foi forjado. E havia um texto na galeria que dizia que Fidelio Racco partiu para o Japão e nunca mais se ouviu falar dele!
— E nós temos que fazer isso também? — a au pair perguntou.
— Os vestígios apontam para lá — insistiu Amy. — É lá que vamos achar a próxima pista.
A lealdade com certeza era a melhor característica de Nellie Gomez. Sem dizer outra palavra de protesto, ela pegou o telefone e ligou para a companhia aérea japonesa.
Os Kabra tinham dinheiro; os Holt tinham músculos; Irina tinha malícia e treinamento; Alistair tinha experiência; e Jonah tinha fama. Amy e Dan Cahill tinham pouco mais que suas cabecinhas. E, no entanto, só eles tinham descoberto a segunda pista.
E a busca continuava.
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