Idiota.
Imbecil.
Burra.
Amy ficou estática, olhando para a porta, na ausência de luz onde lan Kabra estivera postado.
Tudo tinha sido uma grande piada. Ele tinha jogado a isca direitinho e depois só precisou fisgar.
Como aquilo podia ter acontecido? Como alguém era capaz de fazer isso?
As lágrimas escorreram pelo seu rosto e caíram no chão, batendo de leve como asas de mariposa.
Atrás dela, Alistair e Dan a ignoravam, discutindo estratégias, tentando descobrir um jeito de escapar. Um jeito de evitar que morressem.
Tarde demais, pensou Amy. Eis uma sensação que ela já conhecia.
Lentamente, as vozes dos dois se infiltraram em seu cérebro.
— Vou procurar outra saída — Alistair estava dizendo. — Amy, você e Dan procurem falhas pela parede de pedra. Se tem morcegos morando aqui, deve ter alguma fonte de ar, algum tipo de buraco.
Atordoada, Amy concordou com a cabeça.
Quando os passos de Alistair se afastaram, Dan se agachou ao lado dela.
— Ei. Eu também quero estrangular o lan.
— Foi culpa minha. E-eu acreditei nele. Caí direitinho na armadilha...
Dan a ajudou a ficar de pé e passou o facho da lanterna pela parede, examinando cada centímetro. O lugar estava escuro como breu e, depois de alguns minutos, Amy já sentiu que estava ficando sem ar.
A voz do tio ecoou na direção deles, vinda de longe.
— Não tem outra saída. Acabei de conferir o W inteiro. É muito mais comprido do que eu tinha imaginado. Estamos totalmente presos.
Um túmulo, pensou Amy. Ele nos enterrou vivos.
Ela sentiu uma mão pousar em seu ombro.
— Lamento muito, cara sobrinha — Alistair disse com delicadeza. — Se eu tivesse percebido que você estava se enamorando do rapaz, teria feito alguma coisa. Não me dei conta disso, deveria ter sido mais atento.
Amy deu um suspiro.
— Como eu pude deixar ele me enganar? Como pude pensar que alguém ia realmente sentir...
As palavras entalaram no fundo de sua boca seca.
— Eu sei que isso não vai melhorar nada, mas acredite quando digo que sei como é ser traído.
Amy ergueu o olhar para o rosto mal discernível de Alistair.
— É mesmo?
Ele parecia prestes a dizer alguma coisa, mas mudou de ideia.
— Pense apenas nisto, Amy: seus pais amavam vocês. Isso se via nos olhos deles, mesmo quando vocês não estavam por perto. Basta que pensem neles, e eles estarão presentes.
— Você... conheceu eles? — perguntou Amy.
— AAHH! Que nojo! — Dan gritou de outra parte da caverna. — Acho que pisei num morcego! Será que vocês podem continuar a conversa outra hora? Tipo, se antes a gente não morrer e virar banquete de morcego?
Alistair se afastou, deixando Amy com a boca cheia de perguntas.
— Dan, você nunca deve desistir, em hipótese alguma — incentivou Alistair. — Um problema é apenas uma solução esperando para ser descoberta. Vamos conseguir sair daqui... e prevejo que vamos chegar ao Lake Tash antes dos Kabra...
— Amigo, nós não vamos para o Lake Tash. Eu inventei esse lago.
Alistair estava olhando fixamente para ele.
— Mas... o anagrama... — disse Amy.
Dan deu um suspiro, iluminando com a lanterna a folha onde tinha reembaralhado as letras.
— Eu vi a resposta verdadeira na hora, mas não confio neles. Joguei uma isca para testar os dois. A resposta verdadeira é, tipo, moleza...
Ele começou a escrever outra palavra na folha, mas Amy estava olhando para mais além, observando os estranhos reflexos da luz da lanterna no espelho.
— Esperem um pouco! — ela exclamou. — Esse espelho... quem já ouviu falar em espelho triangular?
— Um designer de espelhos triangulares? — disse Dan.
— Ou um alquimista! Pense, Dan. A alquimia é cheia de símbolos. Os planetas, os elementos, tudo tem seu próprio desenhinho engraçado!
— Mas o triângulo era o símbolo de quê? — perguntou Dan.
Amy tentou visualizar a imagem na página.
— Ar? Ouro?
— Pera... peraí... estou vendo... — disse Dan. — Água! É isso. Não. Com a ponta pra baixo, representa água... mas, com a ponta pra cima, é fogo!
Dan apontou a lanterna outra vez na direção do espelho, erguendo a luz bem sobre a cabeça.
Logo acima do espelho, fora de seu alcance, Amy percebeu uma série de cordinhas meio engorduradas. Sentiu um embrulho no estômago. Pareciam rabos de rato pendurados.
— Será que essas coisas... estão vivas?
De repente, Dan olhou de relance para o chão. Ele se agachou, raspando alguma coisa com os dedos.
— Carvão. Deve estar vazando de cima.
Alistair ergueu o olhar.
— O que tem lá em cima?
Sufocando a ânsia de vômito, Amy se forçou a seguir o olhar dele. Para seu alívio, os rabos pendurados eram compridos demais para serem o que ela achava que fossem. Pareciam ser apenas barbantes, levando a uma grande rachadura na pedra.
E ela percebeu um cheiro muito peculiar.
— Oh, meu Deus... Vocês estão sentindo esse cheiro... de...?
— ...cocô de morcego — disse Dan.
— Ovo podre — sugeriu Alistair.
— E esse cheiro de ovo podre — continuou Amy — é causado por...?
— Galinhas? — tentou Dan.
— Enxofre! — disse Amy.
Dan sorriu.
— Ah, é verdade. Eu aprendi isso na aula de química no ano passado! Enfiei um tubo de ensaio na mochila da Mundy Ripkin. Com uma rolha, tipo, meio solta. Daí quando ela abriu...
— Carvão... enxofre — disse Amy, vasculhando o cérebro em busca de alguma coisa que tinha lido na aula de ciências. — Eles se juntam a um outro ingrediente para fazer... o quê, mesmo...?
— Churrasco fedido? — arriscou Dan.
Amy de repente se lembrou.
— Não é churrasco, seu pamonha — ela disse, olhando os barbantes pendendo no vazio. — É pólvora.
— Hã, você acha que tem pólvora lá em cima? — perguntou Dan.
— A pólvora de fato existia no século XVI. Foi inventada na China séculos antes e se espalhou pelo Oriente. — explicou Alistair.
— Dan, acho que estas cordas estão aqui por um motivo. São pavios!
— Brilhante, minha querida! Você é genial! Então o espelho tem duas funções. Ele aponta para cima, direcionando nosso olhar, e é o símbolo do fogo. Parece muito típico de Hideyoshi. Sendo um guerreiro sempre astuto, criou uma saída de emergência em seu esconderijo, para o caso de sabotagem.
— Dan, você ainda está com os fósforos do Hotel Muito Obrigado? — perguntou Amy.
— Sua tonta, a gente não pode simplesmente explodir esta coisa! Isso pode matar a gente.
— Pólvora não é dinamite — disse Alistair. — Lembro a vocês que estamos rodeados por um monte de xisto.
— Cheetos? Onde? — perguntou Dan.
— Xisto é um material extraordinariamente denso — continuou Alistair. — Abrir uma pedra com uma explosão, mesmo nos dias de hoje, exige um poder muito maior do que a pólvora pode proporcionar. O estouro provavelmente só abriria um buraco numa área pequena. Na verdade, é totalmente possível que a explosão não seja forte o bastante. Com o xisto estaremos mais que seguros.
Alistair estava tentando falar com um tom reconfortante, mas Amy percebeu como sua voz estava trêmula. Ela olhou para o irmão. A luz da lanterna no rosto dele fazia ele parecer um velho. Porém, mesmo com a distorção da penumbra, ela conseguia ler a mente de Dan.
Você acredita nele?, suas feições perguntaram.
Não tenho tanta certeza, ela pensou.
Nem eu. Então vamos todos ser instantaneamente esmagados por toneladas de granito, ele estava pensando.
Ou então...?
Dan desviou o olhar.
... vamos morrer de fome, lenta e dolorosamente, foi o pensamento que ele não quis dividir com a irmã. Mas ela sentiu.
E a escolha, para ela, era clara.
— Acho que é a única chance que temos de sair daqui e fazer coisas horríveis com lan Kabra — decidiu Dan.
Amy sorriu, engolindo uma pontada de medo que atravessou seu corpo.
— Vai fundo — ela concordou.
Dan virou-se para Alistair.
— Você é mais alto — disse, entregando-lhe os fósforos.
O velho homem acendeu um palito e o ergueu em direção aos barbantes. A chama lambeu a ponta de um deles, brilhou um pouco mais forte, cercou o fio e então se apagou com um chiado.
— Os pavios são velhos — disse Alistair, jogando o fósforo apagado no chão.
Ele abriu a carteira de fósforos e viu que só restavam três.
— O que aconteceu com o resto dos fósforos?
— Hã... — Dan hesitou num tom de culpa.
Amy franziu o rosto, lembrando de todos os fósforos que ele desperdiçara na praça em frente ao hotel em Tóquio.
Alistair respirou fundo.
— Tudo bem, então. Rezem.
Ele ergueu outro fósforo. Este também rodeou a ponta do barbante mole.
FFFFFFFFT!
— Uhu! — Dan gritou, conforme Alistair acendia outro barbante, e mais outro. As chamas dispararam para cima, na direção da pedra.
— Mexam-se! — gritou Alistair, agarrando Dan e Amy pelo braço.
Eles correram para o interior da caverna, dobrando o canto inferior do W.
Buuum!
Buum! BUUUUUUM!
TRRRRRE-E-E-EC!
Houve uma explosão de pedras dentro da caverna, batendo em objetos de ouro, esmagando baús de tesouros. O espelho oscilou, por fim caiu para a frente e se estilhaçou no chão.
Acima deles, a luz entrava por um pequeno buraco perto do topo da parede de pedra.
— Conseguimos! — gritou Dan.
Os três correram para ver, tropeçando por cima de pedras, destroços e cacos de vidro.
CRRRRREC!
Choveram mais pedras do teto. Amy e Alistair protegeram a cabeça com os braços, correndo para longe.
— A rocha está trincando! — Dan gritou, arrastando uma caixa de madeira para que ficasse bem abaixo do buraco. — Vamos!
Alistair subiu na caixa, estendeu o braço para pegar Amy e a levantou por sobre sua cabeça. Sua força era surpreendente.
Amy esticou as mãos para cima, porém seus dedos não alcançavam a borda do buraco.
— Um... dois... três... e lá vai! — Alistair lançou Amy para cima.
Pronto.
— Consegui! — ela gritou.
Seus dedos agarraram um pedaço quebrado de rocha. Enquanto ela impulsionava o corpo para cima, Alistair pôs as palmas das mãos nas solas dos tênis da menina e deu um empurrão.
— Ahhhhn!
Ela respirou fundo aquele jorro de ar fresco, cheio de oxigênio. As pontas de seus dedos agarraram uma raiz que se fixara na rocha. Ela enfiou o cotovelo num pedaço da pedra e se içou para fora.
Amy saiu ao sol. Sentiu o glorioso cheiro de grama e terra.
Deitada em segurança na superfície, ela estendeu o braço para dentro do buraco.
— Segurem!
— Subin-DO! — Alistair grunhiu ló de baixo.
Amy prendeu com força os dedos em volta dos pulsos do irmão e puxou. Dan era pesado, e ela só conseguiu tirar o torso dele. Mas foi suficiente. Ele soltou-se dela e saiu do buraco se contorcendo.
Depressa, Amy se debruçou na cavidade e gritou lá para baixo:
— Tio Alistair! Você consegue empilhar mais caixas? Precisa dar um jeito de ficar mais alto!
— Estou tentando! — ele gritou de volta.
BRRRRRUUUUUUMMMM!
A rocha inteira tremeu. Uma porção dela bem à esquerda de Amy desabou lá para baixo. O tremor parecia estar ficando mais forte, seguindo a linha de uma rachadura na pedra.
— Tio Alistair! — Dan gritou para dentro do buraco. — Você está bem?
Dan virou o ouvido para baixo. Amy conseguiu escutar Alistair dizendo alguma coisa, mas o estrondo do tremor abafava o som.
Enfiando a mão dentro do buraco, Dan gritou:
— Agarra aqui! Pula!
Porém não houve resposta.
Dan e Amy gritaram o nome dele. Mas o buraco, que tinha apenas alguns metros de largura, começou a se partir. A rocha inteira embaixo dos dois estava rachando. Eles se jogaram para a frente, descendo a encosta da pedra, e por fim caíram no chão.
Enquanto o W inteiro implodia, da esquerda para a direita numa onda, os irmãos Cahill pularam para longe, aterrissando de joelhos e cobrindo a cabeça com os braços.
Uma imensa nuvem de pó se ergueu no céu, enegrecendo tudo. Amy e Dan ficaram olhando, atônitos, o amontoado de pedras quebradas que havia restado.
Por fim, Amy sentiu as palavras saindo de sua boca como se tivessem vida própria.
— O que ele disse?
— Ele disse — Dan falou, ofegante — que a pedra não era xisto.
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