Nota mental, refletiu Dan. Não pensar em múmias sugadoras de cérebro enquanto estiver numa tumba da Antiguidade.
A escuridão ao redor os oprimia. Bastara empurrar a porta para abri-la. Theo devia ter esquecido de trancar. Sem a presença animada dele, a tumba parecia mais escura. Mais assustadora.
— V-você acha mesmo que devemos descer? — Amy sussurrou.
— Foi pra isso que a gente veio aqui — Dan respondeu, sem se mexer.
— Isso é ridículo. — Amy endireitou os ombros. — Vamos.
Ela fechou a porta devagar, mas deixou uma fresta. Dan ficou colado na irmã enquanto desciam a escada. Quando chegaram à antecâmara, ambos fitaram o teto. As estrelas pareciam um canteiro de flores douradas no fundo azul brilhante.
Eles olharam para a escada logo atrás.
— Vamos procurar nas pedras verticais — disse Amy. — As que ficam atrás dos degraus. Katherine ia preferir deixar uma pista ali, e não no próprio degrau. Devia saber que séculos de pessoas pisando ali iam apagar qualquer mensagem.
Eles examinaram a pedra vertical de cada degrau, porém não havia nada para olhar além da velha superfície desgastada.
— Próxima escada — mandou Amy. — É melhor a gente se apressar.
Eles foram descendo a escada com cuidado, avançando mais fundo na tumba.
— Espera! — Amy sussurrou.
Ela não sabia por que estava sussurrando, mas parecia errado falar alto naquele lugar.
Ela se agachou, espremendo os olhos na penumbra. Esqueceu o nervosismo quando a emoção da descoberta se alastrou pelo seu corpo.
— Dan, vem aqui! Acho que é um hieróglifo. Está entalhado na pedra.
— E aqui também — percebeu Dan.
Eles foram descendo, recolhendo um hieróglifo após o outro.
De repente, ouviram uma espécie de rangido e o barulho de um atrito metálico.
A porta de ferro da tumba se fechou por completo, fazendo um grande estrondo. As luzes imediatamente se apagaram.
— Amy? — Dan sussurrou.
— Estou aqui.
Ela só soube que Dan estava a centímetros de distância pelo som de sua voz. Estava tão escuro que ela não conseguia ver a própria mão. Amy lutou contra o pânico que começava a tomar conta dela. A escuridão os engolia como uma coisa viva.
Dan sentiu sua respiração falhar. Amy segurou a mão dele. Numa situação normal, ele teria soltado a mão e dito alguma coisa como Eca!, mas naquele momento foi bom sentir os dedos da irmã, embora estivessem meio suados.
— Alguém fechou a porta — ela sussurrou.
— Ah, jura? Ainda bem que você avisou — Dan sussurrou de volta.
De repente, ele ouviu um barulho. Seria um passo? Raspando, como o ruído de um pé sendo arrastado no chão coberto de pó. Como se faixas de pano viessem deslizando atrás...
— Você ouviu isso? — sussurrou Amy.
— Não — Dan mentiu.
A morte virá em asas velozes para quem perturbar a paz dos que dormem.
Dan sabia que estava inalando pó. Sentia seus pulmões lutando para respirar. Ouviu o chiado que vinha de seu peito.
— Dan — Amy agarrou o ombro dele. — Tem bastante ar aqui. Você trouxe a sua bombinha?
A voz calma da irmã o tranquilizou. Ele não sabia como ela podia estar tão calma, porém aquilo o ajudou. Ele a tinha visto entrar em pânico ao quase ser enterrada viva. A dona Amy estava ficando cada vez mais valente. Ele enfiou a mão no bolso da bermuda e tirou a bombinha.
Melhor assim.
O barulho veio outra vez, aquela apavorante ameaça sutil. Ele nem se deu ao trabalho de dizer que não tinha ouvido. Imaginou uma múmia, com buracos pretos no lugar dos olhos, arrastando pedaços de linho pelo chão. O cérebro já tinha sido retirado, era apenas uma coisa morta... chegando perto...
Vai devagar, ele disse aos batimentos do coração. Se fosse num jogo de videogame, você ia achar isso superlegal.
Outro barulho de algo raspando se aproximando.
Mas não é um jogo!
Quem quer que fosse, pessoa ou coisa, estava vindo atrás deles.
— Temos que nos esconder — Amy falou baixinho. — A câmara funerária.
A coisa que ele menos queria no universo era voltar para a câmara funerária. A simples ideia fazia seu sangue gelar. Mas ele seguiu Amy até o lugar onde a múmia estivera deitada por milhares de anos.
***
Mesmo na escuridão absoluta, Irina conseguia se orientar muito bem. Ouviu Dan e Amy vindo devagar em sua direção. Ela tinha visão de gato. Conseguia encontrar a saída de uma caverna quilômetros embaixo da terra se fosse preciso. Na verdade, já tinha feito isso antes, graças àquele servicinho sujo em Marrakesh nos anos 1990.
A acústica da tumba ampliava todos os sons. Eles estavam vindo bem na direção dela. Aquela era a sua chance. Os dois finalmente estavam no papo. A questão era o que fazer, exatamente. As crianças tinham que ser impedidas, tinham que ser detidas. Precisavam levar um susto tão grande que voltariam para Boston, de onde nunca deviam ter saído.
Talvez as unhas envenenadas, eram sempre uma boa opção. Ou seria melhor um explosivinho? Nada muito forte, só o suficiente para causar um pequeno desabamento. Se ela conseguisse passar por eles – e conseguiria – podia colocar o explosivo na entrada e cabum! Eles ficariam presos na câmara funerária por um bom tempo, ela imaginou. Tempo bastante para decidir que as 39 pistas eram um jogo para adultos, não para crianças.
Irina avançou em silêncio. Amy deu um passo hesitante para dentro da câmara. As crianças estavam de mãos dadas. Óóó. Que fofos, que lindos covardes!
A tumba produzira nela um efeito estranho. Ela tinha chegado a pensar maluquices. Blin! Como costumava dizer sua avó, quase tinha jogado pedra no próprio telhado. Ideias insanas, achando que estava seguindo pelo caminho errado, que havia outra maneira de agir.
Só havia um jeito de agir: passando por cima de todo mundo.
Eles estavam bem próximos. Ela sentia o cheiro do medo deles. Irina sorria enquanto se aproximava. Apenas mais um milímetro ou dois e... O pé dela acertou alguma coisa.
— Você ouviu isso? — Amy gemeu.
Irina estava tão perto deles que podia estender a mão e encostar em Amy. Só precisava esticar um dedo... e espetar.
Ela sentiu o tique no olho. Agachou-se e encostou na coisa que atingira com a ponta do seu tênis. Apanhou entre os dedos um livro pequeno e o pôs no bolso.
— Tem alguém aqui com a gente — sussurrou Dan.
Sim, estou aqui, pequeno camarada. Irina conseguia perceber o brilho da nuca de Dan. Tão vulnerável... Tão perto. Mas era melhor esperar. Melhor que eles estivessem conscientes quando ocorresse a explosão. De que serviria assustar duas crianças inconscientes? Bem acordados, eles sentiriam o terror mais intensamente.
Relutante, Irina passou rente às crianças como um fantasma. Subiu as escadas na direção da porta. A câmara lateral agora estava a sua esquerda. No outro bolso, ela trazia o explosivo.
Irina parou. Programou o timer. Segurou o explosivo na mão, pronto para colocá-lo no lugar. Então lembrou-se das pinturas nas paredes. A rainha. A outra deusa que a conduzia pela mão. Aqueles tons de verde, de dourado, de azul. Por 3 mil anos aquela tumba tinha sobrevivido. Ela deve descansar em paz.
O quê? Como aquele pensamento se infiltrara em seu cérebro?
Ela era uma Cahill. Uma Lucian. Superior em intelecto e astúcia. Disposta a fazer qualquer coisa para conseguir o que queria... exceto destruir o que milênios de areia, água e ladrões não tinham destruído.
Irina desligou o timer.
Foi então que ouviu os passos. Tinha mais alguém ali. Irina não tinha medo de nada na vida. De palhaços, talvez. Ela caminhou em direção ao barulho.
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