Chocada, Nellie empurrou os dois de volta para o carrinho com a roupa de cama.
— Oh... sinto muito — ela conseguiu dizer. — Achei que a suíte estivesse vazia. Me mandaram trazer toalhas limpas para o quarto dos Wizard.
— Minha jovem, esta é a suíte de sua Alteza, o grão-duque de Luxemburgo. — O lábio do homem esboçou um sorriso. — O ator de televisão americano está na suíte logo abaixo... e aliás fez um grande estardalhaço por isso.
Nellie começou a recuar com o carrinho em direção à porta.
— Desculpe. Não vou mais incomodar o senhor.
— Um momento, por obséquio. Já que você está aqui, o dormitório de Sua Alteza precisa de higienização.
Nellie continuou andando para trás.
— Bem, eu preciso mesmo descer até o quarto dos Wizard...
— De jeito nenhum. Vai levar apenas um instante. E há vários outros pontos que requerem a sua atenção. Se você fizer a gentileza de me seguir até o banheiro...
— Estou indo! — ela gritou atrás dele.
Nellie se curvou dentro do cesto de roupa, enfiou o cartão magnético na mão que estava mais perto e sussurrou:
— Quando vocês ouvirem minha voz no cômodo ao lado, fujam daqui!
— E você? — perguntou Amy.
— Eu me viro. Vocês pegam o diário. Encontro vocês de volta no nosso hotel. Tomem cuidado!
E ela se foi. Um momento depois, eles ouviram Nellie anunciar em voz alta:
— Este banheiro é maior do que o meu apartamento inteiro!
Os lençóis começaram a voar, e Amy e Dan saíram do carrinho e cruzaram a porta para o corredor.
— O quarto de Jonah é no andar de baixo — disse Dan.
Eles correram para as escadas.
A porta da suíte 1600 era idêntica à porta do quarto de cima, tirando o fato de não haver nenhuma coroa.
— Coitado do Jonah — Amy disse em tom de sarcasmo enquanto eles entravam com o cartão magnético. — O quarto dele deve ser uma espelunca.
Se o quarto era menos opulento que os aposentos do grão-duque, Amy e Dan não perceberam a diferença.
A suíte era gigante e decorada com elegância. O chão de mármore brilhava; os luxuosos tapetes eram tecidos à mão. Cada vaso e cada cinzeiro sobre cada mesinha de canto pareciam ter sido postos ali por um artista.
— Tipo, faz nosso apartamento em Boston parecer uma cabana — Dan observou.
Amy deu um suspiro.
— Não ligo para esses luxos. Mas às vezes fico mordida quando vejo como os outros concorrentes são ricos.
— Grace era rica. — A testa de Dan se turvou quando ele se lembrou do incêndio que destruíra a mansão da avó no dia do funeral dela. — De qualquer modo, prefiro ser pobre e normal que ser um rico imbecil que nem o Jonah ou os irmãos Cobra.
— É, mas dinheiro é uma grande vantagem numa busca como essa — a irmã argumentou, desanimada. — Pode abrir várias portas que para nós estão fechadas. É a diferença de classes, Dan.
— É pra isso que serve roubar — ele examinou o vasto salão. — Enfim, se eu fosse um idiota que tivesse a cabeça estampada num pacote de balas, onde esconderia o diário que roubei?
Amy não conseguiu evitar um sorriso.
— É melhor procurarmos por tudo.
Eles começaram a vasculhar a enorme suíte, olhando embaixo das almofadas dos sofás, nas gavetas, atrás de cortinas e dentro de armários.
— Ei, olha isso! — Dan pôs a mão numa caixinha de papelão e tirou um bonequinho de 15 centímetros, Jonah Wizard vestindo jeans e agasalho de plástico. — Não é muito parecido — ele comentou. — Ele é muito mais feio na vida real.
— Ponha isso de volta! — chiou Amy, revirando uma gaveta. — Já basta nós termos entrado no quarto. Não precisamos roubar os brinquedos idiotas dele.
— É pra minha coleção — protestou Dan. — Ele tem uma caixa cheia desses bonecos. Ei, este deve ser o que dá o golpe de kung fu. — Ele apertou o botão e observou o minúsculo punho se fechar com um estalo. — Nossa... não é à toa que estão recolhendo esse boneco das lojas! Dá pra quebrar uma noz com essa coisa!
— Veja! — Os olhos de Amy brilharam de entusiasmo. Ela virou o brinquedo na mão de Dan. Quando o golpe foi ativado, uma sequência de letras e números vermelhos se iluminou atrás da faixa na cabeça do boneco. — GR63K1! — ela leu, perdendo o fôlego. — É algum tipo de código secreto!
Dan deu uma risada arrogante na cara dela.
— Para uma aluna que só tira 10, você às vezes até que é bem burra. É claro que é um código... pra baixar um protetor de tela do Jonah Wizard grátis no site dele! A propaganda está passando em todos os canais lá nos Estados Unidos.
A irmã ficou vermelha.
— Acho que eu não sou tão viciada em tevê quanto você — ela resmungou, envergonhada, voltando a se concentrar na busca do diário.
Dan enfiou o boneco no bolso e foi ajudá-la.
A suíte tinha cinco cômodos: a sala de estar, dois dormitórios, um banheiro e a cozinha. Eles vasculharam cada centímetro do lugar, sem resultado nenhum. O dormitório principal tinha um cofre, porém estava destrancado e vazio. Os dois revistaram a cozinha e o minibar, e também não encontraram nada.
— Você não acha que ele ia levar o diário com ele, acha? — Dan perguntou, preocupado.
Amy fez que não com a cabeça.
— Ninguém ia levar uma coisa tão preciosa num lugar onde todas as câmeras de tevê da Europa estão apontadas para você. O diário está aqui. Só precisamos encontrá-lo.
— Onde vamos procurar? — Dan estava ficando impaciente. — Aliás, está muito escuro! Por que é que esses hotéis chiques põem vinte camadas de cortinas em todas as janelas?
Ele mexeu num interruptor. Um enorme lustre de cristal se acendeu acima da cabeça deles.
Amy e Dan levaram um susto. No centro do complexo aparelho luminoso pendia uma cesta formada por cordas de cristal. Ali, como uma mancha escura no brilho do lustre, via-se a silhueta inconfundível de um livro.
— O diário! — eles exclamaram ao mesmo tempo.
Dan correu para pegar uma cadeira.
— Ainda não dá para alcançar! — disse Amy. — Venha me ajudar com a mesa.
Eles levantaram a pesada mesa de vidro e a arrastaram para debaixo do lustre. Dan subiu em cima dela, mas ainda assim era baixo demais.
— Me passe a cadeira — ele disse.
Em pouco tempo, Amy estava empoleirada na mesa, segurando a cadeira e o irmão, que estava nas pontas dos pés em cima de duas listas telefônicas sobre o assento.
Fazendo um grande esforço para passara mão por entre as fileiras de cristais, Dan conseguiu sentir a capa de couro.
— Peguei!
Ele tirou do lustre o diário de Maria Anna “Nannerl” Mozart.
***
Trabalhar como au pair dos irmãos Cahill proporcionara a Nellie experiências que ela jamais poderia ter imaginado. Como, por exemplo, aquela: ficar de quatro num banheiro de mármore, escovando a privada de um grão-duque.
Até parece que tem mofo aqui, ela pensou amargamente. Mas talvez a realeza conseguisse detectar manchas que as pessoas comuns não enxergavam, mais ou menos como na história “A princesa e a ervilha”. “O grão-duque e o vaso”. Seria um bom título.
Uma coisa era certa: Amy e Dan estavam devendo uma para ela, depois daquilo. Ela se perguntou se eles já teriam conseguido encontrar o diário. Se ao menos houvesse algum jeito de saber que a missão tinha sido cumprida... Então poderia dar com a escova na cabeça do assistente do grão-duque e fugir daquele hospício cinco estrelas.
Ela franziu a testa conforme a imagem em sua mente foi ficando mais sombria: Amy e Dan sendo pegos, presos, ou coisa pior. Como saber que perigos estavam à espreita naquele jogo de tudo ou nada? Os seguranças do hotel já eram bastante assustadores, mas aqueles primos malucos da família Cahill eram capazes de qualquer coisa! O vencedor da caça ao tesouro poderia literalmente dominar o mundo. Um monte de malucos já tinha feito coisas terríveis em busca de um prêmio tão poderoso como aquele. Que chance tinham duas crianças?
Seus pensamentos inquietos estouraram feito uma bolha de sabão quando ela sentiu uma voz hostil dizendo por cima do ombro dela:
— Você não trabalha para nós, Frãulein. O que está fazendo nesta suíte?
Com o coração afundando no peito, Nellie se virou. Ao lado do assistente do grão-duque havia um guarda uniformizado.
Ela tentou um blefe:
— É claro que eu trabalho aqui. Ou você acha que eu entro escondida em hotéis pelo simples prazer de limpar privadas de estranhos?
— Você não trabalha aqui — o homem repetiu, sem achar graça.
— Você por acaso conhece todos os empregados? — ela desafiou.
— Não — ele admitiu. — Você tem um brinco no nariz. É contra o regulamento do hotel. Faça o favor de me acompanhar.
Nellie pensou bem. Não sabia direito o tamanho da encrenca em que tinha se metido. Ela era estrangeira naquele país. Se fosse deportada, o que aconteceria com Amy e Dan?
— Está bem, você me pegou. Vim aqui por engano. Eu estava tentando entrar na suíte de Jonah Wizard. Sou a fã número 1 dele. Eu preciso muito conhecê-lo! Mas entrei no quarto errado.
Os olhos do homem fixaram-se nos dela.
— E você está cometendo este crime sozinha? Ninguém está com você?
— Estou 100% sozinha — ela disse, talvez rápido demais. — E não é um crime amar Jonah Wizard. Acontece que ele é o maior...
Vindo logo do andar de baixo, um estrondo gigantesco fez o prédio tremer.
O segurança encarou Nellie com um olhar fuzilante.
— A suíte dos Wizard! Fräulein, é melhor que você não tenha nada a ver com esse tumulto, senão vai conhecer mais da nossa hospitalidade austríaca
***
— Dan, você está bem?
Dan estava caído no chão da suíte, entre os destroços da cadeira e da mesa.
Ele gemeu e ficou sentado, segurando o diário nos braços como uma bola de futebol americano.
— O que aconteceu?
— Não sei direito — respondeu Amy, também bastante zonza. Ela ajudou o irmão a ficar de pé e deu uma olhada nele, procurando cortes. — Ou foi a cadeira que quebrou e fez a gente cair na mesa, ou a mesa quebrou primeiro, e depois quebrou a cadeira. Mas tanto faz. Precisamos sair daqui... metade do hotel deve ter ouvido esse estrondo!
Eles saíram em disparada da suíte 1600, no exato instante em que um segurança surgia na escada, puxando consigo ninguém menos que Nellie.
Não havia como fingir inocência. A porta ainda estava aberta atrás deles, e do corredor se via claramente o estrago dentro da suíte.
Os irmãos Cahill fugiram, dobrando a próxima esquina do andar e sumindo de vista. O guarda se apressou em persegui-los, porém Nellie agarrou o braço dele e o puxou de volta com uma força que quase deslocou o ombro do homem.
— Você não pode ir embora! E se Jonah estiver caído ali dentro, sangrando?
O segurança estava enfurecido.
— Menina burra! Seu herói nem está no prédio!
Ele tirou um walkie-talkie do cinto e começou a despejar um monte de palavras em alemão.
Nellie sentiu um caroço na garganta. O homem estava montando guarda nos elevadores e no térreo de todas as escadarias do hotel.
Amy e Dan estavam encurralados.
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