segunda-feira, 12 de maio de 2014

Capítulo 13

Assim que o dia raiou eles partiram. Dan não se sentia muito bem. Viajar por uma estrada esburacada depois de ter comido ovos no café da manhã não era a coisa mais agradável do mundo.
Conforme se aproximavam da cidade de Seul, uma montanha com três picos erguia-se diante deles.
— Os três chifres... Eu devia ter percebido desde o começo — disse Alistair. — É Samgaksan, a montanha com três picos. A confusão é que agora este lugar é conhecido como Bukhansan.
— Não sei por que, mas pensar em uma coisa com três chifres neste momento está me deixando mais enjoado! — reclamou Dan, fechando os olhos e se afundando no banco e no moletom de Harvard que Alistair lhe emprestara, grande demais para ele.
Amy olhou pela janela do carro. O dia estava cinzento e sombrio, e a montanha parecia quase vertical. Eles tinham trazido lanches embalados na mochila, mas aquela caminhada obviamente ia durar mais de um dia.
— A gente vai ter que escalar isso? — perguntou Nellie. — Meu tênis não é bom para esse tipo de coisa.
— As montanhas são fortes — disse Natalie, espanando um grãozinho de pó de seus tênis Prada cor-de-rosa com pedras preciosas incrustadas, que ela dera para Harold limpar no dia anterior. — Temos que ser fortes também.
— São só uns 800 metros de altura, mas creio que não teremos que escalar — respondeu Alistair, conferindo a página do livro sobreposta ao velho pergaminho. — O desenho antigo tem uma linha sólida que o serpenteia; suponho que seja a famosa muralha. Ela cruza diversos vales e regiões baixas.
— O que é isso? — perguntou Dan, apontando para uma curiosa formação rochosa em zigue-zague.
— Hã, parece a letra M. Ou, se você olhar ao contrário, um W. Ou de lado, meio que parece um S... — tentou Nellie.
— Talvez sejam palmeiras — disse Dan. — Que nem no filme Deu a louca no mundo. Vocês conhecem? Uns caras precisam achar o dinheiro escondido, e a única pista que eles têm é que a grana está embaixo de um grande W. E ninguém entende o que isso quer dizer... mas daí, quase no final, aparecem essas quatro palmeiras juntas formando... chutem qual letra? É um clássico!
Amy, Alistair, Natalie, lan e NeIlie encararam o menino com um olhar vazio.
— Não existe W no idioma coreano — respondeu Alistair. — Nem palmeiras na Coreia. Talvez sejam bordos...
— Prrr — fez Saladin, esfregando o focinho no joelho de Dan.
— Depois eu te conto o resto da história — Dan sussurrou para o gato.
O motorista os deixou no estacionamento do Parque Nacional de Bukhansan. Vários turistas se amontoavam em volta de um mapa gigante da trilha, que Alistair cuidadosamente comparou com a folha sobreposta ao pergaminho. Ele seguiu com o dedo a linha escura serpenteante, parando em diversas marcas pretas.
— Imagino que estes sejam antigos templos. Assumindo que o grande x é nosso tesouro escondido.
— Fica entre dois dos templos — concluiu Natalie. — Mas quais?
Alistair deu de ombros.
— Há vários templos aqui, bem distantes uns dos outros. Isso pode levar vários dias.
— Então vamos logo! — disse Dan.
— Alguém tem que ficar aqui com o Saladin e o senhor Chung — Nellie se pronunciou, olhando a montanha com cara de dúvida. — Ok, vocês me convenceram. Eu fico.
Os outros partiram, seguindo uma trilha batida.
— Hideyoshi conquistou a maior parte do que hoje é a Coreia do Sul — contou Alistair. — Inclusive Seul, que naquela época se chamava Hanseong. Mas os soldados resistiram bravamente, construindo esta muralha para deter a invasão.
— Por que Hideyoshi enterraria os tesouros dele aqui? — perguntou Amy.
— Para aproveitar a proteção da muralha, talvez. — Alistair deu de ombros. — Ele deve ter imaginado que este território continuaria lhe pertencendo.
— Excesso de confiança é uma maldição — comentou Ian.
— Falou quem entende do assunto — provocou Dan.
Quanto mais eles avançavam pela trilha em aclive, menor era o número de turistas. Cada vez que eles passavam por um templo, Alistair conferia as folhas sobrepostas e acenava a cabeça negativamente.
Suas costas estavam empapadas de suor, e ele estava resfolegante quando finalmente se sentou sobre uma pedra.
— Hora do almoço — anunciou, entregando as folhas para Amy. — Meu bem, você pode guardar isso na sua mochila?
— Almoço? Nós mal começamos! — protestou lan, continuando a seguir a muralha.
A calça folgada de Harold estufava a cada vez que a brisa batia.
Natalie sentou-se do lado de Alistair, esfomeada.
— Você por acaso não trouxe pastrami com mussarela de búfala e tomate seco no pão ciabatta integral ao molho pesto?
— Pode ser manteiga de amendoim e banana no pão de forma? — ofereceu Dan.
Alistair observava os arredores com muita atenção.
— Receio que tenhamos passado pelo lugar certo e não percebemos. A muralha pode ter sido reposicionada ao longo dos séculos. Talvez não tenha mais o formato que tinha no desenho.
Enquanto Amy fechava o zíper da mochila, sentiu alguma coisa atingi-la no topo da cabeça. Era um torrão de musgo, que rebateu e foi parar aos seus pés.
— Ei!
lan estava dando risada enquanto limpava a terra das mãos.
Dando risada. E além de tudo estava olhando fixamente para ela. Seus olhos caçoavam dela, deixando-a paralisada. Como se planejassem algum comentário venenoso, típico de um Kabra. Na frente de todo mundo. Ela represou as lágrimas, resistindo à vontade de sair correndo ou se encolher no chão.
— Joga de volta — chiou Dan. — Bem forte!
Ian juntou as mãos ao redor da boca.
— Amy, você aceita um desafio? Uma corrida até o topo do rochedo mais próximo? Te dou vantagem... Ou você é lerda demais pra isso?
— Ela não é lerda! — Dan gritou de volta. — Bom, na verdade, é sim.
Amy ficou de pé. Ser humilhada por um Kabra era uma coisa, mas por um irmão caçula pentelho era inadmissível.
Ela olhou para o rochedo. Aquilo era maluquice. lan estava provocando, armando para que ela passasse ainda mais vergonha. A não ser que...
Lá estava. Outra trilha mais direta cortando por entre os arbustos.
Ela começou a correr.
— Amy... deixe a sua mochila aqui! — Dan gritou. — E lembre de batizar o primeiro filho de vocês com o meu nome!
Ela ignorou o irmão. Seu tornozelo doía loucamente, mas ela se recusava a deixar lan vencer. Ele estava correndo, cruzando o topo da muralha, pulando. Movendo-se em ziguezague, lan se embrenhou num trecho repleto de árvores, dando uma sonora gargalhada e indo em disparada ao encontro dela. Amy tirou a mochila das costas e deu uma cacetada no braço dele.
Que idiota.
— Ai! — ele reclamou. — Esta camisa é uma Armani, feita sob medida!
A mochila caiu rolando no chão, derramando as folhas de Alistair: a página e o pergaminho presos por um clipe.
— Achado não é roubado! — gritou lan, pegando as folhas do chão e pulando sobre um rochedo.
— Seu traidor! — Amy estava furiosa.
Não ia deixar o primo se safar com aquilo de jeito nenhum. Ela escalou a pedra, seguindo lan passo a passo até chegar ao topo. Ali ele virou-se para ela, ofegante.
— Até que você não foi mal para uma Cahill — ele disse com um sorriso malandro.
— Você... v-v-você... — As palavras ficaram presas na garganta dela, como sempre acontecia. lan a encarava com olhos que dançavam risonhos. Ela ficou com tanta raiva e ódio que achou que fosse explodir. — ... não p-p-pode...
Naquele instante, porém, uma coisa muito estranha aconteceu. Talvez tenha sido um gesto da cabeça dele, um movimento da sobrancelha, ela não soube direito precisar o que foi. Mas foi como se alguém de repente mostrasse uma pintura em um ângulo diferente, e o que parecia ser um mar tempestuoso se transformou num belo buquê. Era uma ilusão de ótica, provando que tudo era apenas questão de perspectiva. Os olhos de lan não estavam caçoando dela, não mesmo. Estavam fazendo um convite, propondo que ela risse também, com ele. De repente a raiva de Amy se dissipou, como uma nuvem.
— Você... também é um Cahill — ela respondeu.
— Touché.
Os olhos dele não se desviaram dos dela, nem um milímetro.
Dessa vez ela conseguiu encará-lo. Bem nos olhos. Dessa vez não sentiu o impulso de pedir desculpas, nem de atacar ou sair correndo. Ela não se importaria se ele ficasse olhando para ela daquele jeito o dia inteiro.
— Ei, Amy? Essa trilha não é brincadeira, e estamos morrendo de fome! — gritou Dan. — E o tio Alistair quer o mapa de volta!
Amy sentiu que estava ficando vermelha. Ela desviou o olhar.
— Aqui está — disse lan, entregando as folhas para ela.
A página arrancada do livro, que tinha sido presa por um clipe de papel, pendia torta. Nervosa, Amy arrumou o papel para que ficasse sobreposto como antes. Tudo alinhado, marca por marca...
O olhar dela sobrevoou a paisagem e depois voltou para o papel.
— Oh, meu Deus... — ela murmurou.
— Que foi? — respondeu lan.
Amy conferiu outra vez. E mais outra, só para ter certeza. Mas era inconfundível: a figura que eles tinham notado mais cedo no mapa. Aquela que parecia uma letra.
Não eram palmeiras. Nem bordos.
— Dan! — Amy gritou, pulando rochedo abaixo como se jamais tivesse machucado o tornozelo. — Venham pra cá depressa, todo mundo!
Ela correu de volta na direção da muralha, mas os outros já estavam vindo em disparada, e encontraram Amy no meio do caminho. Ela agarrou a mão do irmão e o puxou para perto de si, subindo a trilha e o rochedo íngremes.
— Eu te amo, Dan. Você é um gênio.
Dan a encarou de um jeito estranho.
— O lan te deu alguma droga?
— Olha — ela indicou o lugar com um gesto. — O que você está vendo?
— Essa formação rochosa. Cocô de bicho — Dan deu de ombros.
— Esta formação rochosa. O que parece? — Amy insistiu novamente.
— Tipo um ziguezague? — lan falou.
De repente, foi como se Dan tivesse levado um choque.
— É um W! — ele gritou. — Amy, você achou nosso W!
Alistair sorriu.
— Excelente. Um X assinala o ponto no mapa... e o ponto é uma formação rochosa em forma de W.
Amy pegou as folhas sobrepostas e começou a descer a encosta. Quando chegou na beira do afloramento rochoso, afastou trepadeiras e arbustos da base.
— Espalhem-se — mandou lan. — Procurem uma caverna. Uma entrada escondida.
Os outros começaram a remexer e arrancar a vegetação, examinando a pedra.
— Vejam! — gritou Natalie.
Amy correu até o lado dela. Ela tinha arrancado um arbusto grosso da parede rochosa, revelando a figura entalhada de um homem. O homem tinha um rosto fino, simiesco, com olhos penetrantes e uma fenda formando a boca.
— Cruzes! — ela disse.
— O Rato Careca — declarou Alistair com assombro, passando os dedos no relevo. — Esta é uma imagem de Hideyoshi, no estilo japonês da época.
— Brilhante — exclamou lan esfregando o queixo, pensativo.
— Como vamos entrar? — Dan perguntou, com o rosto ainda enterrado no mapa. — Vocês devem ter notado que este W gigante é feito de pedra sólida. Tem que ter alguma instrução aqui...
Amy e os outros se amontoaram ao redor de Dan. O menino apontou para a parte de baixo das folhas sobrepostas.
— Essas letras no fim. Toota. O que isso quer dizer?

 

— O pai de Hideyoshi era Thomas Cahill. Talvez ele tenha ensinado inglês para o filho — arriscou Alistair.
— É Toyota! — disse Amy. — As letras. Elas formam Toyota, sem o Y.
— Ótimo, Amy — respondeu Dan. — Nossa terceira pista é uma picape enterrada.
— Creio que ela está sugerindo que o pergaminho pode ser falso — esclareceu lan.
— Obrigado, senhor e senhora Kabra — disse Dan, examinando o pergaminho de perto. — Mas isso não é falso. Não mesmo.
O menino depositou o mapa com cuidado no chão e sacou do bolso um pequeno canivete suíço. Então, com golpes ágeis, começou a rasgar o pergaminho em pedacinhos.
— Dan! — Alistair gritou.
Amy sentiu seu coração parar.
— O que você está fazendo?
Na sequência, Dan puxou a tesourinha do canivete. Num piscar de olhos, recortou todas as letras com precisão. Mexendo com cuidado nos delicados recortes, ele os dispôs assim: o grande A dentro do grande O; os dois Ts menores um do lado do outro, de ponta-cabeça dentro do A; e por fim o O menor entre os dois Ts:


Dan assentiu com a cabeça.
— “E pela união dos elementos é concedida a entrada...”. Eu só uni os elementos.
Ele estava olhando para Amy com um sorriso largo. E ela sabia exatamente o que o irmão estava pensando.
A menina pôs a mão no bolso e de lá tirou a moeda que lan lhe dera. Nela havia o mesmo símbolo: a pedra filosofal.
— Agora vamos dar algo pra esse rato comer — ela disse.
Com cuidado, Amy enfiou a moeda na fenda que formava a boca de Hideyoshi.
E o chão começou a tremer.

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