segunda-feira, 12 de maio de 2014

Capítulo 11

Diziam os boatos que Alistair Oh estava falido. Seu negócio não tinha dado certo. Mas quando Amy viu sua mansão, numa vila perto de Seul, capital da Coreia do Sul, ela começou a pensar em receitas para recheios de burrito.
— Caramba! De quem é esse palácio? — perguntou Nellie, quando a limusine parou após a curta jornada do aeroporto até lá.
Um casarão branco, imaculado, erguia-se reluzente sobre um luxuoso gramado em declive. O caminho da entrada, decorado com crisântemos alaranjados e amarelos, levava a um pequeno bosque de cerejeiras e cornisos, suas folhas farfalhando na brisa. O simples fato de estar naquele cenário dava vontade de sorrir.
— Cadê a casa principal? — perguntou Natalie, quando eles saíram do carro.
— Voilà — Alistair apontou a mansão com um gesto desanimado.
Ao longo de todo o dia, Amy observou que ele parecia cansado, meio fora de sintonia.
— Onde? Atrás desse chalezinho?
Ian deu uma cotovelada nas costas da irmã.
— Minha casa é uma das poucas regalias que restaram dos meus dias de magnata dos burritos — disse Alistair, enquanto subia pelo caminho da entrada. Foi acompanhado dos Kabra e do motorista, que carregava as malas de Dan e Amy. — Assim como o senhor Chung, meu motorista. E Harold, meu mordomo. Nossa modesta equipe. Antigamente era tudo bem mais grandioso.
— Como diz o ditado, o que vem fácil vai fácil. Não que eu já tenha passado por isso — comentou lan. — Mas a casa tem belas... ahn... esquadrias nas janelas.
— Obrigado, elas foram importadas da América do Sul — respondeu Alistair.
Dan se aproximou da irmã enquanto eles seguiam atrás dos outros.
— Esquadrias? — ele resmungou. — Que cara normal de 14 anos fala sobre esquadrias?
Amy deu de ombros.
— Você conferiu a sacola? — ela sussurrou.
— Conferi. Rênulo e Remo ainda estão lá.
Amy descalçou os sapatos e pisou na grama macia, recém-cortada. Uma brisa fresca fez cócegas em seu nariz e a menina deu uma gargalhada, girando os braços enquanto rodopiava no gramado, apoiada no tornozelo que não estava machucado.
— Ah, que ótimo. Bem na Coreia do Sul minha irmã resolveu virar a Noviça Rebelde.
Ops.
Amy deixou os braços caírem. Agora todos estavam olhando para ela. Ela se sentiu como na aula de balé. Atarracada, descoordenada e feia. Baixou os olhos para o canteiro de trevos como se, olhando fixo o bastante, pudesse desaparecer dentro dele.
— O que sua irmã está fazendo — disse lan, andando em direção à casa — se chama divertir-se. Talvez você pudesse aprender com ela, Daniel. Costuma ser bem agradável.
— Agradável? — perguntou Dan. — Amy?
Amy mostrou a língua para o irmão. lan estava sorrindo para ela, o que lhe revirava o estômago, mas ela conseguiu retribuir o sorriso. Só para deixar Dan irritado.
Ela ficou alguns passos atrás de lan enquanto eles chegavam ao topo do morro, até que conseguiu ver os fundos da casa de Alistair. A construção se estendia num grande terraço com vista para uma piscina e um vasto gramado. De um lado, havia um riacho sinuoso que cruzava um belo jardim de pedras com um lago cheio de peixes dourados. Do outro, uma cerca viva grossa, que parecia infinita.
— Comprei isto com os burritos sabor tempurá para micro-ondas — contou Alistair, fazendo um gesto para indicar a paisagem.
— Bem calmo. É mesmo incrível o que se consegue fazer com um espaço limitado — comentou Natalie.
Alistair ergueu a sobrancelha.
— Não chega nem perto da residência dos Kabra, pelo que ouvi dizer.
— Nós odiamos ter crescido naquele lugar — respondeu lan. — Todo ano, um de nós acabava se perdendo nas campinas, e eles tinham que mandar os poodles farejadores atrás de nós.
— Os o quê? — Dan indagou.
Natalie deu um suspiro de lamento.
— Alguns dizem que foi uma infância opressiva, mas foi a única que tivemos.
Nellie surgiu de dentro da casa. Atrás dela vinha um mordomo de uniforme, segurando uma bandeja com seis garrafas de refrigerante, que ele colocou sobre uma mesa rodeada por seis cadeiras de madeira.
— Obrigado, Harold — agradeceu Alistair enquanto o serviçal se curvava e voltava para dentro. — Se Toyotomi Hideyoshi tivesse conseguido o que queria, este lugar hoje pertenceria ao Japão. Ele pretendia conquistar todo o leste da Ásia, e nunca tinha fracassado na vida. Alguns dizem que sua intenção era erguer o mais grandioso de seus palácios aqui na Coreia, para gerar um herdeiro que assumiria o reinado. Ele também tinha planos de construir enormes depósitos e esconderijos. Hideyoshi foi um dos colecionadores mais notórios da História...
— Eu sabia que esse cara era legal! — disse Dan.
— De acordo com as lendas da família, ele possuía o bem mais valioso de todos. Uma das pistas do segredo da família Cahill, que ainda estamos procurando cinco séculos depois — ele suspirou. — Nenhum Ekat jamais encontrou essa pista. Ninguém suspeitava que ela pudesse estar na Coreia. Mas nosso pergaminho nos levará até ela, se descobrirmos como lê-lo do jeito certo.
— Cara, tô dentro — disse Dan. — Por onde a gente começa?
— Infelizmente — Alistair bocejou — não consigo funcionar direito depois de um voo tão desconfortável. Não consegui dormir. Vocês concederiam a um velho uma soneca de meia hora em sua própria cama? Harold vai lhes servir uma refeição. Por favor, fiquem por perto, não saiam por aí.
— Claro — disse Amy.
Alistair acenou para eles e entrou na casa.
— Comida, bebida, revistas, TV, internet, aparelhos portáteis? — perguntou Harold.
— Você tem aí o jogo Warcraft? — disse Dan, afoito.
Harold sorriu.
— Segunda porta à direita.
Enquanto Dan corria para o interior da casa, Natalie se acomodou numa espreguiçadeira com a edição coreana da revista People, e Nellie ficou mexendo no iPod.
lan estava olhando para o gramado.
— O que é aquilo? — perguntou.
— O q-q-que é o quê? — gaguejou Amy.
Ele apontou para uma cerca viva densa, com uma abertura estreita.
— Será que é um labirinto? Vamos dar uma olhada.
— M-Melhor não.
— Por que não? O que mais nós temos para fazer?
Ele está com aquela cara estranha, pensou Amy. Um sorriso curioso, como se ela tivesse acabado de recusar um sorvete ou o prêmio da loteria. Como se não tivesse ocorrido a ele que alguém pudesse simplesmente lhe dizer não.
— Alistair m-m-mandou a gente não fi-fi-ficar passeando por aí — ela explicou, enfiando as mãos nos bolsos.
lan apontou com a cabeça, num gesto provocativo.
— Achei que você fosse uma intrépida exploradora.
— Ah, t-tenha dó... — respondeu Amy, tentando dizer algo sarcástico, e resistindo ao formigamento que saía de sua nuca e se espalhava pelo seu corpo.
— Bom — ele disse, dando de ombros — você é que sabe.
Enquanto ele se afastava, Amy fez menção de segui-lo, porém parou de repente.
O que estou fazendo?, ela pensou.
Ele era um babaca. Era um super-hiperbabaca. Era uma nova definição de babaquice. Ela não precisava ir atrás dele.
Seus dedos se fecharam em volta da moeda que ele lhe dera. Ela tirou a moeda do bolso e a jogou no ar.
— Se der cara eu v-v-vou; se der coroa, eu f-f-fico.
A moeda aterrissou com o símbolo estranho virado para cima. Mas aquilo era uma cara ou uma coroa?
lan deu um suspiro decepcionado.
— Bom, enfim, é uma pena...
Quando os cabelos dele, brilhando ao sol, sumiram atrás da cerca viva, ela virou as costas e entrou pisando duro na casa.

***

— AAAAAHHHHHHH!
Ao ouvir aquele grito, Alistair saiu ainda zonzo e descalço do quarto. Passou correndo por Amy, que estava tomando suco de laranja na cozinha.
Ela o seguiu para fora da casa, com Harold e Dan bem atrás.
Ao longe, Amy ouviu um rosnado furioso, o barulho de algo roçando na cerca viva. lan saiu de repente da abertura, sem um dos sapatos, correndo a toda velocidade.
— SOCOOOOOORRO!
Atrás dele vinha um cachorro enorme, que parecia ser uma mistura de pit bull com dogue alemão e também, aparentemente, de urso.
— Mas o que...? — disse Alistair. — SENTA!
— Não consigo sentar! Ele mordeu o meu traseiro! — gritou Ian.
— É mesmo? — disse Nellie, abrindo um sorriso.
Alistair seguiu mancando até o gramado e, ao chegar lá, apontou o dedo para a fera, que docilmente baixou a cabeça e deu um ganido.
— É assim que você me recebe quando eu volto, sua diabinha? — Alistair chamou a atenção do animal. — Que feia! Muito feia, Buffy!
— Buffy? — perguntou Dan.
GRRRRRRR.
— Xiu! Ela é muito temperamental em relação ao próprio nome — cochichou Alistair.
— Vou processar você! — cuspiu lan. — Vou processar você e essa cachorra. Vou processar a Coreia do Sul. E... e...
— O paisagista? — sugeriu Natalie.
— E o paisagista! — gritou lan.
— Buffy na verdade é um doce de cachorra — explicou Alistair, lançando um olhar suspeito para lan. — A não ser quando alguém a pega de surpresa.
— Rauff! Rauffl — latiu Buffy, jogando uma chuva de saliva para todos os lados.
— Ela é tão fofa! — disse Nellie.
— Isto aqui é seda persa feita à mão! — lan virou de costas, revelando um rasgo na calça que expunha uma cueca samba-canção com cifrões, cor-de-rosa num fundo branco. E então rapidamente se desvirou. — Hã... Deixa pra lá.
— Demais! — comemorou Nellie.
— Cala a boca — Natalie ordenou, ela própria mal conseguindo abafar uma risada.
— Não consigo ver qual é a graça! — gritou lan com os olhos vermelhos de raiva e vergonha. — E vocês também não vão achar graça nenhuma. Eu vou fazer você perder todo o seu dinheiro, Alistair. Vou deixar você na lama e...
— Rapazinho — Alistair interrompeu-o bruscamente — eu sou velho e sábio demais para ser intimidado por um moleque de 14 anos que interrompe meu descanso tão necessário com suas travessuras. Por que você estava xeretando minha propriedade se eu disse para você não fazer isso?
— Que tipo de gente põe um cão de guarda no meio de um labirinto? — retrucou lan. — O que tem ali atrás, Alistair? O que você está escondendo?
Alistair limpou a garganta. Em seguida tirou um pente do bolso e arrumou o cabelo como se estivesse prestes a sair para uma reunião de negócios.
— Acho que vamos ter que fazer isso agora. Talvez o senhor Kabra queira trocar de roupa. — Ele gritou por cima do ombro: — Harold, por favor, aplique um antisséptico nos ferimentos do rapaz.
lan ficou pálido.
— Eu posso fazer isso sozinho — ele disse, entrando na casa.
Nellie se recostou numa espreguiçadeira com o rosto coberto de protetor solar.
— Me acordem quando tudo isso acabar.

***

Enquanto eles passavam pela cerca viva, Amy enxergou a dor nos olhos de lan. Ele estava vestindo uma calça do uniforme de Harold, que era alguns números maior que a dele.
— Isso coça resmungou lan.
— Não trouxe uma calça reserva na bolsa? — Dan perguntou, — Que chato!
Dando uma risada idiota, Dan disparou na frente. lan virou-se para Amy, tentando dar um sorriso encorajador.
— Quis dizer que a mordida coça. Não a calça.
Ela acertou o passo com o dele.
— Ele... ele... ele devia ter... — Quanto mais ela tentava, pior era a sensação. As palavras pareciam bolas de vôlei entaladas na garganta.
— Alistair devia ter me avisado? — completou Ian. — Obrigado. Tirou as palavras da minha boca.
— Pois é... — respondeu Amy. Boa de papo, hein?, ela pensou, enquanto segurava o colar de jade, mexendo freneticamente na corrente.
— Mas você me avisou — disse lan em voz baixa. — Eu devia ter prestado mais atenção.
— Ah... — murmurou Amy, tomada pela sensação de que a temperatura de repente tinha subido uns cinco graus.
lan deu risada.
— Enfim. Acho que só vai doer quando eu sentar.
Amy continuou caminhando ao lado dele, observando suas pegadas na grama, contando quantos passos ela dava em comparação a ele. O primo tinha uma passada comprida.
Em pouco tempo, eles alcançaram os outros. Alistair parou em frente a um trecho da cerca e enfiou as mãos dentro dela, à procura de alguma coisa.
Dan estava olhando feio para Amy
Que foi isso?, era o que seu rosto indagava.
O menino lançou um olhar acusador para lan. Antes que ele tivesse tempo de devolver o olhar, Amy virou o rosto para o outro lado.
Ela conseguia ler a mente do irmão mesmo assim. Odiava quando Dan tinha razão.
Alistair agora estava afastando alguns arbustos para revelar uma porta com uma escotilha redonda, de ferro fundido. Os Kabra, os Cahill e Buffy se apinharam ao redor do tio, todos de boca aberta, inclusive Buffy, que estava babando.
Na escotilha estava grafado o número 5005. Embaixo dela havia uma tranca pesada e um disco com os números de 1 a 30 gravados, como um cofre com senha.
— Isto aqui, crianças — explicou Alistair com orgulho — foi churrasco de costela.
Dan deu uma batidinha na tranca com os dedos.
— Deve ter ficado muito tempo no sol.
— Eu quis dizer que as vendas dos meus burritos sabor churrasco de costela financiaram isto — explicou Alistair. — A combinação envolve quatro números, e todas as informações necessárias estão aqui. Vocês têm três tentativas. Posso dar uma pista, mas vai custar uma tentativa.
Ian franziu a testa. Amy viu as engrenagens girando dentro da cabeça dele.
Ela respirou fundo. 5005. Tinha alguma coisa peculiar naquele número.
— O número é um palíndromo — arriscou lan. — É igual de trás para a frente e de frente para trás. Isso talvez signifique alguma coisa.
— É 2-0-0-2 de ponta-cabeça — sugeriu Natalie.
Dan deu um sopro de impaciência.
— Riqueza não garante inteligência. É tipo, muito óbvio, cara.
— O quê? — perguntou Ian.
— Não precisa pensar muito. O tio Alistair disse que temos todas as informações necessárias! — Dan girou no disco os números 5, 0, 0 e 5 e então puxou a tranca.
Ela não se mexeu.
— Essa foi a primeira tentativa — disse Alistair.
— Talvez pensar não seja uma ideia tão ruim — disse lan, olhando de relance para Dan.
— Acho que precisamos da pista — concluiu Natalie.
— Muito bem. É uma charada: Como você pode faturar com o relógio do seu primo? — lançou Alistair.
A pergunta ficou pairando no ar. A mente de Amy estava a mil.
— Primo... — disse Dan, cujo rosto virara uma máscara enrugada de concentração. — Bom, “primo” também significa „primeiro”, então pode ser que um dos números seja 1!
Quando ele fez menção de girar o disco, Alistair alertou:
— Lembre-se de que vocês só têm mais uma tentativa. Se errarem, não posso deixar vocês entrarem.
A mão de Dan congelou.
— Vamos lá, pessoal, me ajudem aqui. Que outro número além do 1?
— Bem, e essa história do relógio? — lan questionou. — Que número tem a ver com um relógio?
— Doze tem a ver com um relógio. E 60 também. Mas não tem 60 no disco, então deve ser 30. Então... 1, 12 e 30? — conjecturou Dan.
— Não! — exclamou Amy. Ela não tinha certeza, mas a charada parecia mais complexa que aquilo. A pista devia estar escondida nas próprias palavras... Só era preciso lê-las do jeito certo. — Hã... acho que não é isso. Posso tentar?
Dan fez uma careta para ela.
— Amy, sou eu que resolvo as charadas. Estou sacando esse lance.
Amy se afastou. Talvez ele estivesse vendo alguma outra coisa. Dan sempre via o que ninguém via. Seu irmão era um gênio das charadas. Ele que tinha decifrado um antigo enigma numa pilha de caveiras nas Catacumbas de Paris. Ele que tinha descoberto o segredo da partitura de Mozart.
Mas Dan parecia estar distraído. Ele olhava para lan como se quisesse matá-lo com um sabre de luz. Ele não estava pensando direito.
— Eu-eu tenho quase certeza que descobri — disse Amy.
Alistair deu um sorriso e apontou para o disco.
— Fique à vontade.
Amy desviou o rosto do olhar descrente do irmão.
— Bem, pensem no começo da frase, “Como você pode faturar...”. Existe uma palavra muito parecida com “faturar” que tem tudo a ver com números e matemática...
— Fatorar! — exclamou Natalie.
— O relógio também sugere números — continuou Amy, estendendo a mão até a tranca. — E o primo...
— Números... primos? — sugeriu Dan.
— Isso quer dizer que, para encontrar a combinação, temos que encontrar os números primos que, multiplicados, totalizam 5005? — indagou lan. — Parece um pouco improvável...
— Odeio matemática — disse Natalie.
A mão de Amy tremia enquanto ela girava o disco com cuidado.
5, 7, 11, 13.
Clique.
Ela girou a tranca e abriu a escotilha.
— Bem-vindos ao santuário Oh — anunciou Alistair.

Nenhum comentário:

Postar um comentário