sábado, 12 de abril de 2014

Capítulo quarenta e três

Christina volta para o aposento. Estamos todos quietos.
— Eu não quero ser insensível — Marcus fala — mas temos que ir antes que a Audácia e os sem facção entrem neste prédio. Se já não fizeram.
Ouço algo bater contra a janela e viro minha cabeça para o lado. Por uma fração de segundo, acredito que é Fernando tentando entrar, mas é só chuva.
Seguimos Cara para fora do banheiro. Ela é nossa líder agora. Ela conhece melhor a sede da Erudição. Christina segue, então Marcus, depois eu. Deixamos o banheiro, e estamos em um corredor da Erudição como qualquer outro corredor: pálido, brilhante, estéril.
Mas este corredor é mais ativo do que já vi. Pessoas de azul da Erudição correm para todos os lados, em grupos e sozinhas, gritam coisas um para o outro como, “Eles estão nas portas da frente! Vá tão alto quanto pode!” e “Eles desativarão os elevadores! Corram para as escadas!” É só ali, no meio do caos, que percebo que esqueci a arma de choque no banheiro. Estou desarmada novamente.
Traidores da Audácia também correm por nós, apesar de serem menos frenéticos do que a Erudição. Eu me pergunto o que Johanna, a Amizade e a Abnegação estão fazendo nesse caos. Eles estão cuidando dos feridos? Ou estão de pé entre as armas da Audácia e inocentes da Erudição, levando balas pela paz?
Eu tremo. Cara nos leva a uma escada de volta, e passamos por um grupo aterrorizado da Erudição quando subimos correndo um, dois, três lances de escadas. Então Cara enfia seu ombro em uma porta e a abre, segurando a arma perto de seu peito.
Reconheço este andar.
É o meu andar.
Meus pensamentos se tornam lentos. Eu quase morri aqui. Eu ansiei pela morte aqui.
Eu desacelero e fico para trás. Não posso sair do torpor, embora as pessoas continuem correndo atrás de mim, e Marcus grita alguma coisa para mim, mas sua voz é abafada. Christina vira para trás e me agarra, me arrastando em direção ao Controle A.
Dentro da sala de controle, vejo fileiras de computadores, mas eu realmente não os vejo, é como um filme cobrindo meus olhos. Eu tento piscar. Marcus fica em um dos computadores, e Cara senta-se no outro. Eles irão enviar todos os dados dos computadores da Erudição para os computadores de outra facção.
Atrás de mim, a porta se abre.
E eu ouço Caleb dizer:
— O que você está fazendo aqui?

+ + +

Sua voz me acorda. Viro-me e olho direto para sua arma.
Seus olhos são os olhos de minha mãe – um verde escuro, quase cinza, apesar de sua camisa azul fazer a cor parecer mais potente.
— Caleb. O que você pensa que está fazendo?
— Estou aqui para parar o que vocês estão fazendo! — Sua voz treme.
A arma oscila em sua mão.
— Estamos aqui para salvar os dados da Erudição que os sem facção querem destruir — eu digo. — Não acho que você queira nos parar.
— Isso não é verdade — diz ele. Ele empurra a cabeça na direção de Marcus. — Por que você o traria, se não estivesse tentando encontrar alguma outra coisa? Algo mais importante para ele do que todos os dados da Erudição combinados?
— Ela contou a você sobre isso? — Marcus pergunta. — Você, uma criança?
— Ela não me disse no início — Caleb responde. — Mas ela não queria que eu escolhesse um lado sem conhecer os fatos!
— Os fatos — diz Marcus — são de que ela tem pavor da realidade, e a Abnegação não tinha. Não tem. E nem sua irmã. Para seu crédito.
Faço uma carranca. Mesmo quando ele está me elogiando, quero bater nele.
— Minha irmã — diz Caleb suavemente, olhando para mim de novo — não sabe no que ela está se metendo. Não sabe o que é que você quer mostrar a todos... Não sabe que vai arruinar tudo!
— Estamos aqui para servir a um propósito! — Marcus está quase gritando agora. — Nós completamos nossa missão, e é hora de fazer o que fomos enviados aqui para fazer!
Eu não sei o propósito ou a missão que Marcus está se referindo, mas Caleb não parece confuso.
— Nós não fomos enviados para cá — diz Caleb. — Não temos nenhuma responsabilidade com ninguém, a não ser com nós mesmos.
— Esse tipo de pensamento de autointeresse é o que vim a esperar daqueles que passaram muito tempo com Jeanine Matthews. Você está tão pouco disposto a abrir mão de seu conforto que o seu egoísmo drena sua humanidade!
Eu não me importo de ouvir mais. Enquanto olho para baixo para Caleb e Marcus, eu viro e chuto forte o pulso de Caleb. O impacto o surpreende, e a arma cai de suas mãos. Eu a deslizo pelo chão com os dedos dos pés.
— Você precisa confiar em mim, Beatrice — ele fala, o queixo tremendo.
— Depois que você ajudou a me torturar? Depois de deixá-la quase me matar?
— Eu não ajudei a te tort...
— Você certamente não a impediu! Você estava lá, e só assistiu...
— O que eu poderia ter feito? O que...
— Você poderia ter tentado, seu covarde! — grito tão alto que o meu rosto fica quente e lágrimas saltam em meus olhos. — Tentado e não conseguido, porque você me ama!
Eu suspiro, apenas para tomar ar suficiente. Tudo o que ouço é o clique de teclas enquanto Cara trabalha na tarefa em mãos. Caleb não parece ter uma resposta. Seu olhar suplicante lentamente desaparece, substituído por um olhar vazio.
— Você não vai encontrar o que está procurando aqui — ele fala. — Ela não manteria esses arquivos importantes em computadores públicos. Isso seria ilógico.
— Então ela não a destruiu? — Marcus pergunta.
Caleb balança a cabeça.
— Ela não acredita na destruição de informações. Apenas sua contenção.
— Bem, agradeço a Deus por isso — Marcus fala. — Onde é que ela a está mantendo?
— Eu não vou dizer a você.
— Acho que sei — falo.
Caleb disse que não iria manter a informação em um computador público. Então, ele deve querer dizer que ela mantém em um privado: ou em seu escritório ou em um laboratório do qual Tori me falou.
Caleb não olha para mim.
Marcus pega o revólver de Caleb e o coloca em sua mão de forma que a coronha da arma se projete a partir de seu punho. Então ele balança, atingindo Caleb sob a mandíbula. Os olhos de Caleb reviram, e ele cai no chão.
Eu não quero saber como Marcus aperfeiçoou essa manobra.
— Nós não podemos deixá-lo correr para dizer a alguém o que estamos fazendo — diz Marcus. — Vamos. Cara pode cuidar do resto, certo?
Cara acena sem olhar para cima de seu computador. Com uma sensação de mal estar no estômago, sigo Marcus e Christina fora da sala de controle e para as escadas.
O corredor agora está vazio. Há pedaços de papel e pegadas na telha. Marcus, Christina e eu corremos em uma linha para a escada. Fico olhando para a parte de trás de sua cabeça, onde a forma de seu crânio aparece através de seu cabelo.
Tudo o que posso ver quando olho para ele é um cinto balançando para Tobias, e a ponta de uma arma batendo no queixo de Caleb. Eu não me importo que ele tenha machucado Caleb – eu teria feito também – mas que ele seja, simultaneamente, um homem que sabe como machucar as pessoas e um homem que desfila como um líder discreto da Abnegação, de repente, me deixa tão irada que eu não consigo ver direito.
Especialmente porque eu o escolhi. Eu o escolhi ao invés de Tobias.
— Seu irmão é um traidor — Marcus fala enquanto vira uma esquina. — Ele merecia pior. Não há necessidade de olhar para mim desse jeito.
— Cale a boca! — eu grito, empurrando-o com força contra a parede. Ele está muito surpreso para empurrar de volta. — Eu te odeio, você sabe disso! Eu te odeio pelo o que você fez para ele, e não estou falando de Caleb. — Eu me inclino perto de seu rosto e sussurro: — E mesmo que eu não atire em você, definitivamente não vou ajudá-lo se alguém tentar matá-lo, então é melhor esperar que Deus não entre nessa situação.
Ele me olha, aparentemente indiferente. Eu o libero e começo de novo em direção à escada, Christina nos meus calcanhares, Marcus alguns passos para trás.
— Para onde vamos? — ela pergunta.
— Caleb disse que o que estamos procurando não está em um computador público, por isso tem que estar em um particular. Tanto quanto sei, Jeanine tem apenas dois computadores particulares, um em seu escritório e um em seu laboratório.
— Então, o que vamos fazer?
— Tori me disse que havia medidas de segurança insanas protegendo o laboratório de Jeanine — explica. — E eu fui ao seu escritório, é apenas outra sala.
— Então... Laboratório, então.
— Último andar.
Chegamos à porta da escada, e quando eu a empurro para abrir, um grupo da Erudição, incluindo crianças, está correndo pelas escadas. Eu me apego ao corrimão e forço meu caminho através deles com o cotovelo, não olhando para seus rostos, como se eles não fossem humanos, apenas uma parede de massa para empurrar de lado.
Espero o fluxo parar, mas mais vem do patamar seguinte, um fluxo constante de pessoas vestidas de azul em luz azul escura, os brancos de seus olhos brilhantes como lâmpadas em contraste com todo o resto. Seus soluços aterrorizados ecoam na câmara de cimento uma centena de vezes, os gritos dos demônios com olhos brilhantes.
Quando chegamos ao patamar no sétimo andar, a multidão afina, e então desaparece. Corro com as mãos ao longo de meus braços para me livrar dos fantasmas de cabelo, mangas e pele que me roçaram no caminho para cima. Posso ver o topo das escadas de onde estamos.
Também vejo o corpo de um guarda, seu braço pendurado sobre a borda de uma escada, e em pé sobre ele está um homem dos sem facção com um tapa-olho.
Edward.

+ + +

— Olha quem é — diz Edward.
Ele está no topo de um lance curto, apenas sete degraus de altura, e eu fico na parte inferior. O guarda traidor da Audácia está entre nós, com os olhos vidrados, uma mancha escura em seu peito, onde alguém – Edward – provavelmente atirou.
— Essa é uma roupa estranha para alguém que supostamente despreza a Erudição. Pensei que você deveria estar em casa, à espera de seu namorado para voltar como um herói?
— Como você deve ter percebido — respondo, dando um passo — isso nunca ia acontecer.
A luz azul lança sombras sobre as depressões leves sob as maçãs do rosto de Edward. Ele chega por trás dele.
Se ele está aqui, significa que Tori já está aqui em cima. O que significa que Jeanine já poderia estar morta.
Sinto Christina se aproximar de mim, eu ouço suas respirações.
— Nós vamos passar por você — eu digo, subindo mais um passo.
— Duvido disso — ele responde.
Ele pega sua arma. Eu me lanço para frente, sobre o guarda caído. Ele atira, mas minhas mãos estão em volta do seu pulso, para que ele não dispare em linha reta.
Os meus ouvidos zumbem, e os meus pés se esforçam para se estabilizar nas costas do guarda morto.
Christina soca acima da minha cabeça. Seus dedos se conectam com o nariz de Edward. Eu não consigo me equilibrar em cima do corpo; então caio de joelhos, cravando minhas unhas em seu pulso. Ele me joga para o lado e dispara novamente, atingindo Christina na perna.
Ofegante, Christina tira sua arma e atira. A bala o acerta no flanco. Edward grita e deixa cair a arma, lançando-se para frente. Ele cai em cima de mim e eu bato a cabeça contra um dos degraus de cimento. O braço do guarda morto está preso embaixo da minha coluna.
Marcus pega arma de Edward e aponta para nós dois.
— Levante-se, Tris — diz ele. E para Edward: — Você. Não se mova.
Minha mão procura pelo canto do degrau e eu me espremo entre Edward e o guarda morto. Edward empurra-se para uma posição sentada em cima do guarda – como se ele fosse uma espécie de almofada – segurando sua lateral com as duas mãos.
— Você está bem? — pergunto a Christina.
Seu rosto se contorce.
— Ahh. Sim. Ele acertou o lado, não o osso.
Eu me aproximo dela para ajudá-la.
— Beatrice — diz Marcus. — Nós temos que deixá-la.
— O que você quer dizer com deixar? — exijo. — Nós não podemos ir! Algo terrível pode acontecer!
Marcus pressiona o dedo indicador em meu esterno, no espaço entre minha clavícula, e inclina-se sobre mim.
— Ouça-me. Jeanine Matthews terá recuado para seu laboratório ao primeiro sinal de ataque, porque é a sala mais segura deste edifício. E a qualquer momento ela vai decidir que a Erudição está perdida e que é melhor apagar os dados do que correr o risco de qualquer outro encontrá-lo, e esta nossa missão será inútil.
E eu vou ter perdido todos: meus pais, Caleb, e, finalmente, Tobias, que nunca vai me perdoar por trabalhar com seu pai, especialmente se eu não tiver como provar que valeu a pena.
— Vamos deixar a sua amiga aqui — seu hálito cheira mal — e seguir em frente, a menos que você prefira que eu vá sozinho.
— Ele está certo — diz Christina. — Não há tempo. Eu vou ficar aqui e impedir que Ed vá atrás de você.
Concordo com a cabeça. Marcus tira o dedo, deixando um círculo de dor para trás. Esfrego a dor e abro a porta. Olho para trás antes de atravessá-la, e Christina me dá um sorriso triste, a mão apertando sua coxa.

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