sábado, 12 de abril de 2014

Capítulo quarenta e cinco

Eu não o vejo morrer de novo.
Fecho meus olhos no momento que aperto o gatilho, e quando eu os abro, é a outra Tris que se encontra na terra entre as manchas escuras da minha visão; sou eu.
Largo a arma e corro em direção à porta, quase tropeçando sobre ela. Jogo meu corpo contra a porta, giro a maçaneta e empurro. Minhas mãos estão dormentes, eu as pressiono e fecho atrás de mim, e balanço para recuperar a sensação.
A sala seguinte é duas vezes maior que a primeira, e também é iluminada de azul, mas mais claro. Uma grande mesa fica no meio, e coladas nas paredes estão fotografias, diagramas e listas.
Respiro fundo e minha visão começa a clarear, a minha frequência cardíaca voltando ao normal. Entre as fotografias nas paredes, reconheço o meu próprio rosto, e os de Tobias, Marcus e Uriah. Uma longa lista do que parecem ser produtos químicosestá postada na parede ao lado de nossas fotos. Cada um está cruzado com marcador vermelho. Este deve ser o lugar onde Jeanine desenvolve os soros de simulação.
Eu ouço vozes em algum lugar à minha frente, e me repreendo. O que você está fazendo? Depressa!
— O nome do meu irmão — ouço. — Quero ouvir você dizer isso.
É a voz de Tori.
Como ela passou por essa simulação? Ela é Divergente também?
— Eu não o matei — diz a voz de Jeanine.
— Você acha que isso a exonera? Acha que significa que não merece morrer?
Tori não está gritando, mas lamentando, toda a sua dor escapando através de sua boca. Eu ando em direção à porta. Muito rapidamente eu tenho que parar, porém, porque meu quadril bate no canto da mesa no meio da sala, e tenho que parar, estremecendo.
— As razões para as minhas ações estão além de sua compreensão — Jeanine diz. — Eu estava disposta a fazer um sacrifício pelo bem maior, algo que você nunca entendeu, nem mesmo quando erámos colegas de classe!
Eu manco em direção à porta, que é um painel de vidro fosco. Ela desliza para trás para me admitir, e vejo Jeanine, pressionada contra uma parede, com Tori de pé a alguns metros de distância, a arma apontando para ela.
Atrás delas está uma mesa de vidro com uma caixa prateada – um computador – e um teclado. A parede contrária está coberta com uma tela de computador.
Jeanine olha para mim, mas Tori não se move um centímetro; não parece me ouvir. Seu rosto está vermelho de lágrimas, e sua mão treme.
Não tenho nenhuma confiança de que eu possa encontrar o arquivo de vídeo. Se Jeanine está aqui, posso fazê-la encontrá-lo para mim, mas se ela estiver morta...
— Não! — eu grito. — Tori, não!
Mas seu dedo já apertou o gatilho. Eu me lanço para ela tão forte quanto posso, meus braços batendo em sua lateral. A arma dispara, e eu ouço um grito.
Minha cabeça bate no chão. Eu ignoro as estrelas nos meus olhos e me jogo através de Tori. Jogo a arma para frente e ela desliza para longe de nós.
Por que você não a agarrou, sua idiota?!
O punho de Tori se conecta com o lado da minha garganta. Eu sufoco, e ela usa a oportunidade para me jogar para longe, para se arrastar em direção à arma.
Jeanine está caída contra a parede, sangue escorre de sua perna. Perna! Eu me lembro, e soco Tori forte perto do ferimento de bala na coxa. Ela grita, e eu me levanto.
Dou um passo em direçao à arma, mas Tori é muito rápida. Ela envolve seus braços em volta dos meus pés e puxa-os debaixo de mim. Meus joelhos batem no chão, mas ainda estou em cima dela; soco para baixo, em sua caixa torácica.
Ela geme, mas não a detém, e enquanto eu me arrasto para a arma, ela afunda seus dentes em minha mão. É uma dor diferente de que qualquer golpe que já recebi, diferente até mesmo de uma ferida de bala. Eu grito mais alto do que pensava ser possível, lágrimas obscurecem minha visão.
Eu não vim até aqui para deixar Tori atirar em Jeanine antes que eu tenha conseguido o que eu preciso.
Arranco a minha mão por entre os dentes, minha visão escurece nas bordas, e com uma guinada, fecho minha mão em torno da arma. Eu viro, e aponto para Tori.
Minha mão. Minha mão está coberta do meu sangue e o queixo de Tori também. Escondo minha mão da vista para que seja mais fácil ignorar a dor e levantar-me, ainda apontando a arma para ela.
— Não acredito que você é uma traidora, Tris — ela fala, e parece mais um grunhido, nenhum som que qualquer ser humano pode fazer.
— Eu não sou — pisco as lágrimas do meu rosto para que eu possa vê-la melhor. — Não posso explicar isso agora, mas... Tudo o que estou pedindo é que você confie em mim, por favor. Há algo importante, algo que só ela sabe a localização...
— Isso mesmo! — diz Jeanine. — Está naquele computador, Beatrice, e só eu posso localizá-la. Se você não me ajudar a sobreviver a isso, vai morrer comigo.
— Ela é uma mentirosa — Tori fala. — Uma mentirosa, e se você acredita nela, você é uma idiota e uma traidora, Tris!
— Eu acredito nela. Acredito nela, porque faz perfeito sentido! A informação mais confidencial que existe e está escondida naquele computador, Tori! — Eu respiro profundamente, e abaixo minha voz. — Por favor, me escute. Eu a odeio tanto quanto você. Não tenho nenhuma razão para defendê-la. Estou dizendo a verdade. Isto é importante.
Tori está silenciosa. E acho que, por um momento, eu ganhei, eu a persuadi. Mas, então, ela responde:
— Nada é mais importante do que a morte.
— Se é nisso que você insiste em acreditar, não posso te ajudar. Mas também não vou deixar você matá-la — falo.
Tori fica de joelhos e limpa o sangue do seu queixo. Ela olha nos meus olhos.
— Eu sou uma líder Audácia. Você não pode decidir o que eu faço.
E antes que eu possa pensar...
Antes que eu possa sequer pensar em disparar a arma que estou segurando...
Ela puxa uma longa faca do lado de sua bota e esfaqueia Jeanine no estômago.
Eu grito. Jeanine libera um grito – um gorjeio horrível, o som da morte. Eu vejo os dentes cerrados de Tori, escuto-a murmurar o nome de seu irmão – “George Wu” – e depois assisto a faca ir novamente.
E os olhos de Jeanine ficam vidrados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário