segunda-feira, 12 de maio de 2014

Capítulo 5

O irmão de Amy nunca ficava à vontade num lugar enquanto não tivesse feito alguma coisa sem noção. Em Tóquio, isso aconteceu logo na manhã após a chegada deles ao Hotel Muito Obrigado.
— Dan, você não pode simplesmente pegar uma coisa! Isso é roubar — disse Amy, vendo o esforço do irmão para enfiar um cinzeiro do hotel no bolso de trás da calça.
— Eles nem vão perceber que sumiu! — protestou Dan. — Preciso disto para a minha coleção.
Dan colecionava tudo. Qualquer objeto que coubesse dentro de casa e não estivesse acorrentado ao chão servia para alguma de suas coleções.
— Sua irmã tem razão — advertiu o tio Alistair numa voz severa, parando para se apoiar na bengala a caminho da porta de entrada.
Ele cheirava a loção pós-barba e talco. No trajeto entre o aeroporto e o hotel, ele comprara roupas novas para Amy e Dan e insistira para que eles se refrescassem e dormissem bastante.
Amy não tinha dormido nem um nanossegundo. Primeiro, porque estava nervosa. Segundo, porque Dan ficava resmungando Prrr enquanto dormia. Ele estava mesmo sentindo o falta de Saladin.
Mas isso não refreara sua obsessão por colecionar coisas. Amy estendeu a mão. Relutante, Dan colocou o cinzeiro nela.
— Está bem, mas então você pode me arranjar uns fósforos do Hotel Muito Obrigado? — ele perguntou.
Amy pôs o cinzeiro de volta numa mesa do saguão, enquanto Dan se arrastava atrás dela. Eles ainda não conseguiam pronunciar o nome verdadeiro do hotel, por isso tinham lhe dado aquele apelido, porque era a única coisa que todos os funcionários diziam para eles. Amy pegou uma carteira de fósforos do balcão da frente e sorriu para o recepcionista.
— Muito obrigado! — o homem disse.
Enquanto eles se encaminhavam para a porta, Dan avistou Alistair, que estava olhando distraidamente em outra direção.
— Vamos fugir — murmurou Dan. — Temos que encontrar o resto da equipe. Nellie e Saladin.
— Você está maluco? — Amy sussurrou de volta. — O tio Alistair pagou pela nossa estada no hotel. Ele sabe falar japonês e vai ajudar a gente a se orientar na cidade.
— Você gosta dele! — Dan disse, horrorizado. — Ele conseguiu convencer você!
Amy ficou ofendida.
— Eu não gosto e nem confio nele. Mas sem ele estamos perdidos, Dan. Por isso precisamos fingir, pelo menos até Nellie nos encontrar.
— Ou a gente encontrar ela! — Dan resmungou enquanto iam ao encontro de Alistair na entrada do hotel.
Juntos, eles saíram para um dia quente e ensolarado. Do lado esquerdo, pessoas fantasiadas de heróis de mangá cumprimentavam os consumidores na frente de um shopping reluzente, de vários andares. O cheiro de alguma flor estranha vinha de um parque, que ficava do outro lado de uma rua apinhada, repleta de carros e bicicletas. Amy achou Tóquio parecida com Nova York, mas sem as pessoas gritando umas com as outras.
Os olhos de Dan se voltaram para o alto, mirando uma estrutura de aço que se erguia acima do parque.
— Legal, alguém trouxe a Torre Eiffel pra cá e pintou ela de vermelho e branco!
Alistair sorriu.
— A Torre de Tóquio é mais alta que a torre parisiense, mas também é mais leve, graças aos avanços na construção siderúrgica. Avanços que, aliás, foram desenvolvidos por um engenheiro dos Ekaterina. Minha ilustre família. E estão vendo aquela torre residencial alta, com os lados curvos? Ela sugere uma flor japonesa encontrada em abundância no parque Shiba. É obra de um arquiteto Janus...
— Peraí, esse parque tem flores de aço? — perguntou Dan.
— Eu conheço alguém com cérebro de lata — respondeu Amy, virando-se em seguida para Alistair. — Como você sabe tanto sobre seu clã?
— Algum dia vou lhes mostrar minha coleção. Mas, por enquanto, vamos nos concentrar na tarefa que temos em mãos. São dez minutos de táxi até a Biblioteca Metropolitana.
— Biblioteca. Oba. Mal posso esperar — disse Dan, distraído, mexendo na carteira de fósforos. — Ah, tive uma ideia. Vocês dois vão na frente. Enquanto isso, eu vou comprar sushi de salmão e pegar um táxi até o aeroporto. Encontro vocês depois.
— Por que você acha que Saladin está no aeroporto? — perguntou Alistair, andando em direção à rua.
— Imagino duas hipóteses. Primeira: os Kabra fizeram uma lavagem cerebral em Nellie e estão percorrendo a cidade com ela, tentando encontrar a gente. Segunda: Nellie conseguiu dominar os Kabras com avançadas técnicas de ninja que ela absorveu de mim por telepatia sem perceber. Particularmente estou apostando na primeira. Seja como for, o Saladin deve... — O rosto de Dan se turvou. — Eu... não consigo parar de pensar nele, ainda naquela esteira rolante, dando um montão de voltas...
— Eu sei que vocês amam seu bicho de estimação. Mas precisam pensar primeiro na sua segurança. Os Kabra já devem estar esperando que vocês venham para o Japão. Provavelmente também estejam imaginando que vão aparecer no aeroporto em busca do seu querido felino e da sua babá...
— Au pair — Dan corrigiu.
— Vocês não podem correr o risco de cair numa armadilha — concluiu Alistair.
Amy também estava aflita por não saber onde Nellie e Saladin estavam. Ela estava tentando falar com Nellie no celular desde que haviam chegado. Odiava ter de impedir que Dan fosse atrás deles. Mas o conselho de Alistair fazia sentido.
— Conhecendo Natalie e lan — disse Amy, seguindo Alistair em direção a um ponto de táxi — eles vão encontrar a gente.
— Mas... — protestou Dan.
— Temos que seguir em frente — decidiu a menina. — Nellie sabe se virar.
Dan deu um suspiro.
— Saladin também, eu acho. Ele é gato, vai se virar até melhor...
Enquanto os três atravessavam a praça, Dan não parava de acender fósforos, para em seguida assoprá-los.
— Dá pra parar com isso? — pediu Amy.
— Por quê? — quis saber Dan, acendendo outro fósforo. — É divertido. Assim não fico pensando que estamos aqui, ignorando as duas únicas pessoas de quem a gente gosta de verdade, e que estamos no país dos ninjas e do Godzilla e de artes marciais maneiríssimas, e que vamos desperdiçar outro dia numa biblioteca.
Ao se aproximar de um táxi, Alistair disse alguma coisa para o motorista num japonês fluente, rápido, e fez sinal para que Amy e Dan entrassem no veículo.
Eles aceleraram entre os automóveis, passando por vários prédios modernos de aço, e de vez em quando por uma antiga casa decorada, rodeada de jardins.
— Por que a gente não pode ficar num desses chalés? — perguntou Dan.
— São templos antigos — respondeu Alistair. — Vocês vão ver outros desses quando chegarmos mais perto do lugar aonde estamos indo. O ditador militar, que aqui no Japão era chamado de xogum, ordenou que todos os templos fossem transferidos para cá. Naquela época, a região de Roppongi era um posto avançado da capital, que então se chamava Edo. Parte da área era um território de caça para o xogunato.
— Fascinante — exclamou Amy.
Ela adorava aprender sobre as origens das cidades.
Dan concordou com a cabeça, olhando desanimado pela janela.
— Acho que eu acabei de ver uma celebridade.
O celular de Alistair tocou.
— Alô...? Sim... ah, muito bom, Serge. Ela o quê? Ora, ora, que curioso... Ah! Muito bem. E muito obrigado. Da. Da svidanya! — Ele guardou o telefone e virou-se para Dan e Amy. — Serge está em segurança na Sibéria com os dois filhos. Irina caiu no truque como uma patinha russa. Pensou que eles eram nós. Quando percebeu que tinha sido ludibriada, começou a disparar palavrões que deixaram até Serge constrangido.
— Legal! — vibrou Dan, comemorando com a irmã e o tio.
— Preciso agradecer a você, Amy — disse Alistair, com um sorriso radiante. — Agi como um amador ao não pensar que Irina podia estar nos rastreando pelo GPS do celular!
— Eu pensei nisso, tipo, naquela hora — comentou Dan num tom de modéstia. — Não falei nada porque sou mais tímido.
Amy revirou os olhos.
— E eu sou a rainha da Inglaterra.
— É verdade, você é mesmo enrugada e chata.
Dan desviou antes que Amy conseguisse dar um tabefe nele.
O táxi logo parou em frente a um edifício gigantesco, moderno e quadrado, margeado por um parque verdejante.
— Arisugawanomiya! — anunciou o taxista.
Dan pareceu entrar em pânico.
— Que foi que eu fiz agora?
— É o nome do parque, e aquele prédio é a sede da Biblioteca Metropolitana de Tóquio — Alistair explicou, enquanto pagava ao taxista e saía do carro. — Irina não vai demorar muito para nos encontrar. Nós retiramos os dispositivos de GPS, por isso é importantíssimo ficarmos sempre juntos. Coloquem seus telefones no modo vibratório enquanto estivermos dentro da biblioteca.
— Como vou aguentar tanta diversão? — resmungou Dan.
No instante em que eles entraram no prédio, uma bibliotecária esbelta surgiu do lado de Alistair, curvando-se para cumprimentá-lo e falando depressa com ele em japonês. Ela sorriu para Dan e Amy e fez um gesto para que eles a seguissem.
— Você conhece essa moça? — Dan sussurrou enquanto subiam uma escada suntuosa de mármore. — Tipo, da época em que você caçava com os xoguns?
— Não, ela só está sendo gentil — respondeu Alistair. Enquanto ele andava, mal dava para perceber que era manco. — Ela está mostrando respeito pela minha idade. Também é possível que a senhorita Nakamura se lembre de quando eu aparecia na televisão, dez anos atrás. Naquela época os burritos para micro-ondas sabor teriyaki estavam estourando a boca do balão.
Eles entraram numa salinha isolada, forrada de estantes de livros. Numa das paredes, duas janelas pequenas davam para a rua. No centro havia uma mesa com laptops.
— Por favor, não hesitem em falar comigo se tiverem alguma dúvida — disse a senhorita Nakamura com um leve sotaque, curvando-se novamente para Alistair e fechando a porta atrás de si.
— Eu disse a ela que estamos fazendo uma pesquisa para um novo site interativo sobre possíveis recheios de burritos — contou Alistair, apoiando as duas mãos na bengala enquanto se inclinava na direção de Amy e Dan. — Mas minha pergunta para vocês é: por que realmente estamos aqui?
Os olhos de Amy se lançaram direto para os de Dan. Alistair já fizera aquela pergunta antes, e todas as vezes eles tinham dado um jeito de não responder. Ele sabia que os irmãos Cahill estavam escondendo alguma coisa.
O problema eram as espadas. Alistair não sabia da existência delas. Não tinha visto as letras secretas gravadas em uma das lâminas. Não fazia ideia de que a segunda pista era tungstênio.
Ele está ainda mais confuso do que a gente, pensou Amy. Solução de ferro e tungstênio não eram duas peças de quebra-cabeça que se encaixassem obviamente. O primeiro era um ingrediente de tinta, o segundo era o material que brilha nas lâmpadas incandescentes. Que relação poderia haver entre os dois? Amy e Dan precisavam descobrir tantas outras coisas... mas uma coisa estava bem clara: de algum modo, as espadas eram a chave para a próxima pista. Talvez Alistar possa mesmo nos ajudar a fazer algumas descobertas, pensou Dan.
Porém os riscos eram grandes. O tio podia simplesmente pegar as informações e fugir. Ele já havia feito isso antes. Não confiem em ninguém. Ultimamente esse era o lema de Amy e Dan. Todas as vezes em que haviam se esquecido disso, tinham se arrependido.
E eles precisavam urgentemente reduzir o número de arrependimentos.
— Era um... código — disse Dan, improvisando uma mentira leve. — Na partitura. A música de Mozart. O código dizia... é... Vá para o Japão. Em clave de dó. É só isso que a gente sabe.
Alistair deu de ombros, sentando-se em frente a um computador.
— Não é muita informação, mas isso não nos deteve antes. Que tal cada um pesquisar um pouco e depois compararmos o que achamos?
Amy e Dan tomaram o cuidado de sentar de frente para ele, a fim de que seus monitores não ficassem visíveis. Amy digitou no campo de busca:

Japão tungstênio espada

87.722 resultados

— Hoje o dia vai ser longo — murmurou.
Dan digitou:

imagens guerreiro ninja

1.694.117 resultados

Ele sorriu. Talvez aquilo não fosse ser tão chato como imaginava.

Pintura corporal e a tatuagem era derivado de escravos e prisioneiro de Antigo Japão. alguns desenhos tem sido réplica histórica por nossos artistas de tatuagem, todos graduação universitária de História.

Dan rolou a tela. As imagens eram mais claras que a tradução do japonês. Alguns desenhos eram incríveis, cobriam as costas inteiras de uma pessoa. Havia dezenas: dragões, cenas históricas, paisagens, pergaminhos decorados...
Ele parou. Alguma coisa em uma das imagens lhe parecia familiar.
Rolando a página outra vez para cima, Dan encontrou a imagem e clicou nela. Lentamente, uma versão ampliada preencheu a tela.
— Dan, o que você pensa que está fazendo? — perguntou Amy, olhando por cima do ombro dele.
— Isso não é hiperlegal? — se entusiasmou Dan.
Amy apontou para a tela do laptop dela, que mostrava um mapa do Japão.
— Teoricamente estamos procurando uma pista!
— Oh, desculpe, Indiana Jones. Olhe mais de perto... Está vendo estas letras? São as mesmas que nós vimos na espada!
Ops.
Dan imediatamente tapou a boca com as mãos. Tinha dito sem querer a palavra que rimava com empada.
Os olhos de Amy se esbugalharam. Dan, seu idiota!, ela disse em silêncio.
Dan e Amy olharam de relance para Alistair, que estava concentrado anotando alguma coisa que via na tela. Devagar, ele ergueu os olhos. Parecia pálido, quase doente.
— Tio Alistair...? — disse Dan. — Você está bem?
Ele ficou alguns segundos sem responder. Tirou os óculos e limpou as lentes com um lenço de bolso.
— Estou. Olhar a tela por muito tempo fica mais difícil quando você é velho. Perdão. Vocês... ahn... encontraram alguma coisa?
— Sim — disse Dan.
— Não — retrucou Amy.
— Sim e não — esclareceu Dan. — E você?
Alistair fez que sim com a cabeça, um tanto ausente.
— Venham ver.
Amy e Dan contornaram a mesa para ver o conteúdo na tela de Alistair. Ele estava minimizando a tela com sua conta de e-mail para revelar uma página que mostrava uma pintura de um guerreiro japonês de aspecto feroz, segurando uma cabeça decepada.
— Eca... — resmungou Amy.
— Cara, são só pixels — disse Dan. — Mas... eca.
— É o... hã... Rato Careca — Alistair explicou, numa voz ainda distante e distraída. — Também conhecido como Toyotomi Hideyoshi.
— Toyoto yo quê? — perguntou Dan.
— Ele... ele foi o maior guerreiro da história do Japão — continuou Alistair. — Mas quase todos os registros o retratam como um homem horrendo. Viveu no século XVI. Começou como camponês e alcançou um poder incrível. Conquistou as diversas tribos e facções e unificou o país como uma grande potência pela primeira vez. — Alistair fez uma pausa, baixando a voz. — Ele também era um dos ancestrais da família Cahill.
— Bem que notei uma certa semelhança entre ele e a Amy — disse Dan.
— Na verdade, ele era um Tomas. Descendente de Thomas Cahill. Thomas viajou ao Extremo Oriente no século XV. Alguns dizem que foi para fazer comércio, outros, que foi para se esconder de vergonha, por não ter conseguido encontrar sua irmã rebelde. De qualquer modo, ele se fixou ali e sua família deu origem ao clã dos Tomas, célebre por sua brutalidade guerreira.
Dan olhou mais de perto.
— A família Holt... eles são Tomas. Parecem troncos de árvore com cérebros de dinossauro. Esse cara parece uma doninha.
— Faz sentido que Hideyoshi seja um Tomas — refletiu Amy. — A força. O jeito repulsivo como ele está segurando essa cabeça.
— A evolução é estranha. Não favorece os Tomas. — A expressão soturna de Alistair se aliviou um pouco e chegou perto de virar um sorriso. — É claro que sou suspeito para falar, pois sou um Ekaterina. De qualquer modo, tenho fortes motivos para crer que nossa busca deve começar por Hideyoshi. O homem tinha diversos segredos. Alguns dizem que foram os segredos que o levaram à ruína.
— Segredo é o nosso sobrenome, cara — disse Dan.
Alistair olhou bem nos olhos do menino, depois nos de Amy. A cor estava começando a voltar a seu rosto.
— Eu ia guardar essas informações para mim. Depois do que aconteceu em Salzburgo, não tinha mais certeza de que poderia confiar em vocês dois. Na verdade, hoje estive tentado a realizar toda essa busca por Hideyoshi sem o conhecimento de vocês.
— Bom, então somos dois — exclamou Dan.
—Três — corrigiu Amy. Olhando para o irmão por um instante, de relance, ela acrescentou: — A gente também não achava que podia confiar em você, tio Alistair.
Alistair assentiu com a cabeça.
— Eu me esforcei muito para reconquistar a confiança de vocês. Confiança é uma coisa frágil. Difícil de construir, fácil de quebrar. Com ela não se pode pechinchar. Apenas quem confia de coração aberto deve merecer confiança — ele voltou o olhar para Dan. — Para romper o círculo de desconfiança, alguém precisa dar o primeiro passo. Estou feliz por ter tomado a iniciativa. Vocês merecem.
Com um gesto solene, ele voltou a olhar a tela.
— Hideyoshi era um homem um pouco paranoico, que gostava de acumular coisas — Alistair continuou, rolando a tela para baixo até o texto biográfico. — Por exemplo, o Grande Confisco de Espadas de 1588, quando ele obrigou todos os fazendeiros e camponeses a lhe entregar suas espadas. Ele alegava que queria derretê-la para construir uma grande estátua de Buda. Mas era mentira.
— E qual era a verdade? — perguntou Amy.
Alistair deu de ombros.
— Esse é um dos grandes mistérios não desvendados. Ele também tomou medidas para impedir que fazendeiros e camponeses subissem à classe guerreira. Parecia ter medo disso.
— Mas ele se ergueu da pobreza — disse Amy.
— Amy-san, pense como uma guerreira — sugeriu Dan. — Ele tinha medo justamente porque se ergueu da pobreza. Achava que outra pessoa poderia fazer a mesma coisa e chutar o traseiro ninja dele.
Alistair assentiu com a cabeça.
— Talvez ele suspeitasse que outros descendentes dos Tomas – ou, pior, dos Ekaterina – vivessem nas províncias. Os Ekat e os Tomas já estavam em guerra naquela época. Estaria Hideyoshi tentando esconder as espadas dos Ekat para impedir que se erguessem contra ele? Não sabemos. Se ao menos soubéssemos onde ele escondeu as espadas... Isso talvez nos levasse ao porquê — dando de ombros, Alistair voltou-se para os irmãos. — Pronto, já contei tudo o que sei.
Dan olhou de relance para Amy. A bola estava com eles.
Ele nos contou os segredos dele, diziam os olhos de Amy. Nós devemos isso a ele.
Ele estava olhando o e-mail, respondeu Dan em pensamento. ISSO ele não mostrou pra gente.
Mas isso é diferente, ela argumentou. E nós precisamos dele.
Além de ter dinheiro e falar japonês, de que ele serve pra gente?
Além de ter uma bela orelha esquerda, pra que você serve?
Dan encarou a irmã com raiva. Você é mais velha, fale você.
Amy virou-se para Alistair.
— Nós achamos que encontramos duas das espadas — ela disse. — Em Veneza.
— As espadas de Hideyoshi... na Itália? — Alistair parecia aturdido.
Dando um suspiro, Dan resmungou:
— Estavam na casa de um tal italiano, chamado Fidelio Racco.
— Racco... — disse Alistair. — Um Janus. Entretanto, a pista aponta para uma base secreta dos Tomas. Que curioso. Aqui no Japão, correm rumores de que há esconderijos secretos de Hideyoshi, mas todos supostamente são guardados por seus descendentes. Muitos deles são da Yakuza.
Dan sorriu. Agora sim aquilo estava começando a ficar interessante.
— Nossa... que demais! — exclamou Dan. — Eu lutei contra eles no nível 4 do... acho que do Ninja Gaiden. Esses caras gângsteres do mal! Cortam seus braços e servem de almoço.
— Mal posso esperar pra conhecê-los — disse Amy.
— A gente tentou trazer as espadas para cá — Dan continuou. — Estão na nossa bagagem. uma delas tinha umas coisas escritas. Achamos que essas coisas são importantes... que podem nos dar informações sobre a próxima pista.
Alistair arregalou os olhos.
— Existe algum meio de recuperar essas espadas?
— Bom, talvez a gente não precise — Das apontou com o rosto para a tela dele. — As mesmas letras estão nessa tatuagem.
Dan nunca tinha visto Alistair se mexer tão rápido. Ele se debruçou sobre o ombro de Dan e espremeu os olhos para ver melhor a imagem.
— Tem certeza de que era isso que estava escrito na espada? — perguntou.
— Ahã — respondeu Dan. — Bom, quer dizer, não exatamente. Tinha outras letras estranhas também, que não aparecem aqui.
Amy balançou a cabeça.
— Como você pode ter certeza? Você não sabe nem uma palavra em japonês, quanto mais ler os ideogramas.
— Ah, é verdade — disse Dan. — E desde quando eu sei ler música? Mas, puxa, quem foi que memorizou uma peça inteira de Mozart e encontrou nossa última pista? Peraí, deixa eu tentar lembrar... Ah, já sei! Fui eu!
— Dan, você tem certeza de que estão faltando letras? — indagou Alistair. — Porque essa mensagem, do jeito como está, não quer dizer muita coisa. Não passa de uma oração mágica pedindo sorte, honra, triunfo, e coisas assim.
— Certeza absoluta. Tinha uma letra bem bizarra no começo de cada linha. Como se fosse outra língua. Tipo, talvez aquela, sânstico.
— É sânscrito, seu cérebro de tatuagem — disse Amy, sentando-se diante do computador dela. — Pelo jeito, você não lembra de tudo perfeitamente.
Ela virou-se para o tio, que digitava enfurecido no teclado.
— Afinal, o que você sabe sobre essa tal Yakuza, tio Alistair?
Ela teve a impressão de ver o corpo do tio tremer.
— Eles são cruéis e muito perigosos — ele sussurrou. — Acreditem em mim, é melhor não cruzarmos o caminho deles.
— Você conhece algum deles pessoalmente? — perguntou Dan.
— Eles me conhecem e me detestam. Eu sou um Ekat. Os Tomas e os Ekat têm sido grandes inimigos há séculos. Há muito tempo existe a suspeita de que a Yakuza possui um mapa de uma cripta subterrânea secreta. E se entendi direito essa última mensagem, talvez tenhamos encontrado uma cópia dele.
Ele clicou em IMPRIMIR. Da impressora da biblioteca, um mapa foi surgindo aos poucos na bandeja de papel, mostrando uma imagem antiga de uma complexa rede de túneis.
— Legal! — exclamou Dan.
— Você sabia disso o tempo todo? — perguntou Amy.
Alistair fez que não com a cabeça. Outra vez, seu rosto ficou pálido e contraído.
— Faz tempo que estou procurando certos... documentos Ekat roubados, que não têm nada a ver com isto. Um dos meus colegas conseguiu encontrar um cofre escondido. Recebi uma mensagem dele por e-mail enquanto estávamos em Salzburgo, com vários anexos, inclusive este mapa.
Alistair mostrou aos irmãos o papel impresso, cujo título era RELEVÂNCIA DESCONHECIDA.
— Peraí... Documentos Ekat? Colegas? O que mais você está escondendo de nós? Como você pode...?
As palavras de Amy entalaram na garganta. No monitor de Dan, o cursor estava avançando sozinho do meio da tela para o canto superior esquerdo.
— Dan? Pare com isso, ok?
— Parar com o quê?
— A gente sabe que você acha as bibliotecas chatas, mas será que você não consegue levar nada a sério? Você está fazendo uma brincadeira, né? Tem alguma coisa no seu bolso mandando um sinal pro computador. Se não for isso, então por que o cursor está se mexendo?
Agora o cursor estava clicando em VOLTAR, percorrendo depressa todas as páginas que Dan tinha visitado: tatuagens, informações sobre Hideyoshi e o Confisco de Espadas, os perfis no Facebook de três meninas do sexto ano...
— Ei! — gritou Dan.
— É um keylogger, um programa que monitora o que uma pessoa faz no computador — explicou Alistair, levantando o laptop devagar. — Alguém hackeou o computador e está olhando tudo o que você viu hoje.
Com um puxão firme, ele arrancou o cabo da eletricidade de trás do computador, e a tela ficou preta. Começou a soar um apito contínuo e, num painel de LCD junto ao botão de energia, piscavam caracteres japoneses suspeitos, vermelhos, que pareciam querer dizer EMERGÊNCIA.
— Como fizeram isso? — perguntou Amy.
Dan pegou o laptop e examinou o PC-card.
— É um wireless 802.11g. Quem fez isso deve estar bem perto daqui. Não sei, talvez uns 30 metros... ou 50.
Alistair andou até a janela.
— O que significa que ou eles estão no prédio, ou em algum daqueles carros lá fora.
Algum daqueles cem carros, ele poderia ter dito. Isso contando os carros parados no meio-fio, no estacionamento ao lado e os engarrafados no trânsito.
Toc-toc-toc-toc!
As batidas na porta fizeram todos pularem de susto.
— Está tudo bem aí dentro? — perguntou uma voz tímida do outro lado.
Parecia a senhorita Nakamura, mas tinha alguma coisa suspeita no tom de voz dela...
Alistair caminhou até a porta.
— Talvez ela saiba como rastrear o hacker.
— Não! — exclamou Amy.
— Senhorita Nakamura — disse Alistair, dando um puxão na maçaneta — sua biblioteca foi hackeada...
A porta se abriu de repente, e Alistair deu de cara com o gigantesco tórax de uma camiseta cinza tamanho GGG.
— Grande descoberta, Sherwood — disse Eisenhower Holt, com um sorriso tão largo que quase encostava nas bordas de seu corte de cabelo militar. — Agora façam fila, todos vocês... e marchem!

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