Todos se espalham pelo edifício em busca de armários de manutenção, seguindo minhas instruções para encontrar uma escada. Ouço tênis rangendo no piso e gritos como, “Achei um... Não, espera, só há baldes aqui, esqueçam,” e, “De que tamanho tem que ser a escada? Um só degrau não vai funcionar, certo?”
Enquanto eles procuram, encontro a classe no terceiro andar que fica de frente para uma das janelas da sede da Erudição. Eu tento três vezes até conseguir abrir a janela certa.
Eu me inclino para fora, sobre o beco, e grito:
— Ei!
Então me abaixo o mais rápido que consigo. Mas não ouço nenhum tiro... Bom, eu penso. Eles não reagem ao barulho.
Christina marcha para dentro da sala com uma escada debaixo de seu braço, os outros estão atrás dela.
— Encontrei uma! Acho que ela é longa o suficiente, se esticá-la até o fim.
Ela tenta virar cedo demais, e a escada acaba batendo no ombro de Fernando.
— Desculpe-me, Nando.
O impacto deixou seus óculos tortos. Ele sorri para Christina e tira os óculos, deslizando-o para dentro de seu bolso.
— Nando? — eu digo para ele. — Achei que membros da Erudição não gostavam de apelidos?
— Quando uma bela garota te chama por um apelido — ele responde — é lógico você responder.
Christina olha para o lado. De imediato penso que ela é tímida, mas então vejo seu rosto se contorcer como se Fernando tivesse batido nela ao invés de elogiá-la. É muito cedo para que ela fique flertando após a morte de Will.
Eu ajudo a guiar a escada através da janela da sala e para a lacuna entre os edifícios. Marcus nos ajuda a estabilizá-la. Fernando solta um suspiro quando a escada bate na janela da sede da Erudição.
— Hora de quebrar o vidro — digo.
Fernando pega o dispositivo de quebra de vidro do bolso e me oferece.
— Você provavelmente tem a melhor pontaria.
— Eu não contaria com isso — falo. — Meu braço direito não está muito bom. Vou ter que arremessar com meu esquerdo.
— Deixa que eu jogo — diz Christina.
Ela pressiona o botão ao lado do dispositivo e o joga através do beco. Aperto minhas mãos enquanto espero ele pousar. Ele quica no peitoril da janela e rola para perto do vidro. Uma luz laranja acende, e, de uma só vez, a janela – e as janelas abaixo, do lado, e próximas ao dispositivo – se quebram em centenas de cacos minúsculos, que caem nos membros da Franqueza abaixo.
Ao mesmo tempo, os membros da Franqueza se viram e começam a atirar para o alto. Todos se jogam no chão, mas eu fico de pé, parte de mim admirando a perfeita sincronia dos disparos, e a outra parte está desgostosa com a forma que Jeanine Matthews conseguiu transformar outra facção de humanos em máquinas. Nenhuma das balas atingiu as janelas onde estamos, muito menos penetrou a sala.
Quando os membros da Franqueza param de atirar, eu espio a situação lá embaixo. Eles retornaram para suas antigas posições, metade de frente para a Avenida Madison, e a outra metade de frente para a Rua Washington.
— Eles reagem somente ao movimento, então... Não caiam da escada — eu digo. — Quem for primeiro, segura a escada do outro lado.
Percebo que Marcus, que deveria ser altruísta e se oferecer para atravessar, não se voluntaria.
— Não está se sentindo muito Careta hoje, Marcus? — Christina pergunta.
— Se eu fosse você, prestaria bem atenção em quem você insulta — ele diz. — Ainda sou a única pessoa aqui que pode achar o que estamos procurando.
— Isso é uma ameaça?
— Eu vou — digo, antes que Marcus possa responder. — Sou metade Careta também, certo?
Enfio a arma de choque sob o cós da minha calça jeans e subo em uma mesa para ter um ângulo melhor da janela. Christina segura a escada enquanto subo e começo a seguir em frente.
Quando consigo atravessar a janela, posiciono meus pés nas bordas estreitas da escada e minhas mãos nos degraus. A escada parece ser sólida e estável como uma lata de alumínio. Ela range abaixo de mim. Tento não olhar para baixo, para os membros da Franqueza; tento não pensar em suas armas atirando em mim.
Respirando rápido, encaro meu destino, a janela da sede da Erudição. Só faltam mais alguns degraus.
Uma brisa sopra pelo beco, me empurrando para o lado, e eu me lembro de quando escalei a roda gigante com Tobias. Ele me manteve firme. Não sobrou ninguém para me manter firme agora.
Olho de relance para o chão, três andares abaixo, os tijolos menores do que deveriam ser, as fileiras de membros da Franqueza escravizados por Jeanine. Meus braços – especialmente meu braço direito – doem enquanto avanço lentamente por meu caminho através da lacuna.
A escada se desloca, passando perto da borda da moldura de uma janela do outro lado. Christina está mantendo um dos lados firme, mas ela não pode impedir que a escada escorregue. Cerro os dentes e tento não me mover muito, mas não consigo mover minhas duas pernas ao mesmo tempo. Tenho que deixar a escada balançar um pouco. Só faltam mais quatro degraus.
A escada pende para a esquerda, e depois, enquanto movo meu pé direito à frente, eu piso em falso. Eu grito quando meu corpo se desloca para o lado, meus braços envolvendo a escada e minha perna balançando no espaço.
— Você está bem? — Christina grita atrás de mim.
Não respondo. Eu levanto minha perna e encosto-a sob meu corpo. Minha queda fez com que a escada escorregasse ainda mais para longe do peitoril da janela. Ela está sendo suportada por apenas um milímetro de concreto.
Decido me mover rapidamente. Dou uma guinada em direção ao peitoril da janela, e assim como supus, a escada escorrega. Minhas mãos agarram o peitoril e o concreto arranha meus dedos enquanto eles suportam meu peso corporal. Várias vozes atrás de mim gritam.
Cerro meus dentes enquanto dou impulso para que meu corpo suba, meu ombro direito atacado por uma dor aguda. Chuto os tijolos da construção, esperando que me deem tração, mas isso não ajuda. Eu grito entre os dentes enquanto me coloco para cima e sobre o parapeito da janela, metade do meu corpo dentro do edifício e a outra metade ainda balançando. Felizmente Christina não deixou a escada cair muito longe. Nenhum dos membros da Franqueza atirou em mim.
Eu entro no cômodo da sede da Erudição. É um banheiro. Desabo no chão batendo meu ombro esquerdo, e tento respirar por entre a dor. Suor escorre por minha testa.
Uma mulher, membro da Erudição, sai de uma das cabines do banheiro. Com dificuldade me coloco de pé, pego a arma de choque, e aponto para ela, tudo sem pensar.
Ela congela, seus braços para cima, papel higiênico preso em seu sapato.
— Não atire! — Seus olhos saltam para fora das órbitas.
Só então, me lembro que estou vestida como alguém da Erudição. Eu coloco a arma de choque em cima de uma pia.
— Minhas desculpas — digo. Tentando-me adaptar a um modo formal de falar, comum aos membros da Erudição. — Eu estou um pouco nervosa, com tudo o que está ocorrendo. Estamos reentrando a fim de recuperar alguns dos nossos resultados dos testes do... Laboratório 4-A.
— Oh — a mulher diz. — Isso me parece um tanto imprudente.
— Os dados são de extrema importância — falo, tentando soar tão arrogante quanto alguém da Erudição. — Eu preferia não deixá-los crivados de balas.
— É dificilmente meu lugar preveni-la de tentar recuperá-los — ela diz. — Agora, se me der licença, vou lavar minhas mãos e me retirar.
— Ótima ideia.
Decido não falar para ela que tem papel higiênico em seu sapato.
Eu me viro de volta para a janela. Através do beco, Christina e Fernando estão tentando colocar a escada de volta para o peitoril da janela. Ultrapassando a dor em meus braços e mãos, eu me inclino para fora da janela e pego a outra extremidade da escada, levantando-a de volta. Então a seguro no lugar enquanto Christina atravessa.
Desta vez, a escada está mais estável, e Christina atravessa sem nenhum problema. Ela toma meu lugar e segura a escada enquanto coloco a lata de lixo na frente da porta para que ninguém mais possa entrar. Depois deixo um pouco de água gelada escorrer por meus dedos, para amenizar a dor.
— Isso é bem inteligente, Tris — diz Christina.
— Você não tem que soar tão surpresa.
— É só que... — Ela faz uma pausa. — Você teve aptidão para Erudição, não teve?
— Isso importa? — pergunto, severa demais. — As facções estão sendo destruídas, e era tudo muito idiota, desde o começo.
Eu nunca disse nada parecido com isso antes. Nunca nem pensei nisso. Mas estou surpresa em saber que acredito no que acabei de dizer – surpresa por concordar com Tobias.
— Eu não estava tentando te insultar. Ter aptidão para Erudição não é tão ruim assim. Especialmente neste momento.
— Desculpe-me. Só estou... Tensa. Só isso.
Marcus passa pela janela e cai no chão de ladrilhos. Cara é surpreendentemente ágil – ela se move sobre os degraus como se estivesse tocando banjo, tocando cada degrau e respirando fundo antes de se mover para outro.
Fernando será o último, e ele estará na mesma posição que eu estive, com a escada segura de um só lado. Vou para perto da janela para que eu possa dizer para ele que se a escada escorregar ele tem de parar de se mover.
Fernando, que achei que não teria problemas, se move mais sem jeito do que qualquer um dos outros. Ele deve ter passado a vida inteira atrás de um computador ou de livros. Ele continua desengonçado, seu rosto está vermelho brilhante, e segura os degraus tão firme que suas mãos ficam com uma coloração roxa.
Na metade do caminho, vejo alguma coisa escorregar de seu bolso. Seus óculos.
Eu grito:
— Fernan...
Mas grito tarde demais.
Os óculos caem, batem na beirada da escada, e batem no chão abaixo dele.
Em sincronia, os membros da Franqueza abaixo se viram e começam a atirar para cima. Fernando grita, e seu corpo se choca com a escada. Uma bala acerta sua perna. Eu não vejo para onde as outras foram parar, mas sei, quando vejo sangue escorrer por entre os degraus da escada, que foram parar em um lugar não muito bom.
Fernando encara Christina, seu rosto está pálido. Christina sobe na janela, para atravessá-la e ajudá-lo.
— Não seja idiota! — ele fala, sua voz fraca. — Deixe-me.
É a última coisa que ele diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário