BRRRRRUUUUMMMM.
Os joelhos de lan fraquejaram. O aforamento rochoso fez o chão tremer, cuspindo uma poeira cinzenta que logo começou a subir em tranças ao redor deles.
Protegendo os olhos com a mão, ele avistou Amy de pé junto à figura de Hideyoshi, que agora se mexia em direção a ela. A menina estava em choque, com a mochila caída no chão aos seus pés.
— Afaste-se! — ele gritou.
lan puxou Amy para longe e a jogou no chão, aterrissando em cima dela. Uma chuva de cascalho caiu sobre suas costas, infiltrando-se em seus cabelos e pipocando no chão como uma onda de aplausos.
A segunda coisa em que ele pensou foi que aquilo ia estragar sua camisa. E aquele foi o choque: o fato de não ter pensado na camisa primeiro. Nem na moeda. Nem em si mesmo.
Ele tinha pensado nela.
Porém, aquilo não era parte do plano. Amy existia para cumprir um propósito. Ela era parte de uma tática, um degrau de uma escada. Ela era...
— Adorável — ele disse.
Amy olhava para ele petrificada, com os cílios salpicados de pó. lan segurou a mão dela, que estava fechada em punho.
— N-n-não precisa fazer isso — ela sussurrou.
— Fazer o quê? — perguntou lan.
— Ser sarcástico. Dizer coisas como “adorável”. Você salvou minha vida. Ob-brigada.
— Só fiz meu dever — lan respondeu.
Ele baixou a cabeça e deixou seus lábios roçarem nos dela. Bem de leve.
Aos poucos o ar foi ficando mais limpo, e o barulho havia cessado. lan sentou-se e soltou a mão de Amy. A figura entalhada tinha se elevado na diagonal, despontando a alguns centímetros da pedra. No lugar onde antes estava o desenho de Hideyoshi, surgira uma abertura retangular.
De dentro do buraco vinha um cheiro podre, azedo.
Alistair foi o primeiro a ficar de pé, espanando as calças engomadas.
— O esconderijo de Hideyoshi...
Dan e Natalie estavam bem do lado dele, tossindo e sacudindo a poeira. Dan tentou espiar lá dentro, mas recuou de repente.
— Urgh, alguém esqueceu de dar a descarga.
Alistair tinha encontrado a mochila de Amy, e dela retirou duas lanternas a pilha.
lan ajudou Amy a ficar de pé.
— A moeda está com você? — ele perguntou numa voz branda — Talvez precisemos dela depois, para fechar a entrada.
— No b-bol... — Amy indicou seu bolso. — Guardei a moeda aqui quando a coisa c-começou a abrir...
Alistair entregou uma lanterna para ela.
— Você e eu vamos na frente, Amy.
Enquanto Amy entrava na caverna com as pernas bambas, Natalie olhou feio para lan. Ele piscou para ela e entrou também.
A irmã nunca dava crédito a ele.
***
Concentração.
Amy só conseguia sentir os próprios lábios.
A luz fluorescente azulada da lanterna dançava nas estalagmites de uma caverna abobadada. O cheiro de amônia dos excrementos de animais inundava suas narinas. Eles estavam dentro de uma caverna que muito provavelmente não era visitada por um ser humano havia séculos, e os tênis dela faziam um barulho molhado ao pisar num tapete de alguma coisa que ela preferia não saber o que era. E só o que Amy conseguia sentir era o formigamento nos lábios.
Tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. A moeda, o esconderijo, o... O quê? O que exatamente tinha acontecido alguns instantes atrás?
lan caminhava em silêncio ao lado dela. Ela deveria odiá-lo. Ela o odiava. Mas não conseguia mais lembrar por quê. Apesar do lugar em que estavam, ela sentiu-se alerta, viva e incrivelmente feliz.
— Obrigada — ela sussurrou para ele.
— Pelo quê? — perguntou lan.
— Por me dar a moeda naquele beco em Tóquio. Se você não tivesse feito aquilo, talvez nada disso tivesse acontecido.
lan assentiu com a cabeça.
— A moeda era um dos tesouros mais valiosos da família Kabra. Corriam rumores de que era a chave de uma pista dos Tomas, mas meus pais não acreditavam. Precisei roubar a moeda deles — lan deu de ombros — não vai ser agradável enfrentar meu pai quando ele descobrir.
Amy enfiou a mão no bolso e lhe entregou a moeda.
— Eu... não posso aceitar. Eu prometi.
— Não precisamos mais dela — disse Amy.
— Obrigado — lan pegou a moeda e pôs no bolso. Porém seus olhos estavam voltados para o teto. — Amy? Está vendo alguma coisa se mexer lá em cima?
Amy apontou a lanterna para o teto, iluminando uma sombra que tremulava e dançava – e que então se dissipou numa nuvem de gritos estridentes.
— AGACHEM! — Dan berrou enquanto uma massa fluida de morcegos voava sobre suas cabeças.
Os bichos gritavam e batiam as asas, cujas pontas roçaram o cabelo de Amy feito chuva enquanto ela se encolhia. Então, como fumaça saindo por uma chaminé, os morcegos fugiram pela entrada estreita.
— Você está bem? — perguntou lan.
Amy fez que sim com a cabeça.
— Odeio morcegos.
Ela ficou sentada, mexendo a lanterna de um lado para o outro, deixando que o facho de luz iluminasse o rosto dele. Só para ver.
E foi então que Dan deu outro berro.
***
— Amy, ilumine isso aqui!
Era a coisa mais legal que ele já tinha visto. Mais legal que o suprimento vitalício de jogos para videogame que ele quase tinha ganhado na rifa do sexto ano.
Alistair e Amy correram até o ponto em que Dan estava e iluminaram com as lanternas uma torre monstruosa de objetos empilhados do chão ao teto. Do topo, onde antes estavam os morcegos, pendia um grupo de estalactites. Elas rodeavam a pilha como uma cerca de ponta-cabeça, mantendo-a no lugar.
Eram espadas. Uma torre de espadas, num cuidadoso arranjo entrecruzado. Os cabos despontavam para fora, alguns sofisticados e crivados de pedras preciosas, outros amassados e opacos. Pareciam mãos estendidas, como se desafiassem alguém a puxá-las, o que provavelmente faria a pilha desmoronar feito um castelo de cartas.
— O Grande Confisco de Espadas de 1588 — murmurou Alistair. — Foi aqui que ele guardou todas elas.
Mas Dan já estava contornando a torre de espadas, avançando para a esquerda. A caverna ali parecia se expandir, ficar mais larga e funda, com montes de objetos que davam a impressão de se multiplicar ao longe, interminavelmente. Alguns pareciam ter sido jogados ali descuidadamente, como coroas e elmos, armaduras, lanças, escudos, selas, estribos. Havia túnicas dobradas que reluziam suas joias incrustadas, estátuas cobertas de pó e rolos de pergaminhos dispostos em caixas. Uma área, no entanto, parecia isolada: uma espécie de altar, rodeando um estranho espelho triangular pendurado na parede, numa moldura repleta de entalhes intrincados.
Em volta do espelho, havia pilhas de baús imensos. Eram decorados com joias e letras caligrafadas, cada um trancado com um cadeado enorme.
Dan segurou um dos cadeados, que desmontou sozinho na sua mão, enferrujado e quebradiço. Enquanto ele abria a tampa, os olhares dos outros acompanhavam seus movimentos.
— Como a ralé costuma falar... — disse Natalie, arregalando os olhos — Bongo!
— Acho que é bingo — corrigiu Alistair. — Meu Deus, devem ser os despojos de Hideyoshi! Os tesouros que seus exércitos saquearam enquanto conquistavam o Japão e avançavam pela Coreia.
Dan se debruçou e mergulhou as mãos num mar de moedas de ouro. Ao seu lado, Amy abriu outro baú.
— Pratos, xícaras, tigelas... tudo de ouro maciço!
— Budas! — exclamou lan, espiando num terceiro baú. — Uma coleção de budas dourados em miniatura.
— Hideyoshi adorava ouro — Alistair disse em voz baixa. — De acordo com a lenda, ele até ingeria gotas de ouro líquido toda noite, devido às supostas propriedades mágicas desse material...
— Estamos ricos — disse lan. — Quer dizer, mais ricos... Se é que isso é possível.
Dan sorriu. E pela união dos elementos é concedida a entrada, revelando o mais elevado.
— Estamos mais do que ricos — ele deixou escapar um grito de entusiasmo — Descobrimos a próxima pista do segredo dos Cahill!
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